Será que o visto automático para a entrada nos Estados Unidos deve ser causa para celebração?

by Digital Rights LAC on maio 5, 2014

CHILE US

A partir de abril, será possível viajar como turista do Chile para os EUA sem um visto. Embora o acordo tenha sido considerado uma vitória pelo antigo governo chileno, o custo de garantir este “privilégio”, para o usufruto de uma minoria, será pago com os dados pessoais de todos os chilenos.

De Juan Carlos Lara*

Quando o ex-Ministro das Relações Exteriores Alfredo Moreno e o ex-Embaixador Rodrigo Bulnes estavam em Washington celebrando o início do programa de isenção de visto para o Chile, este foi considerado uma grande vitória para o país. Contudo, tem havido pouca menção do que o país vai ter que dar em troca pelo direito, que será aproveitado por poucos chilenos, de viajar sem visto, que é nada mesmo que os dados pessoais de todos os todos seus cidadãos. A forma leve com que os dados pessoais do povo chileno estão sendo tratados, não é só um problema do governo Piñera ou devido às demandas dos EUA, mas um problema de um Estado que não entendeu os fundamentos da privacidade em uma era de vigilância.

O custo da isenção de visto para os cidadãos chilenos vem de um acordo, assinado em maio de 2013, para a troca de informação para investigar e prevenir o crime, que é um requisito para entrar no programa de visto. É a forma de cooperação que depende da vontade dos estados de atender às necessidades dos seus aliados, ao providenciar informação de pessoas que foram identificadas pelas suas impressões digitais, e que estão sob suspeita ou têm investigações criminais pendentes sobre eles. No tocante a ofensas sérias, o acordo se refere àqueles que têm um ano de sentença de prisão ou mais, ou se deparam com formas ainda maiores de punição (como a pena de morte), em que cada Estado deve obedecer as suas leis domésticas.

O governo anterior mandou o acordo ao Congresso para ser aprovado, enfatizando a sua importância como parte do programa. Contudo, o acordo não foi incorporado ao projeto que carece aprovação, deixando detalhes cruciais para os chilenos fora do campo de visão do público. Embora eles aleguem que isto é para a troca de informação sobre pessoas e circunstâncias, isto também inclui a transferência de dados para medidas “preventivas” que são inegavelmente duvidosas, parecidas com aquelas denunciadas por Edward Snowden contra os EUA, como uma forma de justificar a vigilância em massa. No entanto, neste caso, a entrega de dados seria obrigatória mesmo sem invadir ou intervir em sistemas, assemelhando a transação à entrega de um cheque em branco pelos dados do povo chileno, sendo que tudo está sendo negociado por trás das costas da população.

Não obstante, este negócio questionável não é a única responsabilidade do governo Piñera. Há menos de duas semanas, o Comitê de Relações Exteriores da Casa dos Representantes, entregou um relatório sobre o acordo, aprovando-o quase por unanimidade (com a abstenção de Guillermo Tellier) sem dar nenhum tipo de aviso sobre seu conteúdo. Com a aprovação deste acordo opaco, o Congresso já estava distribuindo vistos automáticos. Para piorar a situação, um projeto de lei também foi criado (que já está nas mãos do mesmo comitê) que permite a troca de dados com outros países.

Nesta altura, é um absurdo esperar que os EUA mudem a sua perspectiva sobre a sua própria segurança interna e externa. O que resta é a responsabilidade do nosso próprio Estado, que, independentemente da administração no poder, se recusa a levar a sério os direitos individuais ou regular dados pessoais de forma apropriada. As autoridades parecem mais satisfeitas em abrir a porta para o tráfico de dados internacionais indiscriminadamente, que em oferecer uma solução para o abuso total destes no Chile. Existem medidas de segurança de fato para os dados pessoais no Chile? Estas existem no Registro após a impunidade da cópia ilegal da sua base de dados? Temos alguma real proteção? Os EUA irão colaborar com o Chile nos mesmos termos?

É importante entender que um país parece digno para o resto do mundo não por garantir privilégios para uma minoria mas ao reconhecer os direitos de todos os seus cidadãos. Sem a assegurar estes direitos, sem a regulação adequada de todos os dados pessoais, nenhum acordo deve ser assinado.

* Juan Carlos Lara é o Diretor de conteúdo da Digital Rights NGO
Twitter: @DonJC
Tradução: Antonia Azambuja