Os perigos do TPP para a legislação mexicana sobre propriedade intelectual

by Digital Rights LAC on dezembro 16, 2015

8238799063_7a5592c9e0_oEm 6 de novembro, 2015, o Ministério da Economia publicou a versão em espanhol do Tratado de Associação Transpacífico (TPP), permitindo uma visão muito mais ampla dos efeitos que terá o capítulo sobre propriedade intelectual na legislação mexicana e como os direitos humanos no ambiente digital serão afetados. Uma coisa está comprovada: o México tem muito mais a perder do que ganhar com as disposições acordadas.

Por: Gisela Pérez de Acha (ONG Derechos Digitales) e Pepe Flores (Red en Defensa de los Derechos Digitales)

O texto final do TPP confirmou o que havia sido previsto pelos vazamentos realizados pelo WikiLeaks: o acordo vai promover mudanças negativas em direitos autorais, acesso à cultura e responsabilidade de intermediários. Isto implica que as legislações locais deverão estar em conformidade com as disposições do TPP, o que trará impactos significativos em materia de direitos. No caso do México, as consequências do capítulo sobre propriedade intelectual seriam devastadoras, promovendo um esquema baseado em restrições e sanções desproporcionais.

Por exemplo, o respeito dos prazos de proteção dos direitos autorais, está estabelecido no artigo 18.63 que o período de proteção de uma obra é calculado com um período de não menos do que a vida do autor mais 70 anos após a morte do autor. Atualmente, o México tem um dos piores regimes do mundo na matéria, protegendo as obras até cem anos após a morte do autor, em conformidade com o artigo 29 da Lei Federal de Direitos Autorais. Ou seja, se quisermos promover uma reforma para reduzir o elevado prazo de proteção existente, não poderia ser feito em termos inferiores ao que o TPP estabelece como mínimo. Isto, naturalmente, tem sérias implicações para o direito de acesso à cultura.

Quanto à exceções e limitações dos direitos de autor, o artigo 18.65 do TPP não impõe um catálogo de possíveis exceções, é deixado a cada país decidir, desde que “não entrem em conflito com a exploração normal da obra, interpretação ou execução, ou fonograma, e não causem um prejuízo injustificado aos legítimos interesses do titular dos direitos.” A interpretação está aberta e a parte de limitações é vista como declarativa e não obrigatória, dizendo que “cada parte procurará alcançar um equilíbrio adequado em seu sistema de direitos de autor e direitos conexos…”. Assim, é improvável que o México mude a sua legislação em favor da figura de uso justo (fair use), pois não encontra-se obrigado pelo acordo a fazê-lo.

O artigo 18.68 de TPP afirma, a respeito das medidas tecnológicas de proteção (MTP), que poderá estar sujeita a sanção qualquer pessoa que “com conhecimento de causa ou tendo motivos razoáveis para o saber” escape dos bloqueios tecnológicos que controlam o acesso a uma obra, ou fabrique, importe, distribua, venda, alugue ou forneça serviços ou dispositivos para contornar estas medidas, inclusive “se a conduta (…) não tenha uma finalidade comercial ou outra que não a neutralização de qualquer medida tecnológica eficaz.” as sanções previstas são: i) processos penais [apenas no caso de haver um interesse comercial preponderante], ii) pagamento de perdas e danos; iii) pagamento de indenização e custas judiciais; iv) pagamento de multas.

Pense nas restrições geográficas de DVD ou Blu-ray, ou nos prazos do iTunes quando alugamos um filme: o sistema de proteção simplesmente não nos permite fazer mais. Estes bloqueios podem ser usados em softwares, e-books, trabalhos acadêmicos, entre outros. Longe de ser um sistema justo para proteger direitos autorais, estas disposições são excessivas e impedem qualquer outro uso, incluindo aqueles que temos como consumidores e proprietários daquilo que compramos.

Embora o TPP afirme que “uma Parte poderá prever que procedimentos penais e sanções não se apliquem a uma biblioteca, museu, arquivo, instituição de ensino ou agência pública de radiodifusão não comercial, sem fins lucrativos”, a decisão está sujeita ao governo mexicano. Enquanto países, como o Equador, estão considerando garantir o uso legítimo de material protegido por essas medidas de controle (DRM), no México é difícil que a legislação tome esse rumo.

No artigo 424 bis do Código Penal Federal mexicano já estão previstas penalidades para quem com fins lucrativos ou interesse comercial “fabrique um dispositivo ou sistema cuja finalidade seja desativar dispositivos eletrônicos de proteção de um programa de computação” com uma multa de entre 250.000 e 2,8 milhões de pesos (entre 14.000 e 165.000 mil dólares, aproximadamente) e uma pena de três a dez anos de prisão. Os outros pressupostos de medidas de proteção tecnológicas para livros, música ou vídeos teriam que ser ampliados. E, além disso, teriam que incluir multas (mas não prisão) aos usuários que tentem desbloquear essas “fechaduras digitais” de seus próprios pertences.

Também propõe-se o endurecimento de sanções contra violações de direitos autorais. O artigo 18.74 do TPP determina que os juízes devem ter o poder de, pelo menos: i) impor medidas de precaução, incluindo o seguro ou outras que permitam a custódia de dispositivos e produtos suspeitos de estarem envolvidos em uma atividade proibida; ii) condenar o pagamento dos tipos de indenizações aplicáveis em caso de infração aos direitos de autor; iii) ordenar o pagamento de despesas ou custas processuais; e iv) determinar a destruição de dispositivos e produtos que  estejam envolvidos na atividade proibida.

No México existem sanções civis e criminais, mas teria que modificar o fato de que o artigo 231 da Lei de Direitos Autorais já estabelece que se comunicar, utilizar, reproduzir, armazenar, distribuir ou vender uma obra protegida por direitos de autor (ou sua cópia) sem o consentimento do proprietário, e com fins lucrativos, que prevé uma multa de $250.000 (14.000 mil dólares) e $2,8 milhões (165,000 mil dólares). Isto é independente da indenização por perdas e danos de natureza civil, que não pode ser inferior a 40% do preço de venda nos termos do artigo 216bis da referida lei. Assim, o endurecimento de sanções contra as violações dos direitos autorais fará com que a quantidade de material cultural disponível na Internet diminua drasticamente. Todos pagando mais do que o “dano” supostamente causado; em benefício de particulares e com o propósito de assustar qualquer um que tentar infringir tais direitos.

Quanto aos sinais de satélite, o TPP propõe em seu artigo 18.79 punir com pena de prisão e multa não só “quem produzir, modificar ou vender sistemas projetados para decodificar sinais de satélite”, mas também aqueles que usam esses sinais. Isso já está legislado no México, mas não inclui os usuários finais. É punível com pena de pagamento de uma indenização (artigo 145 da Lei Federal de Direitos Autorais) e seis meses a quatro anos de prisão (artigo 426 do Código Penal Federal). Com o TPP, o padrão é muito mais rigoroso, uma vez que pune não só a produção de dispositivos que decodificam sinais de satélite, mas também penaliza o usuário.

Por último, o TPP propõe no artigo 18.82 um sistema de responsabilidade dos intermediários muito semelhante ao do DMCA. Isto é, a implementação de mecanismos de notificação e retirada seguindo o modelo sem responsabilizar os intermediários pelo conteúdo de terceiros em suas plataformas, concedendo “incentivos legais aos Provedores de Serviços de Internet para cooperar com os detentores de direitos autorais para impedir o armazenamento não autorizado e a transmissão de materiais protegidos por direitos autorais ou, alternativamente, tomar outras ações para deter o armazenamento não autorizado e a transmissão de materiais protegidos por direitos de autor.”

Até a presente data, não há nada sobre o assunto regulamentado no México. O perigo que isso apresenta é que se instale um sistema de monitoramento de conteúdo operado por empresas privadas, sem qualquer controle ou garantia de respeito aos direitos humanos. Há precedentes no país como a proposta do senador Federico Döring em 2011 ou a chamada Lei Beltrones em 2015, que visavam capacitar o Instituto Mexicano da Propriedade Intelectual (IMPI) para solicitar aos ISPs informações sobre os usuários da Internet em caso de infração, bem como a possibilidade de multar estes intermediários se não cooperassem. Uma reforma legislativa semelhante poderia ocorrer com a chegada do TPP.

À luz desta análise, é possível detectar que o TPP é um risco iminente para a vida pública. Não só ameaça o acesso à cultura na Internet, mas suas sanções administrativas e penais podem causar um efeito inibidor que prejudica a liberdade de expressão. Além disso, é impraticável aumentar as sanções de prisão por violações em um país com um sistema prisional superlotado onde existem outras infrações de maior impacto na vida social; bem como delegar a entidades privadas -como os ISPs- maiores responsabilidades e poderes sem mecanismos de controle ou prestação de contas.

Durante a XXII Cúpula de Líderes do Fórum de Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (APEC), as doze nações que assinaram o TPP concordaram em firmar o acordo em 04 de fevereiro de 2016, dando um período de dois anos para a aprovação dos respectivos congressos. No México, o Senado é o órgão responsável pela decisão -presumivelmente, será realizada no segundo semestre de 2016- de modo que não só é necessária, mas urgente a discussão sobre o impacto do acordo sobre a legislação nacional.

Imagem: Caelie_Frampton via Flickr