Exceções e limitações ao direito autoral para bibliotecas e registros na Colômbia: update & upgrade mais que necessários

by Digital Rights LAC on julho 11, 2013

Luisa Fernandez Guzman

Assim como grande parte da série de leis que pretendem modificar o sistema de direitos autorais na Colômbia, que ignora a necessidade de revisão e atualização completa das exceções e limitações, ingressa no Congresso o projeto de lei 306 de 2013 (Lei Lleras 4). Bibliotecas, registros e a sociedade civil apresentam suas propostas concretas em mesas de debate. O que acontecerá?

Por Luisa Fernanda Guzmán Mejía, Fundación Karisma

No dia 15 de maio desse ano, o Ministro de Comercio, Industria e Turismo e o Ministro do Interior da Colombia ratificaram, na Câmara de Representantes, o projeto de lei 306 de 2013 – conhecido pelos internautas como Lei Lleras 4 -, como uma nova tentativa de implementar alguns dos compromissos adiquiridos no âmbito da Propriedade Intelectual decorrentes do Tratado de Livro Comércio assinado entre a Colombia e os Estados Unidos, depois que o Tribunal Constitucional declarou inconstitucional a Lei 1.520 de 2012 (Lei Lleras 2), devido à vícios no trâmite.

O novo projeto, apesar dos comentários realizados pela sociedade civil, é quase idêntico a Lei Lleras 2 e sofre com as mesmas falhas: levantar a proteção de direitos autorais sem a introdução de mecanismos apropriados equilibrar o sistema, o que poderia alcançado através da revisão e atualização das exceções e limitações existentes, que já se encontram desatualizados em relação às novas realidades 2.0.

Ao contrário dos episódios anteriores – da série de leis apresentadas – e em resposta a uma petição apresentada pelo Redpatodos, desta vez o governo colombiano se comprometeu em discutir o projeto de lei 306 com a sociedade civil, e para isso serão realizadas mesas de debate brevemente. As bibliotecas e os registros, comprometidos com seu importante papel de fornecer o acesso à cultura, educação e informação, apresentarão uma proposta de exceções e limitações aos direitos autorais que lhes permitirá cumprir seus propósitos com plena segurança jurídica, nestes novos contextos tecnológicos.

Panorama do direito autoral, das bibliotecas e dos registros na Colômbia
A legislação a respeito do direito autoral na Colômbia somente prevê como exceção e limitação que as bibliotecas e registros podem reproduzir uma obra para fins de preservação. O artigo 38 da Lei 23 de 1982 confere essa possibilidade somente a bibliotecas públicas e quando a finalidade seja conservação; enquanto isso, a Decisão Andina 351 da Comunidade Andina das Noções, em seu artigo 22, permite a reprodução individual de obras com o intuito que bibliotecas e registros sem fins lucrativos efetuem a preservação e substituição de uma cópia em caso de perda, destruição ou mutilação.

A Dirección Nacional de Derecho de Autor (DNDA) corrobora que, sob a proteção da Decisão 351, não é possível que bibliotecas e arquivos façam reproduções com finalidades distintas destas, como a distribuição de cópias (Conceitos 2-2006-9790 de 29 de setembro de 2006). Isso constitui um freio jurídico para que bibliotecas e registros realizem empréstimos de exemplares, bem como para que possam adiquirir obras em outros paises, pois tanto o empréstimo como a importação são formas de distribuição exclusiva de acordo com o artigo 3º da decisão 351, e, portanto, é necessário que haja autorização prévia e expressa dos titulares dos direitos.

Essa autorização é necessária pois a Colômbia, mesmo que não exerca a faculdade de determinar as condições sobre as quais se esgota o direito de distribuição conferida pelo Tratado da OMPI sobre Direitos Autorais de 1996, isto é, mesmo que o pais efetue a primeira venda do exemplar de uma obra, os autores ou titulares conservam a prerrogativa de controlar como a ela é distribuída, pois na Colômbia o direito de distribuição não se esgota (Conceitos 2-2005-6647 de 14 de julho de 2005 da DNDA).

A Lei 1379 de 2010 dispõe que, em razão de seu caráter educativo, as bibliotecas não estão obrigadas a solicitar autorização dos titulares para emprestar os livros e materias e para disponibilizá-los aos usuários, “nos casos previstos de maneira expressa pelas normas que regulam as limitações e exceções ao direito autoral e direitos conexos”. Paradoxalmente, essa disposição não permite empréstimo público sem autorização prévia dos titulares, como evidenciado, pois não há limitação expressa que ampare o direito de distribuição. Por sua vez, a lei só se aplica à Rede Nacional de Bibliotecas Públicas, que articula e integra as bibliotecas públicas estaduais e seus serviços bibliotecários nas diferentes ordens territoriais.

Se as coisas estão complicadas no mundo real, elas são muito mais confusas no ambiente digital…

O panorama anterior evidencia como a regulação do direito autoral restringe as atividades de bibliotecas e registros na Colômbia. Não obstante, a situação poderia ser pior. O novo projeto de lei 306 estabelece que, independente da ocorrência de uma infração do direito autoral e dos direitos conexos, será responsabilizado civilmente e deverá indenizar aquele que, sem autorização, contorne as medidas tecnológicas impostas para controlar o acesso ou uso não autorizado de obras. Enquanto o projeto de lei estabelece como exceção à responsabilidade o acesso a uma obra por parte das bibliotecas, registros ou instituições educativas, sem fins lucrativos, que não teriam acesso de outra forma, com o único propósito de tomar decisões de aquisição, este é obviamente insuficiente. A proteção, independente dessas medidas, impedirá sua evasão para realização de atos lícitos devido às limitações e exceções existentes, tal qual a reprodução para preservação, o que poderia afetar o acesso à obras que se encontram em domínio público, que incorporaram essas medidas em algum momento. Além disso, estaria permitindo desabilitar tais medidas para facilitar o acesso às obras por pessoas com deficiência, o que é necessário ao uso do braille eletrônico e ao texto de voz.

Enquanto isso, na OMPI…

Desde 2010, transitam na OMPI propostas de tratado sobre limitações e exceções para as bibliotecas e registros, as quais contemplam a possibilidade de efetuar importações paralelas, empréstimos a usuários e a outras bibliotecas, a realização de cópias em formatos acessíveis para pessoas deficiêntes, a utilização de obras órfãs, as obrigações relativas às medidas de proteção tecnológica, entre outros. Na Comissão Permanente de Direitos de Autor e Direitos Conexos, que terá lugar de 29 de julho a 2 de agosto será retomada a discussão na OMPI sobre este importante tema, que havia sido suspensa, enquanto era discutido o “Tratado de Marrakech para facilitar acesso a obras publicadas para os cegos, com deficiências visuais ou outras dificuldades de acesso ao texto impresso”, recém saído do forno.

No último dia 20 de junho, a Colômbia firmou esse tratado, deixando pendente o processo de ratificação no Congresso, bem como sua implementação interna. Isso contribuiria para as bibliotecas e arquivos possam realizar trabalhos em formatos acessíveis e, por fim, facilitar o acesso à educação, cultura e informação de pessoas com deficiência.

Luisa Fernanda Guzmán Mejía es abogada de Fundación Karisma
Twitter: @lfdagm