3 anos da Lei de Acesso à Informação: por uma cultura de transparência

by Digital Rights LAC on agosto 24, 2015

Brasil

O direito à informação é fundamental para que o indivíduo possa exercer plenamente a sua liberdade de expressão. Através do acesso à informação, há um empoderamento social que permite ao cidadão exercer uma participação e controle social qualitativos das polĩticas públicas. Nesse sentido, a Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011), cumpre um papel instrumental na garantia desse direito.

Bárbara Paes, Fernanda Balbino e Joara Marchezini, Artigo 19

No mês em que a Lei cumpre 3 anos de vigência, a Artigo 19, organização não governamental de direitos humanos que se dedica a promover e proteger a liberdade de expressão, incluindo o acesso à informação, lançou a segunda edição do relatório de Monitoramento da Lei de Acesso à Informação Pública, referente ao ano de 2014.

O relatório integra o trabalho de acompanhamento da implementação da citada lei, que tem como premissa fundamental que a transparência deve ser a regra e o sigilo a exceção. A regulamentação do Direito à Informação contribui para uma mudança na cultura de segredo existente dentro dos poderes públicos do país, ao colocar o Estado como um guardião da informação pública, não como proprietário.

O relatório analisou 51 órgãos das três esferas federais do governo, verificando a implementação da lei através de critérios da transparência ativa (obrigação de divulgar um minimo de informações em sites oficias) e da transparência passiva (obrigação de responder a solicitações formais de informação).

O monitoramento apontou uma melhora substancial no âmbito da Transparência Ativa. Já na passiva, a proporção de respostas não satisfatórias praticamente se manteve, embora o número de pedidos não respondidos tenha caído, mostrando maior compromisso em atender ao cidadão. Dos 255 pedidos de informação feitos, 68,2% foram integralmente respondidos e 23,2% receberam respostas parciais. Um número pequeno (2%), mas significativo, não foi respondido, majoritariamente aqueles feitos aos órgãos de Justiça. Ao mesmo tempo, 5,5% dos pedidos tiveram acesso à informação negado, e em dois casos os órgãos públicos alegaram não ter a informação.

Para a elaboração do Monitoramento, observamos o cumprimento dos critérios básicos da Lei de Acesso à Informação no que diz respeito à transparência ativa e à transparência passiva. Nesta categoria, analisamos qualitativamente os recursos e suas respectivas resposta, visando a garantia do acesso à informação. Na transparência ativa, avaliamos os respectivos sites dos órgãos, verificando o cumprimento de seis critérios avaliativos definidos com base na divulgação do mínimo previsto em lei. O objetivo foi realizar uma avaliação independente da implementação da Lei de Acesso à Informação (LAI) e estabelecer recomendações de curto, médio e longo prazo aos órgãos públicos.

Dos 38 órgãos analisados, 73,7% (28) cumpriram todas as obrigações mínimas previstas na LAI. Enquanto no Legislativo, os dois órgãos públicos avaliados – Senado e Câmara Federais – descumpriram um critério cada um. O caso mais grave ficou por conta da Justiça: nenhum dos 11 órgãos avaliados cumpriu integralmente os critérios de Transparência Ativa. Sete deles (63,6%) não cumpriram dois ou mais critérios, fazendo dos órgãos desse poder os menos adequado à LAI.

Informações sobre participação popular e lista de documentos classificados como sigilosos continuam sendo as maiores lacunas da Transparência Ativa em todos os poderes. No Executivo, apenas 44,7% dos órgãos tinham uma seção especializada para a divulgação de audiências públicas, consultas populares, entre outros. Na Justiça e no Legislativo, nenhum órgão cumpriu o critério de divulgar informações sobre documentos classificados.

Os avanços notados na Transparência Ativa ocorreram principalmente quanto a informações institucionais e “perguntas e respostas frequentes” – dois critérios cumpridos por todos os órgãos avaliados. Outro progresso notável foi a divulgação de notícias sobre a realização de audiências públicas e consultas populares no Executivo, alcançando um total de 92,1% dos órgãos, graças à implementação da ferramenta “Participe” do Governo Federal. Esse avanço, porém, se restringe a essa esfera de poder.

Já para analisar a transparência passiva, foram realizados cinco modelos de pedidos de informação para cada órgão. A análise das respostas avaliou quatro critérios: o tipo de resposta, a qualidade de resposta, o tempo de resposta e a possibilidade de que o andamento do pedido seja acompanhado pelo solicitante. No âmbito do Executivo Federal, 73,2% dos pedidos obtiveram acesso integral à informação requisitada e 73,9% de qualidade satisfatória da resposta. As taxas foram as mais altas do Monitoramento. Ainda, a média de tempo de resposta foi de 16 dias, dentro do estipulado pela LAI, a qual determina que os órgãos têm até 20 dias para fornecer as informações.

No Legislativo, das dez perguntas enviadas à Câmara e ao Senado, seis delas forneceram acesso integral à informação e respostas satisfatórias. O tempo médio de resposta foi o mais baixo entre todos: 11 dias. A Justiça aparece também na Transparência Passiva como o poder menos transparente. Apenas 50,9% das respostas foram consideradas de acesso integral e 56% foram tidas como satisfatórias – trata-se do menor percentual entre os três poderes avaliados. Dois dentre os onze órgãos tiveram uma média de tempo de resposta acima do limite estipulado pela Lei.

Os pedidos sobre participação popular foram os mais problemáticos, mostrando que a lacuna de dados não se limita à  Transparência Ativa. Verificou-se uma certa negligência em relação à promoção de mecanismos de participação popular e à disponibilização de documentos relativos a esses espaços. A participação popular é parte essencial de uma política de transparência que preze o controle social e a contribuição da sociedade civil. Nesse sentido, os documentos – atas e listas de audiências públicas, informes sobre futuras audiências ou consultas públicas, etc – são fundamentais para o cidadão entender o que foi debatido,  verificar o pluralismo e a diversidade dos presentes, saber se a população diretamente afetada (se for o caso) participou, sendo importantes ferramentas de transparência e legitimidade das decisões públicas.

Apesar dos resultados positivos verificados no relatório em relação à edição do ano anterior, a adaptação à LAI pelos órgãos públicos federais ainda está muito aquém do que deveria, após 3 anos de vigência da Lei de Acesso à Informação. Os pedidos de informação feitos eram simples e relativamente fáceis de serem respondidos. Os recursos foram feitos quando a resposta enviada pelo órgão não era satisfatória, logo a alta quantidade de recursos realizados indica o quão difícil é, ainda, obter acesso a uma informação correta e atualizada mesmo após a implementação da Lei.

O Monitoramento objetivou avaliar o cumprimento ou não dos requisitos mínimos da Lei de Acesso à Informação, de modo que questões importantes como linguagem acessível, atualização e acessibilidade não foram prioritárias na análise. Se o relatório tivesse dado mais peso a esses aspectos, o quadro geral seria bem menos positivo. Esse tipo de análise será nosso objetivo para avaliações mais aprofundadas e qualitativas nos próximos anos.

Passados três anos da vigência da Lei de Acesso à Informação e considerando os lentos avanços no seu processo de implementação, o Monitoramento aponta mais uma vez a necessidade da criação de um órgão autônomo de promoção do direito de acesso, fiscalização e monitoramento da aplicação da lei, com participação da sociedade civil e independência política. Através de um órgão autônomo, viabiliza-se a promoção da cultura de transparência e da gestão da informação, eliminando progressivamente as lacunas de informação existente.

Acreditamos que o relatório e suas recomendações podem contribuir para a maior efetivação do direito à informação e auxiliar na sua promoção, servindo como material de suporte para as discussões sobre as responsabilidades de cada órgão público na implementação da LAI.  Além disso, o relatório traz uma perspectiva histórica que demonstra a evolução dos órgãos em relação aos critérios analisados, considerando o grau comparativo entre o primeiro e o segundo ano da pesquisa. Toda a metodologia utilizada, bem como os resultados e as respostas de cada um dos órgãos, estão disponíveis no citado relatório e no site Portal Livre Acesso – Observatório.

Imagem: (CC BY-NC) Icecoldcola / Flickr