Os direitos humanos como moeda de troca: o caso da #LeiTelecom

by Digital Rights LAC on julho 30, 2014

rights

A aprovação recente da nova Lei de Telecomunicações do México revela uma realidade indignante: como os processos políticos por trás da sua tramitação acabaram fazendo dos direitos humanos uma simples moeda de troca.

Francisco Vera, ONG Derechos Digitales.

Após uma exaustiva e prolongada batalha de ativistas de direitos humanos da sociedade civil mexicana, o projeto de Lei de Telecomunicações do país finalmente foi aprovada, publicada no diário oficial e está pronta para entrar em vigor.

A preocupação em torno desta lei é amplamente justificada. Embora tenha sido resolvido um dos seus perigos iniciais, de normas que afetavam o princípio de neutralidade da rede, mantiveram-se outros dispositivos que afetam gravemente os direitos humanos de quem vive no México. Nos referimos especialmente àquelas que foram adotadas em nome da segurança pública, como a capacidade desproporcional de controlar áreas e populações, dando a uma vaga “autoridade competente” o poder de ordenar a suspensão do serviço de telefonia de maneira arbitrária para “fazer cessar os delitos”. Uma medida que é completamente injustificada e contraria o direito à liberdade de expressão, informação e comunicação.

De fato, logo que foi aprovada a lei, a Comissão de Direitos Humanos do Distrito Federal (CDHDF) assinalou que isto não era só um problema preocupante da lei, como também problemático para a provisão de geo-localização em tempo real e para a ampla e desproporcional obrigação que as empresas de telecomunicações teriam de reter dados dos seus usuários.

Contudo, além dos pontos específicos problemáticos da Lei de Telecomunicações, ainda há uma sensação amarga sobre os processos políticos por trás destas decisões: por um lado, pela pouca participação e transparência do projeto e, por outro, o tom geral do mesmo e as concepções de interesse público que aparecem nele.

Umas das principais causas deste sentimento é a nefasta ideia que os direitos humanos seriam um ponto negociável em nome da eficiência de mercado, a inclusão social, a penetração social digital ou, como neste caso, rente a um sobrecarregado conceito de segurança pública, que nem sequer providencia real segurança aos cidadãos. Sob esta abordagem, se um projeto de lei sacrifica alguns destes direitos, esse não seria problema uma vez que já apareceram os defensores dos direitos humanos, e outros atores relevantes, para “resolver o assunto”.

Contudo, decidir sobre questões de direitos humanos, quer seja na Internet ou em qualquer outra plataforma ou lugar, não equivale a definir uma simples politica pública, ou um subsidio para uma indústria determinada, nem compete, em termos de importância, com a inovação ou o mercado. O respeito dos direitos humanos é parte essencial de um sistema democrático e um Estado de direito; eles garantem um mínimo de direitos que todas as pessoas têm, simplesmente pela qualidade de serem humanos, e lhes serve de base para o desenvolvimento em sociedade e para poderem gozar seus outros direitos.

De fato, na maioria das constituições politicas ocidentais se reconhece o respeito destes direitos não como só como um direito, mas como um limite ao poder do Estado e de outros agentes privados, e um dever essencial do mesmo. Também é o caso da Constituição Mexicana, que define clara e inequivocamente este ponto em seu primeiro artigo:

Artículo 1º inciso primero: En los Estados Unidos Mexicanos todas las personas gozarán de los derechos humanos reconocidos en esta Constitución y en los tratados internacionales de los que el Estado Mexicano sea parte, así como de las garantías para su protección, cuyo ejercicio no podrá restringirse ni suspenderse, salvo en los casos y bajo las condiciones que esta Constitución establece.

Contudo, após uma leitura da nova Lei de Telecomunicações e outras condutas do governo mexicano (como a censura do site 1dmx), fica claro que a ênfase não está ali. Na Lei recém-aprovada, é fácil constatar que sua linguagem foi pensada por membros de um ente de governo, das obrigações de colaborar com os órgãos policiais, às exceções que tornam algumas regras inúteis. Em suma, da necessidade de limitar os direitos humanos, quando são estes que deveriam limitar o poder. Isto fica claríssimo na redação dos artigos 189 e 190 da nova Lei, que se limita a referir as necessidades do governos, sem alusão alguma aos direitos humanos que estão sendo afetados.

É certo que a política se baseia na negociação e deliberação de diferentes posições e que pode alcançar resultados que não deixem todos satisfeitos. Mas quando o mecanismo e a linguagem para criar políticas públicas parte das necessidades de um governo ou determinados agentes privados, em vez de um foco nos direitos humanos e interesse público, as bases destes processos de deliberação e/ou negociação vêm tendenciosas e mal desenhadas.

Lamentavelmente, neste cenário, o papel da sociedade civil será o de apagar incêndios e corrigir erros antes de permitir que nossos direitos floresçam e se desenvolvam na sociedade.

Francisco Vera é advogado integrante da ONG Derechos Digitales.