Sistema de vigilância de comunicações na Colômbia põe em xeque os direitos humanos

by Digital Rights LAC on julho 17, 2013

Amalia Toledo

Os avançados sistemas governamentais de vigilância de comunicações privadas manifestam o desmedido poder tecnológico dos Estados e a fragilidade de nossos direitos humanos ante as novas tecnologias. Recentemente, a Colômbia adotou medidas legais tendentes a autorizar e sistematizar a vigilância massiva de comunicações na rede, colocando em risco os direitos humanos de seus cidadãos.

Por Amalia Toledo, Fundación Karisma.

É inegável que a Internet tem servido para defender, promover e proteger as liberdades fundamentais mais básicas do ser humano. Ao mesmo tempo, tem sido também um espaço de transgressão dos mesmos. Grupos de pessoas, indivíduos, empresas e governos tem usado esta ferramenta atentando indevidamente contra os direitos humanos (DDHH). Basta ler os jornais para encontrarmos com o mais recente escândalo que assola o governo dos Estados Unidos e seu sistema de vigilância massiva das comunicações na rede. Esta realidade nos confronta com a necessidade de nos conscientizarmos sobre nossos direitos e o funcionamento da internet. Só assim seremos capazes de estabelecer, operar, mitigar e adotar decisões informadas a respeito do uso da rede, bem como de exigir a nossos governos a adoção de garantias legais, mecanismos de equilíbrio e maior transparência no momento de adotar normas e tecnologias de vigilância.

Antes de avaliar a nova lei colombiana sobre atividades de vigilância no ciberespaço, dediquemos um espaço para revisar o marco internacional dos direitos humanos (DDHH), com uma particular ênfase nos direitos à intimidade e à liberdade de expressão.

O direito à intimidade pode ser definido como aquele por virtude do qual um indivíduo tem o poder de excluir das demais pessoas o conhecimento de sua vida pessoal (i.e. sentimentos, emoções, dados biográficos e pessoais, imagem). Implica também na faculdade de determinar em que medida essas dimensões da vida pessoal podem ser legitimamente comunicadas a outros. Nenhum escopo de alcance deste direito é absoluto. O Estado tem o poder legítimo de limitá-lo de acordo com as normas internacionais de direitos humanos. Isto é, a introdução de limitações e restrições deve ser sempre necessária, legítima e proporcional.

O direito à intimidade se reveste de grande importância, pois é a base de outros direitos. Por esta razão, a privacidade é necessária para criar zonas que permitam às pessoas pensar e construir ideias e relações. O direito à liberdade de expressão, por exemplo, necessita da intimidade para seu exercício efetivo.

Por outro lado, a liberdade de expressão é o direito que permite existir uma cidadania informada. Além disso, e igualmente importante, é vital para garantir a prestação de contas em ambos os setores público e privado. Um acesso amplo à informação e à liberdade para criar e comunicar ideias é fundamental para o desenvolvimento e o avanço do conhecimento, as oportunidades econômicas e o potencial humano. Este direito está sujeito a limitações e restrições previstas por lei e necessárias para “(a) assegurar o respeito aos direitos ou à reputação dos demais; (b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública ou da saúde ou moral públicas” (Art. 19(3)).

No ano de 1999, o comitê de supervisão do Pacto Internacional de Derechos Civiles y Políticos, em sua Observación General No. 27, declarou a sua posição sobre os elementos que tornam admissíveis as limitações ao direitos à intimidade e livre expressão, entre outros. Neste sentido, estabelece que qualquer restrição deve: (a) estar fixada na lei; (b) não comprometer a essência do direito em questão; (c) ser necessária; (d) limitar o poder discricionário do organismo executor; (e) perseguir fins legítimos e buscar atingi-los; (f) respeitar o princípio da proporcionalidade, ser adequado em relação à sua função protetora, ser o instrumento menor intrusivo para conseguir o resultado desejada e, ainda, ser proporcional com o interesse que busca proteger; e (g) ser compatível com os outros direitos do Pacto. Portanto, este é o parâmetro legal internacional para medir a legalidade de uma medida restritiva dos direitos humanos.

Na Colômbia, a regulação em matéria de vigilância e comunicações digitais está contida na Ley No. 1621 de 2013 e no Decreto No. 1704 de 2012. A primeira trata dos limites das atividades de inteligência e contra-inteligência, enquanto o decreto regulamenta a obrigação dos provedores de serviços de telecomunicações e redes a entregar as bases de seus usuários às autoridades encarregadas por investigações criminais. Embora não exista determinação expressa, se infere da leitura de ambas medidas que a mesma tecnologia de vigilância será utilizada tanto para atividades de inteligência quanto para processos penais. As atividades de ingerência nas comunicações privadas digitais, de acordo com estas normas, estão amparadas no dever do Estado de proteger a defesa e a segurança nacionais. No entanto, não existem quaisquer definições desses conceitos. Esta falta de precisão impede a diferenciação entre as atividades legítimas de vigilância e as que não são, pondo em xeque os direitos à intimidade e liberdade de expressão dos cidadãos.

Além disso, as medidas outorgam um excessivo poder de ingerência aos organismos estatais, afetando seriamente os direitos à intimidade e à liberdade de expressão. Não há dúvida que é um fim legítimo do Estado a defesa e a segurança nacionais. No entanto, os meios previstos para a consecução dos objetivos contrariam manifestamente o interessem que buscam proteger. Além disso, as normas são muito omissas ao precisar em que consiste o monitoramento do espectro eletromagnético, que tipo de tecnologia se utilizará para interceptar comunicações digitais, quais são as instituições competentes para gerir o sistema de vigilância, quais mecanismos de controle – judicial, independentes e/ou cidadãos – asseguram o uso devido deste sistema, entre outros.

A informação que estas normas permitem interceptar – informação técnica ou metadados* – pode ser profundamente reveladora. E a Lei 1621 e o Decreto 1704 não oferecem suficientes garantias para assegurar que as atividades permitidas não ultrapassem as fronteiras da legalidade.

Estas medidas sofrem de imprecisão, fraqueza e quase total ausência de efetivos controles e limites. Portanto, não cumprem os padrões internacionais de direitos humanos. Cabe agora aos cidadãos exercer o seu direito à liberdade de expressão, pedindo prestação de contas ao governo e lembrando que ele não tem carta branca para restringir manifestamente nossos direitos fundamentais. É a hora de atuar e nos defendermos da intromissão indevida do governos com nossos direitos humanos.

*En sentido estricto son datos que describen otros datos. En una comunicación, sea telefónica o en la red, puede incluir nombres de la personas involucradas, las características técnicas del medio utilizado, la ubicación de quienes llaman y contestan, duración de la llamada, etc.

Amalia Toledo es colaboradora del grupo Derechos, Internet y Sociedad de la Fundación Karisma.
Twitter: @amalia_toledo