Sobre a paródia no Twitter: lições a aprender

by Digital Rights LAC on julho 17, 2013

Daniel Alvarez

Um poderoso empresário chileno moveu uma ação por usurpação de identidade contra um usuário do Twitter. Meses mais tarde, e depois de grande controvérsia pública, o caso foi arquivado definitivamente. À luz do comportamento das autoridades policiais e das empresas envolvidas, é hora de rever as lições aprendidas.

Por Daniel Álvarez, ONG Direitos Digitais.

No dia 18 de fevereiro de 2012, Rodrigo Ferrari, usuário chileno do Twitter, foi acusado pelo Ministério Público por ser o suposto autor do crime de usurpação de nome do empresário chileno e um dos homens mais ricos do mundo, Andrónico Luksic. Ele teria cometido o delito por meio das contas @losluksic, @andronicoluksic e @luksicandronico.

Em audiência, o especialista em delitos complexos do Ministério Público, Marco Antonio Mercado, acusou Ferrari de ser o autor do delito previsto no artigo 214 do Código Penal chileno, na qualidade de autor e como responsável pelas três contas citadas.

Mercado baseou sua decisão nos antecedentes reunidos pela Polícia de Investigações ao longo de mais de um ano e meio de atividades, que incluíram: medidas de vigilância secreta, obtenção ilegal de informações pessoais de Ferrari a partir das bases de dados das empresas prestadoras de serviço de Internet, e cópias dos registros de usuários das contas do Twitter, que foram entregues por esta empresa estadunidense apesar de não haver ordem judicial que a autorizasse a fazê-lo. Com essa informação, a Polícia de Investigações elaborou um informe que vinculava, erroneamente e sem qualquer antecedente que a respaldasse, Ferrari às três contas investigadas.

Desde a referida audiência, Rodrigo Ferrari alegou em sua defesa que é responsável somente pela conta @losluksic, a qual havia criado com o único propósito de parodiar uma das famílias mais ricas do Chile, e isso poderia ser identificado por qualquer pessoa que notasse, por exemplo, o tom humorístico ou satírico das mensagens, ou que visse a foto principal da conta com dólares caindo do céu.

O argumento da paródia foi central para que a Juíza de Garantia, Carla Capello, desse a acusação por encerrada, afirmando:

“(…) para todos os fins, o conteúdo dessa conta é satírico e irônico, além de não apresentar o ânimo subjetivo de se apropriar do nome de Andrónico Luksic (…), e por isso entendemos que os fatos não constituem o delito.”

A respeito das outras contas – @andronicoluksic e @luksicandronico – um informe pericial elaborado pelo profesor Patricio Poblete, diretor da Escola de Engenharia da Universidade do Chile e um dos pioneiros da Internet no Chile, afirmou que não existia antecedente algum na informação proporcionada pela empresa Twitter que vinculava Ferrari à sua criação e administração, e que as conclusões da Polícia de Investigações eram errôneas e infundadas.

Finalmente, Rodrigo Ferrari foi absolvido de todos os delitos imputados, graças à sua decisão de enfrentar e de contradizer todas as acusações no tribunal, sem ceder às pressões para fazer um acordo ou para obter suspensão condicional da pena, como o Ministério Público já havia feito em outras investigações relacionadas ao uso da paródia no Twitter. Assim ocorreu, por exemplo, no caso da conta @caradeorrego, que ironizava o então prefeito de Peñalolén e posterior pré-candidato à presidência, Claudio Orrego, e cujo autor foi acusado e submetido à suspensão condicional.
Encerrado definitivamente, o caso de @losluksic nos deixou várias lições a aprender e algumas conclusões positivas que devemos rever rapidamente:

UM. A paródia na Internet constitui um exercício legítimo do direito à liberdade de expressão e não pode, com êxito, ser atacada judicialmente através dos tipos penais de usurpação de nomes ou similares. A correta interpretação das normas do Código Penal assim o impede e las normas constitucionais sobre liberdade de expressão a amparam e promovem.

DOIS. As investigações judiciais e policiais devem observar, em todo momento, as normas constitucionais sobre devido processo e proteção da vida privada das pessoas. Não é tolerável, em um Estado democrático de Direito, que as autoridades policiais e o Ministério Público tenham acesso à informação pessoal sem ordem judicial prévia e específica que os autorize.

TRÊS. As empresas de telecomunicações devem se opor, em qualquer caso, a compartilhar informações pessoais de seus clientes, sem que a correspondente ordem judicial prévia e específica assim as ordene; caso contrário, estarão expostas a sanções de multas e, eventualmente, a responder pelos prejuízos que gerarem. Nesse sentido, o Twitter deveria aplicar o mesmo padrão que utiliza para a proteção dos direitos de seus usuários localizados nos Estados Unidos ou em outros países desenvolvidos a quem vive em países em desenvolvimento, ou melhor, ao Terceiro Mundo.

QUATRO. A defesa dos direitos humanos na Internet requer ações positivas. É necessário que as autoridades policiais, o Ministério Público e os Tribunais de Justiça sejam permanentemente capacitados tendo em vista o alcance dos direitos fundamentais no ambiente digital, dada a importância crescente que têm adquirido nas últimas décadas.

Daniel Álvarez é director legal da ONG Direitos Digitais
E-mail: daniel (at) derechosdigitales.org