Que standards de transparência devemos exigir dos Estados que usam tecnologias de vigilância?

by Digital Rights LAC on setembro 30, 2014

vigilancia latam

A notícia de que a Alemanha vende tecnologias de vigilância, sem licenciamento adequado, para a Argentina, o Chile e o México, demonstra a necessidade urgente de pressionar os Estados para que equilibrem a compreensível imperativa de segurança pública com o respeito dos direitos humanos dos seus cidadãos.

De Francisco Vera, Derechos Digitales.

As notícias mais importantes do ano em 2013 foram, sem dúvida, as revelações de Edward Snowden sobre a vigilância da NSA das nossas comunicações digitais. Elas ajudaram o público a compreender o alcance e a dimensão que estas atividades têm a nível global, e o escasso nível de proteção que as nossas comunicações online têm. Mas estas atividades duvidosas de agências de inteligência não são de autoria exclusiva dos Estados Unidos: o caso da América Latina também merece atenção.

Um novo indício foi revelado por um par de pesquisadores prestigiosos, que analisaram o regime de exportação de tecnologias de vigilância que a Alemanha adota. Entre os aspectos mais interessantes do artigo, está o fato da indústria global de tecnologias de vigilância mover entre três e cinco bilhões de dólares por ano, de que a Alemanha está aumentando os seus esforços para regular a exportação destas tecnologias, e que, entre os países que têm adquirido estas tecnologias estão três latino-americanos: Argentina, Chile e México.

Em valores registrados por Der Spiegel, a Alemanha registra exportações de tecnologias de vigilância para a Argentina por 1,2 milhões de euros, para o Chile por 174 mil euros, e para o México, por 1,2 milhões. No entanto, como aponta o artigo, a parte destas tecnologias que corresponde especificamente a tecnologias de vigilância representa cerca de 20% dos valores totais.

Contudo, a Alemanha não é a única provedora destas tecnologias de vigilância, e a venda destes produtos não conta com uma licença correspondente do governo de um país. É por isso que, por exemplo, FinFisher, uma das tecnologias que deveria estar sujeita a controles de exportação na Alemanha e na Inglaterra, foi detectada no México e no Panamá, como revelado por uma investigação do Citizen Lab.

Lamentavelmente, mesmo a maioria dos países latino-americanos tendo governos democráticos, são Estados com resquícios pós-autoritários, onde, em muitos casos, os marcos legais e institucionais que asseguram o respeito dos direitos humanos são fracos. Isto obriga os defensores e ativistas do direito à privacidade a darem toda a sua atenção aos relatórios sobre a aquisição de tecnologias de vigilância: Porque é que foram compradas? Como é que se regulam estas compras? Como é que afetam os direitos dos cidadãos? Etc.

Além disso, é importante considerar que os debate sobre segurança pública tem sido incorporado na agenda de vários países por causa da violência gerada pelo narcotráfico, como é o caso no México; de grupos guerrilheiros e paramilitares, na Colômbia; ou do terrorismo doméstico em menor escala, como no Chile. Isto tem promovido, como resposta, a criação de uma série de políticas públicas que tendem a conceder maior poder às entidades policiais e de inteligência. A nova Lei de Telecomunicações mexicana, o sistema de escuta PUMA colombiano, ou as discussões atuais no Chile sobre a modificação da sua agência de inteligência são exemplos do novo direcionamento das políticas públicas: conferindo novos poderes à polícia e às agências de inteligência.

No entanto, estas discussões deixam de fora (além de observância plena dos direitos humanos) a necessidade urgente de melhorar os baixos níveis de transparência e prestação de contas atuais, especialmente no que diz respeito a várias agências, que têm um passado autoritário e pouco democrático. Uma maior transparência e prestação de contas permitiria saber se esta atribuição de novos poderes tem um impacto positivo na segurança pública, e se estes estão sendo utilizados de forma eficiente.

Portanto, torna-se imperativo criar sistemas que obriguem as agências, importadoras, a implementar estes mecanismos, para que prestem contas sobre o uso das tecnologias através das seguintes medidas:

Sendo transparente sobre os investimentos, os nomes dos provedores das tecnologias de vigilância e do seu país de origem, com o intuito de auditar se a empresa provedora tem a licença necessária, do seu país de origem.
Criando licenças de importação para privados que desejem usar estas tecnologias, limitando qualquer possível utilização que possa afetar o exercício de direitos humanos.
Obrigando as agências policiais e de inteligência a permitir o uso destas ferramentas somente for apresentada uma ordem judicial, devendo esta cumprir com standards rigorosos de direitos humanos.
Contando com mecanismos de prestação de contas, por parte das agências policiais e de inteligência, que garantam a participação do governo, congresso e poder judicial de cada país, mediante procedimentos informados e efetivos.
Publicando relatórios de transparência que indiquem, nem a necessidade de individualizar cada caso, quantas ações de vigilância foram realizadas em um período específico.

A adoção destas medidas é a única forma de manter um sistema que possa equilibrar razoavelmente a demanda por segurança pública com o respeito dos direitos humanos. Em tempos como este, em que a vigilância digital se tornou um tema prioritário para governos e ativistas, é imprescindível adotar políticas públicas que respeitem os direitos humanos, e garantir a transparência e prestação de contas destas atividades na região.

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*Francisco Vera é diretor de políticas públicas da Derechos Digitales.