Violações à liberdade de expressão no ambiente online

by Digital Rights LAC on outubro 21, 2013

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Por,  Heloisa Padija, Julia Lima and Laura Tresca*

No ambiente online, as violações à liberdade de expressão podem ser definidas por diversas variáveis próprias da rede, como a violação à neutralidade de rede, práticas de vigilantismo, restrições ao compartilhamento de arquivos, entre outras. Além das violações específicas, também ocorrem graves crimes relacionados à internet como homicídios, tentativas de assassinato, ameaças de morte, sequestros e desaparecimentos.

O que foi durante muito tempo tradicionalmente associado ao exercício do jornalismo agora também se estende a pessoas que elegem a internet como principal via de manifestação e expressão, como blogueiros, donos ou editores de sites e usuários de internet. São notáveis os indícios de que essas violações têm o potencial de se intensificarem contra estes comunicadores, que geralmente são indivíduos que atuam em caráter autônomo, sem o respaldo de grandes veículos de comunicação por trás.

Essa realidade não é exclusividade de um único país e certamente corresponde a uma realidade regional. Dessa maneira, os direitos de blogueiros e internautas para se protegerem e exercerem plenamente o direito à liberdade de expressão na rede, se torna um tema emergente de governança da internet na região. [1]
Em 2012, a ARTIGO 19 realizou o registro completo dos casos mais graves à liberdade de expressão online no Brasil e produziu o relatório “Ameaças na rede”. O objetivo do relatório foi, a partir da perspectiva das vítimas e seus relatos, caracterizar e dimensionar os desafios da liberdade de expressão online no Brasil. Infelizmente, as ameaças vão além da censura judicial a conteúdos e jornalistas e blogueiros são vítimas frequentes de agressões físicas, ameaças de morte e assassinato por conta do que dizem na rede.
A pesquisa da ARTIGO 19 encontrou 16 casos de graves ameaças à liberdade de expressão no ano de 2012. É importante ressaltar que a investigação foi realizada através de um monitoramento de casos divulgados na mídia ou comunicados diretamente para a equipe de pesquisa e uma posterior apuração de casos. Desta maneira, apesar dos esforços empreendidos, o relatório “Ameaças na rede” não é exaustivo: pode haver casos que não foram localizados ou não foram comunicados à organização.
Os 16 casos de graves ameaças registrados correspondem a três homicídios, três tentativas de assassinato e dez ameaças de morte contra comunicadores que difundiram informações, ideias e opiniões na internet. A análise dos casos apontou alguns aspectos quantitativos e qualitativos que são importantes para evidenciar alguns padrões de vulnerabilidade para a ocorrência de violações à liberdade de expressão.
Com relação ao aspecto regional, a pesquisa constatou que a região centro-oeste lidera em número de violações, representando 43,75% do total das ofensas graves a liberdade de expressão online. Foram sete casos de graves violações na região, seguido por quatro casos na região sudeste e três casos no nordeste. As regiões norte, nordeste e sul tiveram menos ocorrências de casos, no entanto é importante lembrar que as regiões norte e nordeste são as regiões brasileiras com o menor número de domicílios que possuem acesso à internet e estes dados podem influenciar diretamente o baixo número de violações nestas regiões. [2]
Outros aspectos importantes percebidos com por meio da análise dos casos são gênero, motivações e perfil dos mandantes. Com relação ao gênero das vítimas ameaçadas em 2012, 81,25% das violações foram realizadas contra homens. O percentual de 18,75% das violações que foram realizadas contra as mulheres, que totalizaram três durante o ano, ocorreu por meio de ameaças de morte.
Um ponto importante que serve para compreendermos a menor ocorrência de violações à liberdade de expressão em relação ao sexo feminino é possivelmente a menor quantidade de mulheres que têm sites, blogs ou exercem a expressão na internet profissionalmente em comparação ao número de homens. Além disso, o gênero feminino sofre outros tipos de intimidações que culminam em autocensura e que inibem a expressão de maneira até mais preocupante, pois não são ocorrências que repercutem na sociedade de maneira tão impactante quanto as graves violações inseridas no relatório.
Sobre as motivações, as denúncias foram o principal tipo de conteúdo que levou à retaliações das vítimas, servindo como fator de motivação em 11 casos. Outros conteúdos que desencadearam violações contra blogueiros e jornalistas foram críticas, opiniões e reprodução de informações.
Por último, observa-se entre os casos analisados, que o Estado tem envolvimento na maioria, através de políticos que ocupam cargos em diferentes esferas de poder, sobretudo nos níveis mais locais e policiais. Estes dois atores juntos representam 62% dos casos de graves violações à liberdade de expressão. Os mandantes não ligados ao Estado se concentram nas figuras de empresários e do crime organizado, ambos representando 19% dos casos de violações cada.
A identificação e a análise profunda de um problema são as etapas iniciais para a adoção de medidas que venham a solucioná-lo. O relatório “Ameaças na Rede” elaborado pela ARTIGO 19 espera conseguir dar a visibilidade necessária a esse problema, para que autoridades responsáveis possam agir na prevenção de novos casos e solução dos que ocorreram. Além da obrigação de não violar os direitos humanos, o Estado tem a obrigação de tomar medidas positivas para impedir qualquer tipo de ataque que objetive silenciar as pessoas na internet, ainda que a violência seja efetuada por outros atores. Por essa razão, cremos que esse tema se torna um tema emergente de governança da internet na região.

[1] O assunto será tema de uma workshop organizada pela Unesco, CELE e ARTIGO 19 durante o IGF 2013.

[2] Os dados são da pesquisa realizada pela Cetic.br, organização do Comitê Gestor da Internet responsável por analisar o comportamento da Internet no Brasil, a respeito do ano de 2012. Tenha acesso à pesquisa na íntegra no link http://www.cetic.br/usuarios/tic/2012/A4.html.