Um parecer a favor da liberdade de expressão na Internet

by Digital Rights LAC on setembro 19, 2013

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O parecer da Procuradoria Geral da Nação no caso Da Cunha sobre responsabilidade intermediários pode ser o primeiro passo para uma decisão da Corte Suprema que terá repercussão em toda a região.

Por Eleonora Rabinovich e Atilio Grimani *

Na Argentina, a questão da responsabilidade dos intermediários se fez visível – fundamentalmente – por causa de numerosas ações judiciais interpostas contra os buscadores, que vêm gerando uma jurisprudência bastante problemática a partir do ponto de vista do respeito á liberdade de expressão.

Os casos judiciais que vêm sendo gerados nos últimos anos se referem, em geral, a pessoas famosas do mundo do entretenimento que se queixam pela utilização não autorizada de sua imagem por terceiros ou pela vinculação de seus nomes a páginas de conteúdo reprovável. Mais de 150 casos desse tipo já foram iniciados. Geralmente, nesses casos, os autores das ações pedem o fim dos vínculos entre seus nomes ou imagens e as páginas da web que supostamente lhes causam problemas. Em alguns casos, buscam uma compensação econômica pelos danos.

Essas demandas se encontram em diferentes etapas processuais. Até o momento, houve apenas duas decisões sobre a questão de fundo nos casos que envolvem os buscadores: a maior parte da jurisprudência desenvolvida até agora se relaciona com medidas cautelares que exigem a eliminação dos resultados das buscas que os autores consideram violadores de seus direitos (ver documentos sobre o tema aqui e aqui).

O primeiro caso sobre o fundo do assunto a ter chegado à Corte Suprema de Justiça, e provavelmente o mais emblemático, foi o caso Da Cunha. Nele, a atriz, cantora e apresentadora Virginia Da Cunha processou as empresas Google e Yahoo! pelos vínculos entre seu nome e imagem e alguns sites de conteúdo sexual, pornográfico e de prostituição.

Na primeira instância, a juíza deu razão à Da Cunha, argumentando que, embora sejam automáticos, os buscadores conhecem e selecionam a informação mostrada, podendo “envolver-se na seleção do conteúdo”. A responsabilidade dos buscadores, segundo a juíza, se baseia no fato de estes facilitarem o acesso ao conteúdo ofensivo. A questão da liberdade de expressão e do direito à informação foi posta de lado pela juíza, que afirmou que estes não são direitos absolutos, e por isso, admitem restrições quando forem exercidos de forma abusiva. A decisão foi revogada pela Câmara de Apelações, que reverteu a ordem de indenizar ao considerar que era impossível encontrar qualquer falha culposa nas ações do buscador.

No dia 22 de agosto deste ano, a Procuradoria Geral da Nação emitiu um parecer sobre o caso (aqui). Em uma opinião completa, que considerou as múltiplas facetas do caso, a procuradora Laura Monti considerou que não assistia responsabilidade de nenhum tipo, seja objetiva, seja subjetiva, aos buscadores de Internet pelos conteúdos publicados por terceiros.

Depois de elencar as normas que se aplicam ao caso, as várias questões técnicas próprias dos buscadores e a forma como se recompilam as informações na Internet, a procuradora realizou uma análise na qual considera devida a aplicação da doutrina da Corte argentina conhecida como doutrina “Campillay”. A doutrina “Campillay”, que a Corte estabeleceu há várias décadas para proteger os meios de imprensa quando atuam como meros intermediários de informações geradas por terceiros, requer que se tenha atribuído o conteúdo da informação a uma fonte pertinente e que se tenha transcrito de forma fiel o que foi manifestado.

De igual maneira, o parecer sustenta que não é justo atribuir a essas empresas responsabilidade por não terem controlado o conteúdo, e adverte que é inegável o papel que exercem na organização da informação e em sua consequente acessibilidade. Caso contrário, assegura, viraria um efeito inibitório ou de autocensura. Em outras palavras, responsabilizar os intermediários por conteúdos de terceiros geraria fortes incentivos à prática da censura privada. Há dois anos, a Associação pelos Direitos Civis (ADC) apresentou um amicus curiae para o caso, em que precisamente se referiu aos argumentos citados (aqui).

Dessa forma, a Procuradoria se alinha em sua argumentação ao informe do relator para a liberdade de expressão da ONU (aqui) e à declaração conjunta dos distintos relatores para a liberdade de expressão (aqui), assim como aos distintos organismos locais da sociedade civil.

Apesar de o parecer representar um importante passo para a proteção dos direitos humanos em geral e da liberdade de expressão em particular, esse não é vinculante para a Corte e não assegura que ela o leve em consideração no momento de julgar o caso. A expectativa é grande: a decisão da Corte será crucial para modificar uma jurisprudência civil problemática e para clarificar os princípios constitucionais em jogo. O referido caso será definitivamente um marco para a discussão e, seguramente, gerará reflexos em outros países da região.

* Atilio Grimani and Eleonora Rabinovich, Associação pelos Direitos Civis (ADC)
E-mail: agrimani (at) adc.org.ar; erabinovich (at) adc.org.ar