Internet.org, o caso panamenho

by Digital Rights LAC on maio 7, 2015

1473712809_fec55121f0_b

No boletim de março foi falado como o zero rating afeta as possibilidades de concorrência e os princípios que defendem a neutralidade da web. Tomando como exemplo, as empresas provedoras de internet que oferecem planos de dados para certos serviços populares (entenda-se, Facebook, Twitter e Whatsapp) até o último plano de Mark Zuckerberg, o qual consiste em oferecer alguns aplicativos web de forma gratuita e que lamentavelmente os meios insistem em anunciá-lo de forma incorreta como internet grátis, estou me referindo a Internet.org.

Sobre este último já se falou o suficiente. No Panamá, o Instituto Panamenho de Direito e Novas Tecnologias (IPANDETEC), do qual faço parte, começamos uma luta para conseguir que sejam revistas as políticas deste projeto. A partir do primeiro dia desmentimos cada uma das bondades atribuídas ao mesmo, no início com uma recepção fria, mas que logo começou a cobrar força e cada vez com mais panamenhos convencidos de que a Internet.org não é boa para a neutralidade da web, nem para livre concorrência.

O Panamá lamentavelmente não tem uma grande história em assuntos como governança na internet, assuntos com uma temática de desenvolvimento social focados na forma como se administra a internet. Isto complica a tarefa de enviar estas mensagens para uma população, já que não costumam compreender completamente estes movimentos. Por outro lado, não existe esse componente social entre nossos profissionais na área de IT. Apesar disso, existem exceções, há comunidades comprometidas com o desenvolvimento de uma sociedade que se apoie nas TICs, mas sem abandonar nossos direitos como cidadãos.

Pelo exposto anteriormente, temos nos deparado com alguns obstáculos para conseguir enviar a mensagem. Pessoas que nos acuaram de estarmos contra uma internet gratuita, quando o que ocorre é o contrário, pois para nós é algo positivo poder contar com um serviço com esta qualidade, mas que realmente seja neutra e motivada a levar o desenvolvimento para nossa população, e não somente uma expansão de um negócio.

Temos sido acusados de criticar este projeto sem oferecer uma alternativa, mas consideramos que a alternativa já existe e é uma solução com a qual a população panamenha já contava há vários anos e que com o tempo, lamentavelmente temos reduzido sua importância. Estou me referido à Rede Nacional Internet.

Rede Nacional Internet (RNI) também chamado “Internet para Todos”, é um projeto que surge com a criação da Lei 59, de 11 de agosto de 2008, com a qual o Governo Nacional criou o Conselho Assessor de Serviço e Acesso Universal, o qual, por sua vez, é administrado pela Autoridade Nacional para a Inovação Governamental (AIG).

Com a criação deste conselho, impulsiona-se o projeto de Rede Nacional Internet, cujo objetivo é prover de conexões sem fio por todo o território nacional, de forma gratuita e sem privilegiar um conteúdo sobre outro, de forma que a sociedade possa se beneficiar do conhecimento, que atualmente podemos encontrar na web.

Este projeto foi desenvolvido para os estudantes, os quais poderiam utilizar esta rede para realizar suas tarefas escolares. Mas também possibilitando que qualquer pessoa possa utilizar o recurso, ressaltando que a referida rede, filtra qualquer conteúdo que possa ser inapropriado para um público infantil, como conteúdo violento, pornografia e jogos de azar.

O investimento realizado é de aproximadamente 32 milhões de dólares, inclui desde a criação de mais de 1000 pontos de acesso a nível nacional, até a melhora do serviço de internet móvel em áreas rurais em parceria com a Cable & Wireless Panamá e a Digicel Panamá, respaldando aquelas comunidades que, por sua posição geográfica, não supõem grandes benefícios para as empresas de telefonia, que operam atualmente.

Neste momento, o leitor poderá se perguntar: Como é possível que, havendo um projeto tão importante e ambicioso, tenha sido adotada a Internet.org no Panamá? E tem toda razão de se perguntar, pois não existe uma desculpa para o abandono de nosso próprio projeto, que busca conectividade real para nossa população.

Com o passar dos anos, mesmo existindo casos de sucesso, descuidaram dos pontos de acesso, de forma que em alguns lugares somente existem as redes, mas não existe serviço de internet (ou este é muito lento), e isto, mais uma vez não é justificável, levando em consideração o investimento realizado. Apesar disso, consideramos que o governo atual deve retomar o projeto Rede Nacional Internet com seriedade, ao invés de permitir acordos entre empresas, os quais estão repletos de irregularidades.

Anteriormente, publicou-se que o contrato entre o Facebook, o Governo Nacional e a Digicel Panamá (bastante irônico isto), deu-se em total sigilo, sem passar pela aprovação das entidades que colocam as regras em relação à livre concorrência,as demais empresas que oferecem serviço de internet móvel também não tinham conhecimento do que estava sendo levado adiante até a visita de Mark Zuckerberg, em plena Cúpula das Américas.

Voltamos a ter outra irregularidade, já que se utiliza este evento e todas as emoções positivas que o acompanham, para fazer com que a Internet.org seja vista como algo benéfico para nosso país. Os meios se encarregam de dar toda a visibilidade possível, com o qual se chega a ter um grau de aceitação quase total. São utilizadas frases como “Internet Grátis” ou “Internet dos pobres”, faz-se a comparação do mesmo com o serviço de internet pago, oferecido pelas outras empresas, fazendo com que a Facebook seja vista como uma organização benéfica, por sua vez, a população tem a percepção de que as outras ISPs que operam localmente são egoístas, por não se aliarem à iniciativa de Zuckerberg (lembrando que nenhuma outra ISP sabia sobre o projeto).

Nesta altura, já sabemos que a Facebook não está fazendo caridade, está realizando um negócio que está matando as iniciativas sociais e educativas que buscam levar a internet gratuita real. Nossos governos têm a obrigação de defender nossos interesses, criar políticas que proíbam estas empresas de criar formas de impedir que todos nós tenhamos total acesso à informação.

A Internet é um meio feito pelas pessoas e para as pessoas, é o reflexo de nossa sociedade no mundo real, não tem donos e é administrada por todos nossos governos e instituições reguladoras, para assegurar condições favoráveis. Por tal razão, devemos impedir que uma única empresa a controle, que uma única empresa diga qual é a informação que você deve consumir, que o impeça de decidir dentre vários produtos ou serviços e que o impeça de concorrer com os serviços existentes. Se estiver de acordo, convido você a assinar nossa petição em Change.org, não só para que seja revista a Internet.org no Panamá, mas também para que surjam mais movimentos como este, nos demais países da região.

Crédito da imagem: (CC: BY-NC-ND) Sailing Nomad / Flickr