Discussões sobre SUBE e privacidade na Argentina

by Digital Rights LAC on junho 10, 2013

Tarjeta Sube_Arg

O caso do cartão SUBE na Argentina é um bom exemplo de como várias políticas atuais podem se intrometer em nossas vidas pessoais sem ninguém reclamar ou perceber.

Por Ramiro Alvarez Ugarte, Asociación por los Derechos Civiles.

Até o final de 2011, todos os habitantes de Buenos Aires e de seus arredores requeriam seu SUBE, isto é, o cartão de transporte público da cidade. A nova tecnologia prometia solucionar um problema no presente, além de evitar outro no futuro. De um lado, os argentinos evitariam o inconveniente de precisar procurar, encontrar e armazenar moedas para utilizar os ônibus locais, uma vez que estes não aceitam dinheiro em forma de nota; por outro lado, o programa foi apresentado como uma possibilidade de se evitar possíveis aumentos – o governo disse à população que criaria um sistema de subsídios diferenciados por meio do qual passageiros de poucos recursos financeiros poderiam adquirir o bilhete mediante o pagamento de um preço menor.

Se você visitasse Buenos Aires em fevereiro de 2012, veria longas filas de pessoas que solicitavam seus cartões. Os indivíduos tinham de apresentar um documento de identificação para que o cartão pudesse ser conectado a ele. Tal conexão se mostrava essencial para a política de diferenciação dos subsídios e para a inclusão de um benefício adicional: a possibilidade de recuperar o montante de crédito armazenado no cartão em casos de perda do mesmo. Por meio dela também seria possível gravar todos os passos do passageiro, permitindo, por exemplo, saber a hora e a estação de metrô que ele utilizou apenas inserindo o número do cartão em um moderno site do Sistema Único de Boleto Eletrônico (SUBE).

O caso do cartão SUBE na Argentina é um bom exemplo de como várias políticas atuais podem se intrometer em nossas vidas pessoais sem ninguém reclamar ou perceber. O processo funciona da seguinte maneira.

Primeiramente, os avanços tecnológicos possibilitam situações outrora impossíveis, tais quais ter um sistema personalizado e único de pagamento de transporte público, registrar e compartilhar com milhares de servidores públicos os dados biométricos dos cidadãos, ou criar enormes bancos de dados aos quais todos os tipos de informação – tributária, financeira, criminal, etc – estão relacionados. Além disso, essas políticas são apresentadas como uma etapa importante para o fortalecimento da segurança, viabilizando políticas públicas mais inteligentes, aumentando a eficiência do governo, etc. E finalmente, é certo que os riscos gerados por tais políticas para a privacidade são menores desde que o Estado utilize as informações coletadas de uma forma consistente, que siga os padrões e os princípios inerentes a um Estado democrático.

Em suma, são oferecidos benefícios concretos versus riscos hipotéticos. E é assim que as políticas mencionadas, as quais tendem a diminuir cada vez mais a privacidade dos cidadãos, prosseguem sem se deparar com quaisquer obstáculos.

Contudo, se for feita uma análise mais profunda da situação, perceber-se-á que os supostos benefícios não são tão significativos. Examinemos, pois, o caso do SUBE. É verdade que as moedas não são mais necessárias e que utilizar o transporte público se tornou mais confortável. Todavia, poderia haver um cartão anônimo como o Oyster de Londres; assim, o registro do cartão seria opcional. Na Argentina, não foi informado aos cidadãos que o cartão poderia ser obtido sem a apresentação de um documento de identificação, uma possibilidade descoberta pela Associação de Direitos Civis (ADC) graças a um pedido de acesso à informação pública. Mesmo assim, na prática, a identificação era expressamente requerida. Além disso, subsídios diferenciados continuaram sendo meramente hipotéticos, apenas promessas vazias.

Ademais, os riscos eram e são muito específicos: quando o sistema foi lançado, qualquer pessoa poderia monitorar seu parceiro apenas por meio do número de seu cartão SUBE. Se sua carteira fosse roubada, o criminoso teria acesso imediato a sua rotina de trabalho e ao seu endereço. Esses riscos foram parcialmente resolvidos quando, diante das reclamações feitas por defensores do direito à privacidade, os administradores do SUBE estabeleceram que, para fins de acesso de dados, o uso de senha seria necessário.

Dados do SUBE já foram utilizados para processar uma pessoa em uma investigação criminal. De fato, eles possibilitaram que se soubesse que um indivíduo acusado de roubo em um ônibus público esteve realmente na cena do crime. Isso explica muito sobre o novo e conveniente cartão: ele é um sistema de monitoramento bastante inovador. Além disso, ele se atrela aos vários sistemas de monitoramento já existentes: os rastros que nosso telefones deixam a cada segundo, o uso de câmeras de que se expande rapidamente, a existência de cartões pessoais nas academias e nos supermercados, etc. Muitos arguirão que chamar o SUBE de sistema de monitoramento é supervaloriza-lo. Tecnicamente, acredito que não. Porém, se o fosse, serviria pelo menos para chamar nossa atenção para o futuro que estamos criando: já é tempo de discutirmos se isso é ou não é de nosso interesse.

Ramiro Álvarez es director del Área de Acceso a la Información de ADC.
E-mail: rugarte (at) adc.org.ar