Pyrawebs: o arquivo digitalizado do terror

by Digital Rights LAC on março 1, 2015

lac  04 2014

Sob o pretexto de perseguir o crime, o Paraguai quer que os provedores de Internet acumulem os dados de todos os seus usuários por um ano. O perigo da vigilância em massa retorna ao país.

De Maricarmen Sequera e David Bogado, TEDIC.

Era 1992, quando Martin Almada e outros ativistas descobriram o chamado “Arquivo do Terror” em uma delegacia de polícia em Lambaré, tratava-se da esmagadora evidência da existência da “Operação Condor”, em que Alfredo Stroessner e outros ditadores da região concordaram em trocar documentos, presos políticos, métodos de tortura, sequestro e desaparecimento forçado de milhares de pessoas, com base na segurança nacional e na erradicação do comunismo.

O Arquivo do Terror da ditadura paraguaia tornou-se uma referência latinoamericana do trabalho meticuloso e perverso das forças policiais, para obterem o máximo de informação possível de todos os cidadãos.

23 anos depois da descoberta, talvez convencidos de que os paraguaios aprenderiam a lição sobre a gravidade da vigilância em massa, um projeto de lei recente pode trazer de volta os arquivos, mas em um formato digital e possibilitando uma maior vigilância, com menos esforço.

Estes mesmos policiais, que conseguiram voltar a alguma convivência democrática, vêm com bons olhos a possibilidade de retomar o sistema de rastreamento de comunicações, com mais sofisticação do que nunca.

O projeto de lei “que estabelece a obrigação de conservar os dados de tráfego”, apresentado pelos Senadores Fernando Silva Facetti, Roberto Acevedo, Arnaldo Giuzzio e Arnoldo Wiens em junho de 2014, e que está tramitando no Congresso dependendo da aprovação de duas comissões, pode ser o retorno das atividades de vigilância intrusiva dos cidadãos.

Além de transferir a responsabilidade do Estado de repressão de crimes para os provedores de internet (ISPs), para que documentem os dados trocados entre os usuários, essas empresas não terão escolha a não ser manter ou até mesmo aumentar os preços já elevados dos seus serviço para conseguir financiar supercomputadores de retenção de informações, cujo custo que seria de R $ 4 milhões para as empresas com mais clientes de acordo com dados não oficiais.

Por que é que se um grupo de criminosos (pedófilos, estelionatários, sequestradores, etc.) usar a Internet para estes e outros fins, as outras pessoas devem ter suas comunicações interceptadas? Aparentemente, o Ministério Público, a Polícia Nacional e os parlamentares que apresentaram este projeto acreditam que a manutenção de um elevado percentual de retenção de informação de usuários da Internet é a única maneira de encontrar os criminosos.

O que vão pensar as centenas de policiais e informantes que trabalharam durante anos no desenvolvimento do que hoje é conhecido como Arquivo de Terror, quando eles souberem que foi proposto um projeto em 2015 que lhes homenageia?

Sem dúvida, existem abusos durante a vigência desse tipo de lei. Em países onde não há lei, vários assaltos à privacidade dos indivíduos foram revelados. O jornal Der Spiegel havia revelado como o governo alemão usou a retenção de dados de tráfego para espionar jornalistas e ativistas. Houve um caso semelhante na Polônia, enquanto na Irlanda um funcionário público foi descoberto usando um aparelho de inteligência para controlar seu ex-parceiro. É escusado dizer que esta lei vai colocar em risco os jornalistas de comunicação, suas fontes, políticos e ativistas, defensores de um Estado democrático.

Atualmente, existem decisões judiciais contra este tipo de lei em todo o mundo. A Grande Câmara do Tribunal Europeu de Justiça, na sua decisão de Digital Rights Ireland Ltd 2014, declarou nula a Diretiva que tratava da conservação de dados na União Europeia. “Em outras palavras, nunca deveria ter sido aprovada”: a sentença considerou que a recolha maciça de dados de tráfego da Internet na Europa é uma “interferência abrangente e particularmente grave nos direitos fundamentais à privacidade e à proteção dos dados pessoais”.

Na Argentina, em 2005, a lei de retenção de tráfego de dados foi declarada inconstitucional. Outro precedente jurídico é um caso envolvendo o Brasil (Escher e outros vs. Brasil), no qual a Corte Interamericana de Direitos Humanos decidiu que os metadados têm a mesma importância que o conteúdo, de modo que eles devem ser protegidos de forma igual. Este último documento jurídico reafirma que o projeto de lei de retenção de tráfego de dados no Paraguai viola a Constituição, no artigo 36, que se estende a todas as comunicações, feitas por qualquer meio.

A Constituição também reconhece, no artigo 137, tratados internacionais ratificados pelo Estado paraguaio e consolida a legalidade dos mesmos sobre direitos humanos. Ele acrescenta também o direito à privacidade garantido pelo artigo 33.

A situação atual do Paraguai em termos de insegurança é extremamente preocupante. No entanto, a repressão de infracções e crimes devem ser específica, necessária e proporcional. A vigilância em massa, como a que é proposta neste projeto, é desproporcional, desnecessária e invasiva à vida de todos os cidadãos.

O Paraguai tem atualmente o acordo MLAB com os EUA, que é um memorando de entendimento para que empresas de aplicativos de conteúdo na Internet como: Microsoft, Apple, Twitter, Facebook, entre outros, possam monitorar seus usuários / clientes se tiverem conteúdo suspeito, e disponibilizem para a Procuradoria local, ou vice-versa, documentação ou provas para o julgamento de crimes. Neste ponto, o processo é complicado e lento e, por isso, há uma coalizão mundial para alterar o este memorando de entendimento, para acelerá-lo e resolver crimes ou delitos em tempo real ou quase. Assim, o Ministério Público pede a retenção do tráfego de dados de IPs suspeitos e não a retenção de todos os IP.

Um Estado democrático não vive com este tipo de lei, que é típica de um estado policial como foi o nosso país há 26 anos. Queremos voltar ao passado? Estamos dispostos a permitir isso? Se a resposta for “Não”, convidamos você a ser solidário e assinar a Petição contra a lei Pyrawebs aqui.

Mais informação: http://www.pyrawebs.tedic.org