A última grande batalha do TPP

by Digital Rights LAC on setembro 23, 2015

19526933673_a9844353d8_k

Os avanços no acordo estão cada vez maiores e as manobras da sociedade civil estão se tornando cada vez mais difíceis, e embora pareça que há melhores perspectivas sobre as questões de tecnologia, existe um grande obstáculo para assegurar a soberania dos países: a Certificação.

Por Pablo Viollier, Derechos Digitales.

 Os resultados da última rodada de negociações do Acordo de Associação Transpacífico (Trans-Pacific Partnership, TPP) no Havaí foram interpretados como um fracasso pelos países que o negociam, pois esperavam assinar o tratado em Maui. Não é a primeira vez que este acordo de livre comércio, negociado em segredo por 12 países da costa do Pacífico e entre os quais figuram o México, Peru e Chile, sofre atrasos. Desta vez, a tentativa de assinatura final foi frustrada surpreendentemente por uma controvérsia estrelada entre Estados Unidos, Japão, Canadá e México, no que diz respeito às regras de origem no setor automobilístico; e, em menor medida, a insatisfação da Nova Zelândia pela cotas de exportação no setor de laticínios.

No entanto, é o capítulo sobre patentes farmacêuticas e -em especial a proteção dos dados dos testes de medicamentos biológicos – que se mantem como obstáculo para os países chegarem a um acordo. Lembremos que, a respeito disso, o ministro das Relações Exteriores do Chile disse que o país iria defender até o último momento sua posição de não aumentar o prazo de proteção de dados de testes de produtos biológicos.

No entanto, isso não significa que o ciclo de negociações não produziu qualquer progresso. Pelo contrário, estima-se ter atingido um consenso sobre 90% do tratado, e 27 dos 30 capítulos estão acordados.

O estágio avançado de negociação e o nível de consolidação do texto torna difícil para a sociedade civil desempenhar um papel importante de influência no texto final do TPP. Por outro lado, embora tenha havido avanços em questões como a remoção automática de conteúdo, medidas tecnológicas de proteção e responsabilidade dos intermediários, estes avanços têm ocorrido na forma de exceções e flexibilidades na linguagem do texto.

Essas exceções e flexibilidades na linguagem, permitiria que os países, em teoria, implementassem legislações mais equilibradas e de acordo com a realidade local. Contudo, mesmo esta possibilidade é questionável, uma vez que os países não definiram um mecanismo de entrada de vigência do tratado.

A este respeito, a proposta original dos EUA era exportar o equivalente a seu sistema de certificação, onde uma entidade externa à negociação determina se a legislação aplicada por um país cumpre ou não com os requisitos do tratado, o que na prática implica impor uma determinada interpretação do conteúdo das obrigações. Assim, uma porcentagem significativa dos países envolvidos nas negociações se opôs a esta proposta porque implica em um processo unilateral e intrusivo. Comparar a experiência de implementação entre o Acordo de Livre Comércio (ALC) Chile-EUA e Peru-EUA é ilustrativo nesse aspecto.

De fato, se os países em desenvolvimento têm investido seus esforços e energia para se opor ao maximalismo dos países desenvolvidos no âmbito de negociações do TPP, tem sido para implementar exceções e flexibilidades no texto e para tirar proveito quando aplicarem sua legislação. A Certificação proposta pelos Estados Unidos faz dessa possibilidade uma ilusão.

Para aparar esta aresta, o Japão propôs um sistema alternativo, onde é dado um período de dois anos para os países membros aprovarem, em termos formais, o tratado no seu direito nacional. A incorporação dos países que não ratificarem a TPP, após dois anos, deverá ser revista pela Comissão de Livre Comércio do mesmo tratado, composta por países que já são membros.

Embora esta proposta signifique um avanço, persistem as dúvidas quanto à forma como a comissão irá aprovar a entrada dos países que demorarem mais de dois anos para ratificar o TPP. Se o faz através de um processo unilateral e intrusivo, apenas estará se postergando em dois o anos o mecanismo de certificação proposto pelos Estados Unidos.

Por outro lado, a proposta japonesa requer que, nos dois primeiros anos, um número de países equivalentes a 85% do PIB previsto no Tratado ratifiquem o TPP para que ele tenha efeito. Essa porcentagem é impossível de alcançar sem que Japão e Estados Unidos ratifiquem o tratado, o que em termos práticos lhes outorga um poder de negociação desproporcional, permitindo-lhes exercer uma “certificação fática” sobre o resto dos países envolvidos nas negociações para a implementação do tratado em suas legislações de uma forma relacionada com os seus interesses particulares.

O mecanismo de entrada da vigência pode fazer a diferença entre um tratado equilibrado e um em que a agenda dos países desenvolvidos seja imposta. Portanto, é necessário consensuar sobre um sistema que respeite a soberania de cada país e os direitos fundamentais dos seus cidadãos. Enquanto isso não for alcançado, tudo indica que esta será a última grande batalha contra o TPP.

Imagen: (CC BY)  SumOfUs / Flickr