Paraguai: Democracia e liberdade de expressão para a justiça digital
by Digital Rights LAC on março 1, 2014
A frágil proteção da liberdade de expressão no Paraguai e seu desenvolvimento de Internet limitado são um sintoma da lentidão do processo de reforço na sua fase de transição para uma democracia com respeito pelos direitos humanos e uma cobertura estatal para todos seus habitantes, garantida pela justiça digital.
Por Yeny Villalba, com a colaboração de Natalia Enciso
Dito de outra forma, e não sendo nova esta premissa: para o desenvolvimento da internet e a possibilidade de uma infraestrutura social onde possa se disfrutar e exercitar plenamente a liberdade de expressão sem discriminação – juntamente com outros direitos assegurados – se criam um estado social de direito. Podemos dizer que um país que se constrói com valores democráticos impede obstáculos, inclusive aqueles que podem surgir por “meios indiretos” de violações de direitos, como a falta de infraestrutura para uma Internet livre e neutra e qualquer elemento que evidencie o “bloqueio” da claridade do modelo democrático que se busca, além de um dogma ou propaganda.
Transição para a democracia com uma transição para a justiça digital?
O Paraguai vive uma longa transição para a democracia (1989 – 2014), tão longa quanto a sua ditadura (Alfredo Stroessner de 1954 – 1989), num cenário em que o debate interno gera outras prioridades como os níveis de desigualdade social existentes, a pobreza e a pobreza extrema, a injustiça tributária, e o tema da justiça digital se torna uma questão pequena no plano da democracia paraguaia, uma questão que cresce nas sombras.
Sombras não só porque o Paraguai ainda não tem uma lei especial que proteja e abra os canais do direito ao acesso à informação pública, como por causa da criminalização continuada dos ativistas que mobilizam a liberdade de expressão e o interesse público sobre temas que complementam a agenda digital. O direito digital neste contexto, quase fica fora da realidade e do debate político. Estamos falando de um país com menos alternância de governo da região, o que, no que diz respeitos aos padrões mínimos vigentes, o diferencia fundamentalmente dos seus vizinhos da América latina, há também uma escassez na quantidade de interlocutores que permitem um amadurecimento do debate dos direitos de Internet, de discussão da agenda digital dos programas de governo – se existirem – sem deixar de compreender a integralidade dos direitos humanos, que se une à frágil realidade social paraguaia.
Para se falar de uma transição digital no cenário paraguaio, de um ponto de vista mais focado no direito digital, antes devem referir-se e contextualizar que, nas últimas eleições de abril de 2013, houve casos de criminalização e de tensão quanto à transparência e ao debate de temas de interesse público, de pessoas que utilizaram como meio de expressão as ferramentas – limitadas – disponíveis, acessíveis na Internet. O fato é que cidadãos utilizando a tecnologia, expressando abertamente as suas opiniões através de aplicativos, exigem transparência, o bom uso dos bens públicos e põem o foco das críticas, como é obvio em época eleitoral, nos perfis dos candidatos ou candidatas, matéria que poderia ser comum, sem novidades e aparente ato de risco ou exagerada valentia em uma democracia participativa, mas que não o tem sido.
O enfraquecimento da democracia encontrou um ambiente hostil para a cidadania indignada e onde candidatos e candidatas em campanha eleitoral criaram precedentes negativos ao tentar “exemplificar” com alguns casos o importante que é “ficar calado” uma vez que o que é dito contra alguém pode ser investigado como caso de “difamação e calúnia”, um interpretação fraca que pode se tornar muito mais perigosa no contexto eleitoral.
“Políticos” que visam o debate e a inclusão de normas de acessibilidade, desenvolvimento tecnológico, diversidade e o aumento de capacidades para o exercício de todos os direitos nos seus programas de governo, como uma possibilidade e, sobretudo que respeitem o direito humano à liberdade de expressão, privacidade e outros temas que estão na agenda global dos direitos humanos, não estiveram presentes na última campanha eleitoral paraguaia de abril de 2013. É por isso que utilizarei estas eleições como um segmento da vida paraguaia que ilustra e relaciona-se ao foco da agenda digital na liberdade de expressão, pois tem se verificado até com uma sanção internacional atribuída pela Corte Interamericana de Direitos Humanos há um risco além das mudanças de governo: a criminalização de ativistas e o “bloqueio” sutil das suas liberdades.
Em uma campanha eleitoral, as insinuações de terceiros deveriam levar os candidatos à transparência e a desmenti-las, expor a verdade na arena pública, aproveitar o jogo político para expor o melhor de cada um, mas a inclusão do tipo penal de calúnia e difamação nos regulamentos em processos judiciais é uma tentação demasiado forte que está prevista como recurso além da intimidação, utilizá-lo nas vias judiciais exemplifica o suficiente e deixa na imaginação coletiva algo mais forte que a verdade: o medo de falar, escrever, postar, tuitar porque não há “provas suficientes”.
Muito antes das últimas eleições gerais paraguaias, temos o antecedente das eleições de 1993, que elegeriam o primeiro presidente civil depois do fim da ditadura militar, ainda que do mesmo Partido Político de sempre (a Associação Nacional Republicana – o Partido Colorado), o engenheiro Juan Carlos Wasmosy, hoje Senador Vitalício: o primeiro caso foi levantado contra o Paraguai perante a Corte Interamericana de Direitos por permitir que alguém, que concorreu como adversário na campanha eleitoral, fosse processado criminalmente por ter feito manifestações de alto interesse público. Este caso foi analisado preliminarmente sob a ótica da liberdade de expressão, confirmando e condenando o país, com base dos fatos provados entre os quais estavam observações de violações à Convenção Americana Sobre Direitos Humanos e com a sentença de 31 de agosto de 2004 do caso “Ricardo Canese vs. Paraguai”, esta primeira jurisprudência internacional deixou um marco para se pensar na transparência na campanha, no direito à liberdade de expressão e a verdade como interesse público.
No entanto, em 2013 ocorreram situações que afetam a liberdade de expressão e o Paraguai continua em risco de sofrer novas sanções com base no precedente do caso Canese. Os precedentes registrados, com menor perfil politico que o caso Canese deixam claro que a defesa da legitimidade do exercício das liberdades e dos direitos da Internet devem urgentemente se tornar uma prioridade da agenda social.
Casos que “exemplificam”
A falta de normas específicas como desculpa perfeita para limitar o acesso à informação pública que daria força às “provas” e informações que acompanha quase sempre as denúncias e o pleno exercício da liberdade de expressão, desde segurança para tratar de assuntos de interesse público e mais evidentemente em épocas de eleição, com base em princípios gerais do direito civil e penal, advém de publicações nas mídias locais através das quais candidatos ao Congresso deixam, de forma indireta, a percepção de que se deram ao tempo e ao trabalho de identificar aqueles que deixam mensagens em aplicativos onde se dá a interação pública. Um dos casos polêmicos que trago como referência é da denúncia e posterior condenação de uma política de um partido concorrente que ocupava um cargo no interior do país.
Em um dos casos das mídias locais (aqui e aqui também), “…o senador Juan Darío Monges (ANR) denunciou a líder liberal de sua cidade natal, Sapucái, Jacinta Barreto, ex candidata a Prefeita da comunidade. Em sua denúncia, o legislador afirma que supostamente Barreto o acusou de “abigeo” [NT] na rede social Facebook, durante a campanha política para a prefeitura municipal de Sapucái, realizada em fevereiro deste ano.
A acusada nega ter escrito tal acusação. Inclusive, pediu desculpas pelo mesmo meio, manifestando que “outra pessoa” (como por exemplo um hacker) teria utilizado a sua conta para tal fim.
Alegou também que todos sabem de sua humilde situação financeira, não tendo portanto dinheiro para “limpar o nome” do senador, pagando a soma pedida.
A prefeitura de Sapucái foi vencida por Héctor Ovidio Cáceres, protegido de Darío Monges, no dia 16 de fevereiro. A liberal Jacinta Barreto perdeu por uma diferença de cerca de 500 votos”
Outro caso que é muito relevante é tirado do Jornal ÚLTIMA HORA DIGITAL: “…o deputado do partido vermelho Oscar Tuma pediu, na rede social Facebook, dados sobre uma pessoa que que publicou o seu endereço pessoal na plataforma Twitter no sábado passado, gerando polêmica nas redes. A pessoa que publicou o endereço pessoal do deputado Tuma foi Male Bogado (@fanquifungus no Twitter).” A reportagem continua da seguinte forma:
O ex Oviedista tuitou entre outras coisas: “Vejam TV Pública rindo pra … haha a cada fala”, “Agora está ridículo. Parece uma brincadeira”, “Eles ainda não disseram o que aconteceu. Avisem pra eles que mudou a administração do país. Podem ir para Cuba”. Além disso chamou as presidentas Cristina Fernández de Kirchner, da Argentina, e Dilma Rousseff, do Brasil, de “histéricas”.
Male Bogado declarou para o ULTIMAHORA.COM que pareceu uma falta de respeito o que o deputado disse na sua conta do Twitter. Afirmou, “se expressou de forma deplorável”.
Questionou o fato de Tuma, uma figura pública e representante do Governo, se expressar dessa forma para pessoas que não ocupam a mesma posição que ele. Quando descobriu que o parlamento havia começado a procurar seus dados pelo Facebook, Bogado declarou que se realmente quisessem contatá-la, teriam o feito de forma privada. “ Fazê-lo publicamente me deu a impressão de que não era sério”, afirmou. Após a polêmica, Male Bogado protegeu seus tuítes e seus seguidores não puderam ler. Explicou que fez isso porque imaginou que simpatizantes com Tuma começariam a segui-la já que houve usuários do Facebook que se manifestaram a favor e contra.
O tuíte de @fanquifungus foi retuitado várias vezes. Indicando que várias pessoas também “não querem”. “Muitos se uniram em protesto”, acrescentou. Para ela, não se pode subestimar o poder das redes sociais. No entanto, assegurou que a entristece haver gente que está a favor de Tuma “e posta fora do lugar”. Defendeu que se as pessoas quisessem agir de forma violenta, já teriam agido ou descoberto o seu endereço. Finalmente, Tuma conseguiu os dados de @fanquifungus e até à data desta entrevista, ainda não se comunicou com ela.
O deputado Óscar Tuma não quis polemizar o assunto porque seria em vão. “Não há denúncia penal, mas passei o que está circulando nas redes sociais ao Ministério do Interior”, indicou à ULTIMAHORA.COM
Da mesma forma, foram ganhos casos de “bloqueio” e “redirecionamento” que foram importantes por causa do valor social que agregaram e por constituírem um mau precedente, o bloqueio dos sites victorbogado.com e partidocolorado.com pelo departamento de comunicações do governo COPACO e, posteriormente, de parte da prestação privada de internet pelas telefônicas TIGO e PERSONAL para o site abc.me considerando um bloqueio que houve dos usuários.
Disseminou-se outro caso pela mídia local paraguaia, sobre membros da associação de usuários de internet que criaram os sites victorbogado.com e partidocolorado.com como espaços de interesse público para promover a participação dos cidadãos no debate sobre irregularidades cometidas pelo deputado, e sobre a história do país no contexto de campanhas eleitorais. No dia seguinte à publicação, os proprietários detectaram o bloqueio e o redirecionamento das mesmas. O fato foi identificado pelos próprios usuários do COPACO e a operação previa verificação prévia por notário, com isto denunciaram a censura, recorrendo a todas as mídias informativas disponíveis.
Da mesma forma, outra situação que alarmou os usuários foi quando as empresas telefônicas provedoras de Internet bloquearam o acesso ao site www.abcolor.me, e alegaram que esta ação violava uma norma administrativa em matéria de concessão da exploração de serviços de internet, elaborada pela agência reguladora estatal Conatel. Ambas as telefônicas posteriormente se desculparam e comunicaram que desbloquearam o site diante de pressão dos usuários das suas redes, e o acompanhamento do caso mostrou que um terceiro fez uma denúncia criminal contra os autores desta publicação.
No Paraguai ainda não houve ampla difusão, e consequente apropriação como instrumento de referência para os usuários, da Declaração Conjunta sobre Liberdade de Expressão na Internet em relação ao filtro e bloqueio, mas referências fundamentadas no direito têm sido feitas para os usuários apresentarem suas defesas e queixas, ainda que sempre sob a pressão que vem de esperar este tipo de reação e parcialidade das empresas provedoras de serviços de Internet. Lembremos a Regra 3 sobre filtração e bloqueio com os casos mencionados em mente: “a) o bloqueio obrigatório de sites inteiros, endereços IP, portos, protocolos de rede ou certos tipos de usos (como as redes sociais) constitui uma medida extrema – análoga à proibição de um jornal ou a uma emissora de radio ou televisão – que só poderia ser justificada pelas normas internacionais, por exemplo, quando for necessária a proteção de menores de abuso sexual”. E “b) Os sistemas de filtração de conteúdos impostos pelos governos ou provedores de serviços comerciais que não sejam controlados pelo usuário final constituem uma forma de censura prévia e não representam uma restrição justificada à liberdade de expressão” .
Deve ser incorporado como necessidade o reconhecimento da tecnologia, e esta como plataforma irrestrita para a justiça social, e, em matéria de direitos digitais, a relação diretamente proporcional entre o que deve ser habilitado e o que se deve “deixar ser feito” pelos sujeitos que estão sob a sua jurisdição das normas mínimas, pretende ser um pilar da justiça digital que permite a liberdade de expressão dos seus cidadãos. O tradicional “dar a cada um o que é seu” deve ser garantido, mas não num cenário hostil entre autoridades e cidadãos.
A internet livre e a liberdade de expressão são marcos de justiça para todas as pessoas sem distinção, e finalmente coloca um tema crucial na agenda política, porque a democracia está enfraquecida, porque sem uma sociedade civil que interaja com o Estado e se torne mais dinâmica, não podemos avançar no diálogo com as autoridades.
Incluir uma agenda clara e exigir um cenário de dialogo nos permitirá também sair da precariedade do nosso debate e do medo e autoritarismo pós-ditadura? Como superar a tradição autoritária, resquícios extremamente paternalistas ditadura e o obscurantismo na tentativa de conseguir justiça digital?
Como sinais de esperança para potencializar o debate da agenda digital e fortalecer a sociedade civil paraguaia nos temas de interesse, é muito relevante a instalação recente de um grupo regional da ISOC no Paraguai, existem organizações que estão construindo uma ideia de política no direito digital, a justiça digital e a liberdade de expressão estão garantidas mas ainda falta muito para ser negociado e fortalecido, sobretudo contar com o apoio e a cooperação técnica para crescer em igualdade de condições com outros Estados e outras sociedades mais plurais e dialogantes, superando uma vez por todas o “neofeudalismo” paraguaio na Internet.
[NT] Entende-se o abigeato como sendo o crime de furtos envolvendo animais do campo, destacando entre esses o gado.