Grooming na Argentina: uma norma de má qualidade e um processo desperdiçado

by Digital Rights LAC on dezembro 20, 2013

telecomunicaciones-grooming

Por, Eleonora Rabinovich

A Argentina tem uma nova legislação sobre grooming. E as notícias não são boas.

 

No mês passado, o Senado deste país aprovou um tipo penal que foi duramente questionado por ativistas de direitos humanos e vários legisladores. A Alta Câmara não reconheceu as modificações que haviam sido introduzidas na Câmara dos Deputados logo em um processo de discussão que incluiu diversas vozes e setores e insistiu na redação de uma norma que desconhece os princípios básicos de uma legislação penal respeitosa às garantias constitucionais.
A nova norma legal incorpora ao Código Penal o seguinte texto:
“Será penalizado com prisão de seis meses a quatro anos aquele que, por meio de comunicações eletrônicas, telecomunicações ou qualquer outra tecnologia de transmissão de dados, estabelecer contato com uma pessoa menor de idade com o propósito de cometer qualquer delito contra a integridade sexual da mesma.”
Essa redação havia sido questionada por diferentes organizações da sociedade civil, como a Asociación por los Derechos Civiles e a Fundación Vía Libre, que levantaram voz para advertir sobre a imprecisão e amplitude apresentada no dispositivo. Deputados como Manuel Garrido também apresentaram observações contundentes contrarias ao projeto.
Por exemplo, o texto incrimina o mero contato com um menor; isto significa que o castigo a um ato anterior à execução do delito que se persegue, que se completa com um elemento puramente subjetivo muito difícil de ser provado. Isso pode abrir a porta a distintos problemas durante a investigação penal, incluindo violações à liberdade individual ou à privacidade das pessoas, como apontaram diversos especialistas. O “Convenio del Consejo de Europa para la protección de los niños contra la explotación sexual y el abuso sexual”, à seu turno, prevê que o delito apenas se configura se “seguido por atos materiais conducentes a esse encontro”, mesmo que não tenha havido um abuso real.
A nova norma também é tida como desproporcional, pois prevê a mesma pena para delito de abuso. Ademais, o projeto não especifica a idade do menor, que deveria ser compatível com o que dispõe o resto das normas penais em matéria de consentimento de menores de idade.
Os diversos questionamentos à norma gerou a abertura de um processo de consulta a Deputados, que incluiu audiências nas quais diferentes setores e atores puderam escutar suas vozes. O processo foi muito enriquecedor e resultou na elaboração de uma norma que sanava muitos dos problemas da medida de sanção do Senado.
Assim, a versão aprovada na Câmara dos Deputados disciplinava: “Será penalizada com prisão de 3 meses a 2 anos a pessoa maior de idade, que, por meio de comunicações eletrônicas, telecomunicações ou qualquer outro tecnologia de transmissão de dados, requeira, de qualquer modo, a uma pessoa menor de treze anos, que realize atividades sexuais explícitas ou atos com conotação sexual ou que lhe solicite imagens de si mesma com conteúdo sexual. A mesma pena se aplicará a pessoa maior de idade que realize as ações previstas no parágrafo anterior com uma pessoa maior de treze anos e menor de dezesseis anos, quando mediante à fraude, abuso de autoridade ou intimidação.” Ficou esclarecido, ainda, que se trata de uma ação dependente de instancia privada.

Sem embargo, o Senado desconheceu o trabalho realizado pelos Deputados e insistiu na redação de uma norma extremamente problemática cuja implementação e resultados teremos que acompanhar de perto.

*Diretora Adjunta da ADC