Fórum de Governança da Internet 2014: Um breve balanço

by Digital Rights LAC on outubro 29, 2014

IGF

Valeria Betancourt
APC

A reunião realizada na Turquia de 2 a 5 de setembro, demonstrou que o processo do Fórum de Governança da Internet (FGI) não é como muitos pensam e defendem um fait accompli sem possibilidades de evoluir e melhorar.

O fato de que os organizadores das diversas oficinas que abordaram temas de direitos humanos na internet acordaram uma mensagem para o painel sobre privacidade na era digital, do Conselho de Direitos Humanos da ONU (levado adiante em 12 de setembro de 2012) e que aquilo se deu sem controvérsia e sem nenhum efeito adverso é, pelo menos, destacável*. Isto é um dos efeitos do NetMundial? Pode-se especular que influiu, uma vez que o NetMundial, enquanto processo multissetorial, significou um progresso substancial no reconhecimento por consenso de que a governança da internet deve se basear no interesse público e se orientar pelos marcos dos direitos humanos. O estabelecimento de diálogo interinstitucional sobre a governança da internet marca um ponto de ruptura significativo em direção a tornar o FGI em um espaço ainda mais relevante no ecossistema global da governança da internet e sinta um precedente importante de cara ao FGI 2015, que será realizado no Brasil**.

As expectativas em relação à realização de una sessão principal sobre neutralidade da rede pela primeira vez na história do FGI, em resposta ao chamado feito pelo NetMundial, eram altas. A lição deixada pela discussão, em minha opinião, é que ao invés de apontar para obter um entendimento comum sobre o conceito e a abrangência da neutralidade da rede, possivelmente seja conveniente enquadrar a discussão futura em contextos particulares, especialmente naquele dos países em desenvolvimento, a fim de determinar as implicações econômicas da problemática e aquelas que impactam no exercício dos direitos humanos, visionar soluções efetivas em nível de mercado e acordar enfoques de cooperação entre os governos de uma mesma região.

Não se pode deixar de mencionar o Internet Ungovernance Forum. Constituiu-se no espaço paralelo que conferiu visibilidade a temas de preocupação local relativos às liberdades fundamentais e os direitos humanos na internet na Turquia (como a censura, a vigilância das comunicações, a estrutura do mercado da internet baseado em monopólios e as práticas de controle das infraestruturas e os conteúdos online, entre outros***) e que deu cabida a discussões sobre a ação coletiva global da sociedade civil. A existência de plataformas alternativas e construtivas de discussão e debate é essencial para a democracia, mais ainda quando os espaços oficiais limitam a possibilidade de atender questões críticas que impactam a sociedade civil. O FGI não deveria se esquivar de estabelecer uma crítica significativa para a situação dos países que hospedam a reunião anualmente. No caso da Turquia, o governo saiu indemne y recrudesceu a aplicação de restrições online quase imediatamente depois do FGI.

Quanto à presença da região, mesmo sabendo que o nível de participação de atores da América Latina aumentou, este continua sendo baixo****. A exceção quanto a uma participação sustentada e proeminente continua sendo o Brasil. Isto é reflexo, a partir da minha perspectiva, de que quando um país tem um processo nacional multissetorial em andamento, políticas públicas de internet e estratégias internas e externas sobre a governança da internet, podem utilizar e se ligar aos espaços regionais e globais de maneira efetiva e fazer parte da tomada de decisão ou influir em sua configuração. O papel dos governos da região para ativar processos multissetoriais e avançar na definição de suas agendas de governança da internet se torna ainda mais urgente e necessário se deseja aproveitar a realização do FGI 2015 no Brasil, por um lado; e o fortalecimento do processo regional que em julho de 2014, identificou prioridades e desafios relativos ao desenvolvimento de marco de princípios e uma folha de roteiro para a governança da internet na América Latina, por outro lado.

Um dos desafios persistentes do FGI é o vínculo e a integração efetiva com os FGI regionais. Como solucioná-lo? A resposta não é simples devido à maneira na qual o processo do FGI funciona não facilita a conexão entre o global e o regional. Contudo, poderia pensar que, se forem estabelecidas áreas temáticas gerais a partir do início do ciclo anual do FGI, os fóruns e encontros regionais podem considerá-los para suas discussões e oferecer contribuições no marco de um mecanismo de preparação para o evento global.

A bola será lançada pela segunda vez em campo latino-americano em 2015. Muita coisa ocorreu desde que o Brasil sediou o FGI em 2007. Como a região vai aproveitar esta oportunidade para avançar no estabelecimento de mecanismos plurais, democráticos, participativos e transparentes que garantem a participação multissetorial na governança da internet nas instâncias nacionais? Quais respostas específicas serão estabelecidas para enfrentar os desafios da região em matéria de segurança cibernética, neutralidade da rede, privacidade, liberdade de expressão, entre outros?

*Ver o resumo do presidente do IGF 2014
**Principalmente a partir da recomendação de que seja criado um novo fórum de boas práticas sobre a proteção da privacidade na era digital que comece seu trabalho como parte da preparação para o FGI 2015, utilizando os FGI regionais e nacionais para garantir a inclusão dos participantes dos países em desenvolvimento.
***Um relatório especial desenvolvido pelo Global Information Society Watch para o FGI 2014 analisa a situação dos direitos humanos na internet na Turquia.
****O FGI 2015 congregou a mais de 2000 participantes presenciais. 150 foram da América Latina.