Delitos informáticos: a necessária perspectiva a partir dos direitos humanos

by Digital Rights LAC on novembro 22, 2013

Cybercrime CC (Elizabeth Jenkins) BY-SA 2.0 - E

Por Paz Peña Ochoa

Em um contexto de aumento da criminalização dos delitos informáticos, é de refletir sobre como nossas legislações respondem de maneira harmônica com o respeito aos direitos humanos dos cidadãos. As conclusões esboçadas podem ser mais que preocupantes.

Spam, fraude, pornografia infantil, terrorismo virtual, entre tantos outros.Com o desenvolvimento da Internet, os delitos informáticos têm sido frequentes, sofisticados e, consequentemente, mais importantes para a opinião pública. Isso tem provocado que varias leis da região preocupem-se em persegui-los, ainda que, em muitas ocasiões, direitos fundamentais do resto dos cidadãos sejam violados.

O seminário “Delitos informáticos: novas perspectivas criticas”, iniciativa conjunta do Centro de Estudos em Direito Informativo (CEDI) da Universidade do Chile e a da ONG Direitos Digitais, buscava justamente refletir a partir desta perspectiva. E nas mais distintas mesas de discussão, as conclusões foram mais que preocupantes.

Este é o caso, por exemplo, da Lei 19.223, chilena, de delitos informáticos, vigente desde o ano de 1993, e que vários panelistas criticaram a falta de tipos penais claros, a pouca claridade na definição de direitos informáticos, a ambiguidade no momento de distinguir bens jurídicos protegidos, chegando inclusiva a afirmar que a lei simplesmente deveria ser revogada, como fez Renato Jijena, da Pontifica Universidade Católica de Valparaíso.

Para Juan Carlos Lara, diretos de conteúdo da ONG Direitos Digitais, todos esses debilidades da lei são preocupantes quando o julgamento de crimes de computador é necessária, proporcional e adequada. Como apontou de maneira enfática, precisa-se de normas harmônicas e sensatas, que respeitem os direitos humanos, que evitem evidentes abusos aos direitos dos cidadãos como ocorre hoje com a lei peruana de delitos informáticos.

Porém, a discussão foi mais além e tocou também os polêmicos delitos conta a propriedade intelectual. E nisso, os números são explícitos. No Chile, em média, há dois mil condenados por delitos de pirataria nos últimos anos; Estados Unidos, país da indústria Hollywoodense que exporta altos standards de proteção da propriedade intelectual no mundo inteiro, tem 20 vezes menos condenados, algo como cinquenta por ano.

Este evidente desequilíbrio e a enorme criminalização que se repete com a maioria dos países latino-americanos, oculta uma realidade ainda mais preocupante para o diretor de assuntos internacionais da ONG Direitos Digitais, Alberto Cerda: que a lei penal na região é utilizada de forma desmedida com o pretexto de proteger a propriedade intelectual.

Para Cerda, e em consonância com outros autores como Joe Karaganis, o problema do fundo da pirataria não é penal, mas sim uma evidente falha no mercado. Em outras palavras, na América Latina existe pirataria pois não há fornecimento de serviços, ese há, é deficiente. “Faz um ano e meio – Cerda declara com posterioridade -, o dono de um iPhone ou de um iPod não tinha como obter música de forma legal. Somente agora o iTunes começou a fornecer serviços na região; o mesmo se pode dizer sobre os filmes, pois faz pouco tempo que o Netflix chegou neste lado do mundo”.

Um caso parecido ocorre com a indústria do livro, porque mesmo que haja disponibilidade de produtos na região, são altamente custosos e não consideram a disparidade de renda e de desenvolvimento entre os países. Cerda deu um exemplo explicito aos assistentes do seminário: um cidadão norte-americano, com uma hora de trabalho, pode comprar um livro; a um chileno, oito; a um brasileiro, dois dias.

Porém, apesar das várias evidencias que apontam uma falha do mercado como causa da pirataria, as legislações e os tratados internacionais (entre eles o Acordo de Associação Transpacífico, TPP) buscam uma “solução” através da criminalização das condutas dos cidadãos, utilizando o Código Penal de modo a, muitas vezes atentar contra os direitos humanos.

Nesse sentido, para Cerda, os problemas na América Latina são compartilhados pela maioria dos países: desde condutas muito amplas que podem ser consideradas delitos contra propriedade intelectual; sua alta criminalização (para as legislações o animo ou não de lucro, por exemplo, não é relevante para a estipulação da pena); passando pelo fato de que o acusado por esse tipo de infração devem provar que não são culpados, em vez de que policiais e juízes trabalhem com o principio da presunção de inocência; e, por fim, com a desproporcionalidade das penas por esse tipo de delito (em países como Peru e Colômbia, por exemplo, é pior roubar uma obra do que copia-la).

No entanto, e apesar das múltiplas criticas e das novas perspectivas que se discutiram no seminário, permaneceu uma certa incerteza entre o público e os painelistas no que diz respeito ao reconhecimento de como certos tratados internacionais podem permanecer mesmo possuindo dispositivos que não estão em harmonia com os direitos humanos.

Por fim, sobre a iminente vigência do TPP em países como México, Peru e Chile foi dito que esta acentuaria todos os recursos de criminalização dos delitos de propriedade intelectual criticados neste encontro, porém com uma dose a mais de gravidade: os Congressos nacionais não poderão intervir e deverão aplicar o que está acordado em lei, o que acabará sendo lesivo aos direitos humanos.

Paz Peña é diretora de comunicação da ONG Direitos Digitais
Paz [at] derechosdigitales.org