A neutralidade da rede no Chile: muita sofisticação para SUBTEL?
by Digital Rights LAC on agosto 27, 2013
A neutralidade da rede no Chile não se encontra muito melhor do que há três anos, quando não havia nenhuma lei a respeito. Uma parte importante da responsabilidade recai sobre o organismo regulador, SUBTEL, que parece não assumir as questões técnicas que a implementação da legislação impõe.
Por José Huerta, ONG Cívico
Com muito orgulho, no ano de 2010, vimos a publicação da primeira lei de neutralidade da rede em todo o mundo; sim, no Chile, onde estamos mais acostumados a temas menos vanguardistas no espectro legislativo. Mas, como muitos temiam, a lei e os princípios que a sustentam seguem em risco graças à deficiente atuação de nosso órgão regulador (Superintendência de Telecomunicaciones, SUBTEL), que, por mandato expresso da mesma Lei, deve salvaguardar os direitos que lhe concede.
No entanto, a realidade está longe daquele cenário. Pode-se dizer, sem dúvida, que em matéria de neutralidade o país não se encontra muito melhor do que há três anos.
Ainda que exista maior informação para os consumidores graças à obrigação de os ISPs serem transparentes com relação a muitas de suas práticas, sua atuação pouco clara continua a afetar os usuários e provedores de conteúdo, que também tem a aprovação – ou pelo menos a indiferença – de quem tem a obrigação de punir tais condutas, a SUBTEL.
Em mais de três anos de exercício, a SUBTEL não emitiu uma única multa às empresas por matérias relacionadas à má qualidade dos serviços gerados pelas medidas de gestão de tráfico anticompetitivas que os ISPs chilenos continuam a praticar.
Não sem dificuldade, pudemos encontrar um par de documentos nos quais a SUBTEL solicita informações ou manda alterar alguma publicação nos sites de empresas. Contudo, os parágrafos de transparência ativa da SUBTEL carecem de toda informação que pode ao menos sugerir uma investigação ou processo de fiscalização tendente a determinar o que está acontecendo nessa área.
Diariamente nós usuários vemos como os ISPs diminuir artificialmente o desempenho de diferentes serviços e aplicações na rede, escondendo-se por trás da autorização concedida por lei para a gestão do tráfego de forma consciente e sem efeitos anticompetitivos. No entanto, pode-se supor que qualquer medida destinada a degradar a qualidade de um serviço em particular é, obviamente, uma medida anticompetitiva, ainda que os efeitos “positivos” de dita medida sejam percebidos por aqueles provedores de conteúdos ou serviços que não estão sendo geridos negativamente pelos ISPs. Dois exemplos de medidas anti-competitivas:
a) Se um ISP degrada a qualidade ou a velocidade de serviço de downloads P2P, aqueles que utilizam este sistema, por exemplo, para distribuir seu sistema operacional (Ubuntu) ou a programação online (como a BBC), não podem competir com os provedores de conteúdo que comungam com as práticas de gestão do ISP.
b) O mesmo exemplo com a degradação das velocidades de populares serviços de streaming, que não podem competir, inclusive, contra serviços de propriedade dos ISPs que estão verticalmente integrados (e que fornecem, por exemplo, TV a cabo ou outros serviços de vídeo streaming de vídeo online).
Como a lei permite aos ISPs realizar gestão do tráfego, está nas mãos da SUBTEL determinar se tal gestão é anticompetitiva, e ainda que nós estejamos absolutamente certos de que ela é, os escritórios do governo não têm a menor ideia de porque tiramos essas conclusões.
É este o grande problema: a sofisticação necessária para compreender esse tipo de questão não alcançou as portas do regulador chileno, e isso se pode ver na pobreza da documentação pública que dá fé a atos administrativos que não têm qualquer rigor técnico.
E o preço por essa falta de preparação paga o mercado inteiro. Não só o usuário fica indefeso diante das atividades dos ISPs, mas os provedores de conteúdo não têm qualquer proteção contra essas atividades complexas. Além disso, mesmo os ISPs pagam pela falta de rigor da SUBTEL: estão sujeitos a penalidades para as atividades que carecem de provas contundentes, ou pelo menos, do exame técnico necessário para obter conclusões relevantes.
É por isso que a nossa organização tem levado o caso ao Congresso chileno. São os nossos deputados que deverão decidir se a SUBTEL abandonou seus deveres (e os usuários) na fiscalização e implementação da neutralidade da rede no Chile. Falta tempo para saber se isso vai conseguir reverter o panorama atual e se poderemos voltar a sentir orgulho por uma iniciativa tão importante como é a proteção da neutralidade da rede.
*José Huerta é diretor executivo da ONG Cívico.
E-mail: pepe (at) ongcivico.org