O baixo envolvimento da sociedade civil na Lei de Telecomunicações no México
by Digital Rights LAC on maio 5, 2014
A Lei de Telecomunicações tem sido polêmica, não só pelos danos que pode causar à liberdade de expressão na Internet, mas também porque, ao longo do processo da sua discussão, as contribuições da sociedade civil têm sido mínimas. O que poderá acontecer ao interesse público nesta legislação nestas condições?
De Israel Rosas*
O primeiro ano do mandato de Enrique Peña Nieto no governo e no Poder Executivo Federal do México foi caracterizado, entre outras coisas, pelo impulso criado por uma série de alterações à Constituição, conhecidas como reformas estruturais. Os setores financeiro, educacional e de telecomunicações foram os primeiros a ser considerados, graças ao Pacto México, um acordo entre a Presidência da República e as três principais forças politicas do país.
A aliança, além de promover as propostas de reforma, também serviu para expor a falta de oportunidades de participação que a sociedade civil mexicana compreende. No momento, o pacto já não está em vigor. Contudo, as práticas legislativas não mudaram, como foi visto no processo de discussão da nova legislação de telecomunicações.
O Pacto do México
O dia depois da tomada de posse da Presidência por Peña, foi anunciado um acordo entre a Presidência da República e os três principais partidos políticos do país. O pacto incluiu o Partido Revolucionário Institucional (PRI), o impulsor da candidatura de Peña Nieto; o Partido da Revolução Democrática (PRD), a principal força da esquerda partidária; e o Partido Ação Nacional (PAN), partido de direita que acabava de ceder a presidência.
Formado por um total de 95 compromissos, agrupados em cinco grandes acordos, o pacto se propôs a realizar uma transformação radical do país pela via legislativa. Os compromissos 39 a 45 tratavam exclusivamente de uma reforma ao setor de telecomunicações.
Reforma constitucional da matéria de telecomunicações
A iniciativa correspondente a este setor foi apresentada no dia 11 de março de 2013 e enviada ao Congresso como parte dos trabalhos do Pacto do México. O documento foi assinado por Enrique Peña Nieto e pelos coordenadores parlamentares do PRI, PRD, PAN e do Partido Verde Ecologista do México (PVEM) na Câmara dos Deputados.
Uma vez na Câmara de Deputados, a decisão tomada pelas comissões foi aprovada pelo Plenário com 414 votos a favor (397 providenciados pelos partidos signatários do Pacto), 50 contra e 8 abstenções. As reservas apresentadas por outros partidos da oposição foram sistematicamente rejeitadas sem serem discutidas, por isso a decisão foi referida ao Senado.
No Senado, o trâmite legislativo foi parecido. A decisão tomada pelas comissões foi aprovada com 118 votos a favor e 3 contra. 117 dos votos favoráveis foram fornecidos por uma aliança de facto, que incluía o PRI, o PRD, o PAN e o PVEM. Os artigos reservados foram aprovados nos termos da decisão, seguindo a metodologia adotada na Câmara de Deputados.
Algumas modificações adicionais fizeram com que a iniciativa voltasse mais uma vez para ambas as câmaras, levando a resultados parecidos. No dia 30 de abril de 2013, a decisão foi aprovada pelo Senado e foi colocada na pauta de legislações internas da República, buscando a aprovação da maioria, que é necessária para uma reforma constitucional.
E a sociedade civil?
Após a aprovação pela maioria dos congressos estatais, a minuta foi declarada constitucional pela Comissão Permanente do Congresso da União, durante um dos recessos desta. A iniciativa foi levada à Gazeta Oficial para publicação, no dia 11 de junho de 2013.
Duas das disposições provisórias do Decreto de reforma constitucional estabelecem a obrigação para o Congresso expedir um novo ordenamento legal e adequar o marco jurídico existente ao novo texto da Constituição. Apesar do prazo para realizar estas modificações ter vencido em dezembro de 2013, só no dia 24 de março de 2014 é que o Executivo enviou a iniciativa de legislação secundária na matéria à Câmara de Senadores. Foi nesta instância que explodiu a controvérsia e vários atores da sociedade civil advertiram sobre as consequências da liberdade de expressão na Internet da lei.
A descrição da iniciativa assinala que esta foi criada tendo em conta mais de 33 contribuições fornecidas por diversos atores do setor. Cabe ressaltar em especial aquelas enviadas por associações e câmaras comerciais, como a Associação Nacional de Telecomunicações (ANATEL), a Câmara Nacional da Indústria Eletrônica de Telecomunicações e Tecnologia de Informações (CANIETI), a Câmara Industrial Nacional de Rádio e Televisão (CIRT) e o Conselho de Coordenação Empresarial (CCE). O documento refere também a consulta a organizações internacionais, mas, embora ele também aponte contribuições enviadas por atores da sociedade civil, ele não parece especificar a quantidade nem a natureza das mesmas.
No Senado, as Comissões Conjuntas de Comunicação e Transportes; de Estudos Legislativos; e de Rádio, Televisão e Cinema, responsáveis por tomar uma decisão sobre a iniciativa, formularam um programa de trabalho com tal fim. O documento contemplou a realização de fóruns públicos com a finalidade de conhecer a opinião de especialistas nos temas abordados pelo projeto de lei.
Infelizmente, os critérios para escolher os oradores nao foram claros. Além deste fator, uma boa parte dos participantes foram representantes da indústria, enquanto a sociedade civil passou para segundo plano. Mesmo que qualquer parte interessada achasse uma forma de submeter as suas próprias contribuições, não está claro qual o papel que teriam no processo de análise e decisão por parte dos legisladores, mesmo que estas tivessem aparecido no micro site que foi destinado para tal fim.
A composição de ambas as câmaras do Congresso permite que os acordos políticos prevaleçam sobre as discussões técnicas, mesmo sobre temas relacionados ao setor de telecomunicações e mesmo sem o Pacto do México. Sobretudo quando uma reforma constitucional requer o voto de dois terços dos legisladores, mas a adoção de uma nova legislação somente requer os votos de uma simples maioria. Neste cenário, pouco importa se os pontos de vista da sociedade são incluídos na iniciativa em questão ou não.
*Israel Rosas é membro do Capítulo Mexicano da Sociedade da Internet e Wikimidia
Twitter: @irosasr
Translation: Antonia Azambuja