Os problemas do Projeto de Lei sobre grooming na Argentina

by Digital Rights LAC on julho 17, 2013

Eleonora Rabinovich

Projeto de Lei, cuja análise foi adiada após os questionamentos feitos pela sociedade civil, apresentava graves problemas de imprecisão e amplitude em sua elaboração.

Por Eleonora Rabinovich, Liberdade de Expressão da Associação pelos Direitos Civis.

Na Câmara dos Deputados argentina teve início a discussão sobre um Projeto de Lei através do qual se criaria o crime de “grooming”. O novo tipo de delito tem vários problemas de compatibilidade com princípios essenciais que devem reger uma legislação penal que respeite as garantias constitucionais e, por este motivo, foi rejeitado por ativistas e organizações da sociedade civil.

Felizmente, depois das críticas recebidas, a análise do projeto – que conta com a aprovação parcial do Senado e seria aprovado no mês passado – foi adiado. De acordo com informações provenientes do Congresso, será aberta uma nova rodada de debates.

O termo “grooming” é utilizado para designar a prática através da qual um adulto se faz passar por amigo ou ganha a confiança de uma criança ou adolescente pela Internet, com o objetivo de cometer abuso sexual. A iniciativa em questão propõe incorporar ao Artigo 131 do Código Penal argentino o seguinte texto: “Será penalizado com prisão de seis meses a quatro anos aquele que, por meio das comunicações eletrônicas, telecomunicações ou qualquer outra tecnologia de transmissão de dados, se conecte com uma pessoa menor de idade com o propósito de cometer qualquer delito contra a integridade sexual da mesma”.

Conforme constatamos na Associação pelos Direitos Civis, são inúmeros os problemas que se apresentam neste cenário e são resumidos na maneira vaga e imprecisa com que foi elaborado.

Citando um exemplo, o texto incrimina o mero “contato” com um menor; isto implica num castigo a um ato preparatório anterior à execução do crime processado, que se completa por um elemento exclusivamente subjetivo e difícil de ser comprovado. Isto pode abrir caminho para vários problemas durante a investigação penal, incluindo violações da liberdade individual ou da privacidade dos indivíduos, conforme apontaram alguns especialistas. A “Convenção do Conselho da Europa para a Proteção das Crianças contra a Exploração Sexual e os Abusos Sexuais”, por exemplo, estabelece que o delito só se concretiza se a proposta para o encontro “tiver sido acompanhada de atos concretos que conduzam a tal reunião”, mesmo se não houver um abuso real.

O projeto também não determina a idade do menor, que deveria ser compatível com o que dispõe as outras normas penais argentinas em termos de consentimento dos menores de idade. O projeto também apresenta um caráter desproporcional ao prever o mesmo grau para o crime de abuso. Por fim, também não foi devidamente justificada a razão pela qual será necessário incluir um novo crime contra a integridade sexual, diferente dos que já existem no Código Penal argentino.

Outras vozes que se somaram contra o projeto foram as do deputado e ex-fiscal, Manuel Garrido, que apresentou um documento enumerando os problemas do Projeto de Lei, bem como a da especialista Beatriz Busaniche, da Fundação Vía Libre, que alertou para o fato de que “apesar das boas intenções do projeto, uma lei desta natureza estabelece um marco legislativo ineficiente para proteger os menores na Argentina, e coloca em risco os direitos civis previstos no âmbito da internet (…) A Punição do simples contato com uma figura de intenção incerta vai contra os princípios e garantias do nosso sistema legal e revela, mais uma vez, que é mais fácil legislar assistindo aos noticiários do que olhando para os manuais essenciais do direito penal”.

Aqui na ADC mantivemos nossa posição de que “a criação de um novo tipo penal é um fato importante que sempre merece um debate à altura. Isto não significa negar as ameaças e os desafios que podem existir para crianças e adolescentes com base no uso das tecnologias da informação, mas sim pensar e buscar respostas que – sem a necessidade de demonizar a internet – cumpram efetivamente seu objetivo e se adequem aos princípios que regem nosso sistema constitucional”.

Eleonora Rabinovich , diretora da área de Liberdade de Expressão da Associação pelos Direitos Civis (ADC)
E-mail: erabinovich (at) adc.org.ar