Google, a Deep Web e o Direito ao Esquecimento

by Digital Rights LAC on junho 30, 2014

iceberg
De Atilio Grimani *

Primeiramente, devo esclarecer que este artigo tem uma finalidade ensaística. Ou seja, seu objetivo é provocar opiniões do leitor, sejam estas a favor ou contra o que será expresso a seguir**. Dito isso, e acordado com leitor uma espécie de contrato que determinará nossa relação enquanto estiver lendo este artigo, me preparo para começar.

Da mesma forma que a Internet e o Ciberespaço não devem ser confundidos, é um erro muito comum considerar que o Google e a Internet são sinônimos (e o mesmo pode ser dito de qualquer outro motor de busca). Isto pode parecer uma loucura para a maioria dos usuários. Contudo, a Internet como a conhecemos representa somente 4% da informação existente. O que vemos é só a ponta de um iceberg de informação; a informação indexada por motores de busca como Google e Yahoo. O resto da informação, os 96% não-indexados, está escondido sob a superfície. É o que se chama de Deep Web, ou Internet profunda. Este submundo, desconhecido pelo usuário ordinário, contém lulas gigantes, baleias brancas e naufrágios. Uma lista improvisada deve incluir, mas não se limitar a: bases de dados, filmes, músicas, livros, drogas, pornografia infantil e assassinos de aluguel.

A forma de acessar esta grande informação em massa também não é a mesma a que estamos acostumados. Para acessá-la, precisamos de ferramentas especiais, como TOR (The Onion Router) e sites como The Internet Archives ou The Silk Road, que em alguns casos substituem o conforto dos grandes motores de busca da Internet por pesquisas manuais. Além disso, muitos dos domínios que se encontram na Internet profunda não têm a estrutura clássica conhecida por todos, em vez disso parecem um pouco com isto: (32743grghjbf7438gyfd3g7g378g32.onion).

Dito isso, é importante fazer dois esclarecimentos. O primeiro é que, mesmo que a forma de acessar a informação seja mais complexa, esta não impossível. A informação ainda está por aí, quer ela esteja indexada ou não. As migalhas que caem no colo do Google ou Yahoo estão dispersas na Internet profunda, flutuando no limbo. O custo de procurar informação que não está indexada é muito maior, o que pode dissuadir quem quiser obter esta informação, mas não estiver disposto a lidar com os riscos. Esta ideia gera tensões entre o direito de acesso à informação e, consequentemente, a liberdade de expressão na Internet. Como indica Carlos Cortés (aqui), “Isto significa que, mesmo que os dados pessoais estejam online, eles não são facilmente acessíveis. Para usar uma analogia, uma coisa é pescar com uma rede, e outra, muito diferente, é pescar com uma vara: a partir daí, quem quiser obter os dados de alguém vai precisar de informação para o fazer. Para chegar a esta conclusão – talvez consciente da tensão entre os direitos envolvidos – a Agência Espanhola argumentou que a indexação em motores de busca não faz parte da liberdade de informação. Pelo contrário, tal decisão poderia ser uma forma de censura.” Contudo, este tipo de decisão tem uma tradução difícil para a nossa região, já que dificilmente passariam um teste com os standards do Sistema Interamericano de Direitos Humanos.

Existe uma segunda conclusão, derivada da primeira, que pode ser tirada das ordens dos motores de busca de não indexar certas informações (seja no contexto da decisão judicial que trata do direito ao esquecimento, ou sobre responsabilidade de intermediários por conteúdo referente a pessoas famosas): a medida carece da eficácia que seus defensores pretendem lhe atribuir. Remover conteúdo das tabelas de indexação dos motores de busca não elimina o conteúdo, simplesmente o torna difícil de acessar. Condena a informação ao exílio informático, mas não impede que alguém possa encontrar esta informação pelos meios anteriormente enumerados. A ideia do esquecimento não se atinge por meio destas medidas. A Internet não esquece tão facilmente quanto se pensa. No artigo acima citado, Carlos Cortés também nos diz: “Isto sugere que tentar contrariar [informação] ou dispor dela (destruir ou alterá-la) não depende unicamente do afetado nem é de responsabilidade exclusiva de um terceiro intermediário. Fazer com que a Internet se ‘esqueça’ destes dados requer mais que pressionar uma tecla”.

Gostaria de propor neste artigo que este tipo de medida, como a tomada pelo Tribunal Europeu, ou uma eventual medida contrária aos standards de liberdade de expressão – que poderia tomar, por exemplo, a Suprema Corte Argentina no caso Rodriguez – têm dois problemas fundamentais. O primeiro é a irrelevância moral da ordem de desindexação de informação de motores de busca. Isto é assim porque se o objetivo é esquecer a informação de alguém – entendendo esquecimento como a obliteração total e informação sobre determinado tema –, então deve-se aceitar o fracasso absoluto da ação. Obter um resultado enfraquecido, que só se verifica em alguns casos, não satisfaz a dívida moral que a ordem pretende atender.

O segundo problema é o da hipocrisia prática. Quer dizer que os usuários, que poderiam legitimamente querer acessar este tipo de informação, estão condenados a recorrer a métodos que os imergem nas obscuridades da Internet. Tais obstáculos violam o direito à informação dos usuários, como já vimos, mas também os obrigam a realizar pesquisas nas quais podem se deparar com material indesejado (de pornografia Snuff a assassinos de aluguel, de acordo com os mitos que correm a Web). Adicionalmente, isto resulta numa espécie de elitismo sobre quem pode obter essa informação, já que só pessoas que tiverem algum conhecimento técnico extraordinário poderiam fazê-lo.

Além disso, esconder estes dados debaixo do tapete pode ir contra o que conhecemos como contextualização. Uma última vez, prometo, Carlos Cortés ilustra o ponto: “A ideia de contextualização (ou recontextualização) pode ser vista como uma resposta à crítica de Mayer-Schönberger sobre o problema da lembrança parcial, mas também como uma ferramenta adicional às datas de vencimento. Por trás desta proposta está o argumento de que, com a quantidade adequada de informação, tanto o usuário quanto os terceiros que acessem os dados poderão entender e por em perspectiva seu significado”. Se passarmos a informação à Deep Web, a imagem permanecerá incompleta, parcial.

Desenvolver estes pontos a fundo demandaria mais tempo e espaço que o disponível para este artigo. Contudo, creio que esta avaliação do tema pode ser útil para provocar a discussão e abordar potenciais soluções – não apressadas – para o problema.

* Trabalhou na CELE e ADC como pesquisadora e advogada especializada em direitos digitais.

** Gostaria de agradecer ao EduardoBertoni e ao Emiliano Villa pelos seus comentários e contribuições.