Mapeamento da Mídia Digital no Brasil

by Digital Rights LAC on setembro 30, 2014

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Com a necessidade crescente de melhor entender as transformações tecnológicas e culturais que a digitalização causaram nas formas de produzir e consumir conteúdo e notícias e, reconhecendo a importância de garantir o acesso à informações robustas e confiáveis, pesquisadores do Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS/ FGV Direito Rio) trabalharam com a Open Society Foundations em projeto, que envolveu mais de cinquenta países, analisando os impactos deste processo de digitalização no Brasil e no mundo.

De Jhessica Reia e Antonia Azambuja, CTS*.

O século XX presenciou importantes transformações tecnológicas e culturais que mudaram as formas de produzir e consumir conteúdos e notícias. A partir de um processo de digitalização cada vez mais acelerado, os meios de comunicação se viram diante de um novo cenário midiático e da necessidade de se pensar em transições e eventuais rupturas. De qualquer forma, os países não atravessam da mesma maneira a transição digital, sendo difícil olhar para esse cenário tão dinâmico e analisar a mídia de hoje e a mídia de amanhã. Através da necessidade de entender esse momento e em consequência do papel preponderante que o acesso à informações robustas e confiáveis deve ter na consolidação de processos democráticos, surge o projeto de pesquisa e advocacy chamado Mapping Digital Media.

O projeto Mapping Digital Media é uma iniciativa da Open Society Foundations, realizado através do seu Media Program, que reuniu mais de cinquenta países ao redor do mundo para analisar os processos de digitalização das comunicações e os impactos causados, por exemplo, no jornalismo, nos modelos de negócio, na alocação do espectro, na penetração dos meios, no sistema público de comunicação, entre outros temas. O projeto, que teve início em 2010, reuniu pesquisadores locais responsáveis pela elaboração de relatórios em seus respectivos países. Todos os relatórios seguiram o mesmo roteiro (template) de questões, divididas de acordo com a metodologia a ser utilizada e temas que se tornariam os capítulos do trabalho final.

No Brasil, os pesquisadores responsáveis pelo trabalho foram Pedro Mizukami, Jhessica Reia e Joana Varon, que se debruçaram sobre o roteiro (template) desde 2010 e levaram quase quatro anos para finalizar o relatório. Durante esse período, muitos desafios apareceram, valendo ressaltar a carência de dados e informações para responder as perguntas propostas. Como todos os países seguiam o mesmo modelo, em muitos momentos questionamos se seria possível obter as respostas esperadas, dado que nosso contexto econômico e sociocultural é bastante diferente da Europa, da Ásia ou mesmo da América do Sul. Desde o início, ficou claro um desafio que muitos outros pesquisadores da área sempre apontaram: a precariedade de dados sobre o setor das comunicações que temos no Brasil – os dados são muitas vezes inexistentes, indisponíveis, fechados em formatos proprietários, disponibilizados de forma não editável (muitas vezes nos deparamos com arquivos em formato PDF), desatualizados, em plataformas não amigáveis para o usuário, coletados e agregados por empresas que cobram valores exorbitantes para fornecer o acesso, etc.

Diante desse cenário de escassez de informações sobre a atuação de diversas entidades, de provimento de serviços, de penetração de meios, de investimentos, entre tantos outros temas que deveríamos abordar, tentamos nos pautar pelo que estava disponível e em trabalhos que tentaram trilhar esse caminho anteriormente. Um ponto positivo que tivemos nesse processo foi a aprovação da Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011) em 16 de maio de 2012, que regulamenta o direito constitucional de acesso às informações públicas. Isso deu o pontapé inicial para a melhoria da transparência em órgãos públicos e para o acesso a diversas informações, apesar da lei ainda precisar de execução e de implementação por parte do poder público (ler mais sobre isto). Contudo, muito ainda precisa ser feito, já que as informações necessárias para fazer um levantamento ainda mais completo do atual cenário comunicacional brasileiro vão além dos dados públicos e deveriam incluir também dados de entidades privadas que operam concessões públicas, por exemplo.

Para além dos dados apresentados, também se tentou olhar para o jornalismo – um dos grandes focos do relatório – e discutir seu papel no cenário de transição digital. Largamente afetado pela digitalização, o jornalismo tem se debatido com várias questões existenciais e técnicas. Da precarização das condições de trabalho às discussões de sustentabilidade do jornalismo investigativo, é preciso refletir sobre o seu futuro e o comprometimento com a difusão de notícias plurais, diversas e confiáveis. A Internet traz grandes vantagens e novas possibilidades, assim como traz à tona problemas (recentes e antigos) sobre a atuação da imprensa no país.

Olhando para o cenário desenhado nas páginas do relatório (que foi encerrado no final de 2013, mas atualizado e lançado em versão bilíngue em 2014), é possível acompanhar erros e acertos, lacunas a serem preenchidas e onde nos encontramos agora em relação à digitalização. O acesso à Internet nos domicílios brasileiros vem crescendo nos últimos anos, mas não há como negar a hegemonia da televisão, ainda presente em quase todos os lares. O rádio vem perdendo sua audiência gradativamente, assim como a mídia impressa vem sugerindo um contexto de crise, porém a migração para as plataformas digitais é uma realidade cada vez mais presente – mostrando a capacidade de adaptação da mídia tradicional. Ao mesmo tempo, os modelos de negócio vão se diversificando e tanto a legislação, quanto as atividades de pesquisa e reflexão sobre esses fenômenos, não conseguem acompanhar o ritmo dinâmico de mudanças no setor tecnológico, a entrada e saída de atores e os processos de desintermediação e re-intermediação que despontam no mundo digital.

Justamente por se tratar de um cenário dinâmico, que vem avançando rapidamente devido às transformações tecnológicas e de modelos de negócio que permeiam o setor das comunicações, é difícil fazer um retrato estático do que seria o mapeamento da mídia digital no Brasil. Foi bastante complicado colocar um ponto final no projeto, já que quase todas as semanas tínhamos novos casos, informações e desdobramentos de certos temas abordados. Portanto, trata-se aqui de um projeto ambicioso, que se propõe a ser um esforço de sistematização e levantamento temporal capaz de apresentar um registro do momento de transição que o país passa (em consonância com mudanças globais), visando contribuir para um debate de décadas sobre o papel da mídia, sua regulação e como poderia ser o cenário comunicacional que queremos para o Brasil.

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*Jhessica Reia é pesquisadora do CTS da FGV/Direito Rio e foi uma das coautoras do livro Mapeamento da Mídia Digital no Brasil, e Antonia Azambuja é estagiária do CTS da FGV/Direito Rio.