Uma Análise da Lei de Neutralidade da Rede no Chile

by Digital Rights LAC on julho 17, 2013

Alberto Cerda

O Chile foi o primeiro país do mundo a adotar a lei de neutralidade da rede. Três anos depois, os números do mercado de telecomunicações sugerem que os efeitos foram positivos, mas outras origens não demonstram que a lei oferece completa eficácia aos os consumidores.

Por Alberto Cerda, Direitos Digitais.

Quase três anos após a adoção da lei de neutralidade da rede, é possível observar certos efeitos da regulação no Chile. A lei vem contribuindo para a diminuição dos custos de conexão, para o aumento do número de usuários e para um maior nível de competitividade no mercado de telecomunicações. No entanto, esses beneficios são ofuscados por alegações de supervisão negligente da lei pelas autoridades públicas.

Em 2010, após três anos de debate parlamentar, o Chile se tornou o primeiro país a adotar uma lei de neutralidade da rede. Em síntese, a regulamentação impõe duas obrigações fundamentais para concessionárias de serviços públicos de telecomunicações que prestam serviço aos provedores de acesso a Internet: primeiro, prover informações aos usuarios e, segundo, não interferir na comunicação dos mesmos.

À época, algumas vozes alarmistas sugeriram, como hoje é feito em outros lugares, que a implementação da lei traria resultados desastrosos para o mercado de telecomunicação local. No entanto, estatísticas desmentem essas apreensões. Hoje, o Chile dispõe de mais conexões a um menor custo para os usuários.

Os números estão à vista. De acordo com as cifras oficiais da SUBTEL, autoriadade local de telecomunicações, entre os anos de 2009 e 2012 o número de conexões móveis passou de 600 mil a quase 5 milhões, enquanto que as conexões fixas cresceram de 1.7 milhões para 2.2 milhões. Os custos para os usuarios também têm diminuído: em 2012 foi relatado uma diminuição de até 50% no preço dos serviços, de acordo com a SUBTEL.

Além de garantir a neutralidade da rede, a abertura das redes também permitiu a entrada de novos operadores de mercado. Até 2009, o Chile contava com somente quatro companhias de telefone móvel, e hoje este número chega a nove. Três deles são operadoras móveis virtuais, cujos serviços eram prejudicados por grandes operadoras, até que o Supremo Tribunal obrigou-os a oferecer instalações e revenda de planos com base em critérios gerais, padronizados, objetivos e não discriminatórios.

O mercado local de telecomunicações ainda se encontra fortemente concentrado. Até dezembro de 2012, de acordo com números oficiais, cerca de 75% das linhas de telefonia fixa eram fornecidas por duas operadoras, Telefónica e VTR, que concentravam aproximadamente 80% do acesso fixo à Internet, enquanto mais de 98% dos assinantes de telefonia móvel estavam nas mãos de três operadoras: Movistar (Telefônica), Entel e Claro, que também concentram mais de 95% dos assinantes de Internet móvel.

Ao contrários das terríveis previsões, o mercado de telecomunicações é um dos mais dinâmicos na economia chilena. Desde 2007, as taxas de crescimento deste setor excedem as de outros setores. Em 2011, por exemplo, foi registrado um recorde de investimentos, com um aumento de mais de 25%. De fato, a recente crise económica global parece não ter atingido o setor de telecomunicações chileno.

É difícil establecer uma relação direta entre o maior número de operadoras e conexões, bem como os preços dos serviços, a uma causa em particular. O Chile adotou, simultaneamente a lei de neutralidade da rede, uma lei de portabilidade numérica, medida que é gradualmente implementada a telefonia fixa, desde o final de 2011, e imediatamente a telefonia celular, desde 2012. A portabilidade dos números vêm contribuindo para algumas dessas conquistas, principalmente durante o ano passado. Entretanto, essas conquistas já eram visíveis antes daimplementação da portabilidade numérica, e as outras são principalmente atribuídas a abertura do mercado, que representa a neutraidade de rede.

Porém, nem tudo é positivo. Mesmo que a lei de neutralidade da rede abra oportunidades para que novas operadoras de serviço de telecomunicações entrem no mercado – o que proporciona melhores serviços aos usuarios – ela não parece ser plenamente eficaz para os próprios usuários.

Recentemente, a ONG Cívico, uma organização sem fins lucrativos que defende a proteção dos consumidores no setor das telecomunicações, acusou a SUBTEL de não supervisionar o efetivo cumprimento da lei. A ONG Cívico denunciou que a autoridade vem sendo negligente na fiscalização do VTR – um operador recalcitrante, que controla cerca de 38% dos serviços de acesso fixo à Internet e 44% dos serviços de TV por assinatura -, companhia que infringe a lei por degradar arbitrariamente a qualidade de certos serviços de conexão.

A SUBTEL rejeitou as acusações alegando que as diversas denuncias recebidas fundamentavam-se apenas no discumprimento da obrigação de informar aos usuarios, não na interferencia arbitraria na qualidade dos serviços de conexão, como foi acusado à VRT. Em reação, a Câmara dos deputados convocou as autoridades de telecomunicações e de defesa do consumidor a uma sessão especial em que se analisará as acusações.

Em suma, ainda que a lei de neutralidade de rede tenha produzido efeitos positivos sobre o mercado de telecomunicações local, há uma nuvem de dúvida que paira sobre o controle do poder público sobre a lei, e, consequentemente, sobre até que ponto a lei está, efetivamente, protegendo o consumidor.

Alberto Cerda Silva Silva é diretor de assuntos internacionais da ONG de Direitos Digitais.
E-mail: alberto (at) derechosdigitales.org