O (esquecido) domínio público

by Digital Rights LAC on dezembro 21, 2013

Dominiopublico

No dia 1º de janeiro, celebra-se o dia do domínio público. Porém, o que celebramos neste dia? Provavelmente celebramos o fato de não sabermos o que há no domínio público, ou, talvez, a próxima modificação aos direitos autorais, pela qual seguramente aumentaremos mais uma vez os prazos de proteção.

Por, David Ramírez Ordoñez*

– O domínio público: uma breve introdução

Depois de expirado o prazo de proteção dos direitos autorais de uma obra, esta passa ao domínio público. Quando a obra está em domínio público, pode-se usá-la, modificá-la ou distribuí-la sem necessidade de pedir permissão aos autores ou aos titulares dos direitos autorais, alimentando, assim, o acervo cultural de uma sociedade e facilitando seu desenvolvimento. O problema é que, desde as primeiras leis de direitos autorais até as atuais, o prazo para que uma obra passe ao domínio público aumentou dramaticamente. No início, a proteção não ultrapassava os 14 anos, até que surgiu o Estatuto da Rainha Ana, no século XVIII.

Em documentos recentes, vazados pelo Wikileaks, sobre a Parceria Transpacífica (TPP), fala-se em aumentar os prazos de proteção até 120 anos, em alguns casos. Por que este aumento desmesurado? Alguém está pensando nos prejuízos que esses aumentos geram para aqueles que utilizam conteúdos em domínio público?

– Calculando quando uma obra passa para o domínio público

Dependendo da jurisdição ou do tipo de obra (libro, filme, gravação sonora), os prazos de proteção variam. É por isso que se têm desenvolvido “Calculadoras de Domínio Público”, que são ferramentas para conhecer quando uma obra deixa de estar protegida. Podem-se consultar algumas Calculadoras de Domínio Público como a dos EUA (no DigitalSlider [2] o a PublicDomainSherpa) ou a da União Europeia. O problema que se objetiva solucionar com essas calculadoras é o de permitir que os interessados possam “calcular” quando uma obra entra em domínio público, eis que, como mostram suas complexas análises, isso pode ser um trabalho bastante difícil devido às múltiplas variáveis que devem ser consideradas. Precisamente, essa complexidade jurídica que existe hoje nos direitos autorais fez com que Maria Pallante, contador da EE.UU, dissesse: “se é necessário um exército de advogados para entender os preceitos básicos de uma lei, talvez seja o momento de se fazer uma nova lei”.

– Alguns problemas do domínio público

Uma das iniciativas mais importantes é a criação de compilações de obras no domínio público. Entre essas iniciativas, há uma que propõe a disponibilização, por meio da Internet, da base de dados do registro público (o registro que a autoridade produz em cada país sobre obras protegidas por direitos autorais). A complexidade dos direitos autorais faz com que especialistas como Severine Dusolier digam que, ainda que exista este tipo de coleções, isso não é garantia de que as obras possam ser utilizadas. O problema, afirma Dusolier, é que a proteção pode ter acabado no país de origem, mas ainda pode estar vigorando em outros países. Na América Latina, apenas o Brasil tem a base de dados de obras de domínio público.

Em 2011, estive trabalhando na Calculadora de Domínio Público da Colômbia, e esse processo evidenciou que acessar os dados do falecimento dos autores é uma das principais dificuldades. É possível que novas tendências, como a de publicar dados abertos, facilitem esse trabalho, mas naquele momento, era difícil ter acesso a determinadas informações.

Por outro lado, a falta de regulação sobre os usos permitidos de obras órfãs impossibilita a opção de utilizar conteúdos cujos autores sejam de difícil identificação. Como se fosse pouco, em certos casos, a lei (ao menos no caso colombiano) não é clara sobre quando passam a domínio público certos tipos de obras. Regulamos muito bem as formas de proteger os autores, mas não tivemos sucesso em proteger os leitores e as pessoas interessadas em utilizar obras em domínio público.

– Concluindo

Ao serem identificadas as obras que se encontram em domínio público, essas podem ser reutilizadas para que lhes sejam conferidos novos sentidos, dentro de contextos em que se procurem manter os conteúdos abertos para que outros deles também se beneficiem. Tal é o caso do Public Domain Remix, um evento em que obras, por estarem em domínio público, podem ser modificadas e distribuídas sem necessariamente serem processadas suas permissões. Essas ações poderiam ser consideradas como ações de “ressurreição” do domínio público.

No entanto, nossa sociedade entende o domínio público como algo descartável, indesejável e que, por isso, deveria ser evitado. Nós vemos o domínio público como algo valioso, como uma oportunidade para aprender e aproveitar o que já existe. Gerir melhor o domínio público nos permitiria poupar tempo e esforço na identificação dos autores ou dos titulares das obras, solicitações de permissão, geração e de reuso dos conteúdos.

Certa vez, li que a imprensa nos ensinou a ler e que a Internet nos está ensinando a escrever. Adiciono: escrevemos misturando coisas, tomando o que já existe e modificando-o, adaptando-o e mudando seu formato. Por isso, necessitamos de um domínio público robusto, que nos ofereça conteúdos para misturar e fortalecer a cultura digital, a qual se baseia em compartilhar. Como disse o libro Domínio Público Digital: devemos entender o domínio público como a regra geral e os conteúdos protegidos como a exceção.

A situação atual é que não nos são claros os conteúdos que estão em domínio público, e por isso, continuamos pensando em restrições que aumentem os anos de proteção. Nesse afã por controlar, estamos nos asfixiando e continuamos sem bases para poder construir novas coisas a partir do que já foi criado. Manter um domínio público débil é negar a possibilidade de sentarmos sobre os ombros de gigantes para que possamos olhar mais longe.

O dia 1º de janeiro é o dia do domínio público, uma data na qual devemos fazer balanços e pensarmos nas obras que, por vencimento de seus termos ao longo do ano anterior, passam ao domínio público. Por exemplo, se um autor colombiano morreu em julho de 1933, sua obra passará ao domínio público em 2013 (porque, na Colômbia, a proteção para pessoas físicas é de 80 anos).

Para celebrar o dia do domínio público, solicite à agência competente, a Direção Nacional de Direitos Autorais, a lista de obras cuja proteção expirou. Escrevo este texto um ano depois de fazer a solicitação sem receber resposta alguma e com a esperança de que a situação mude (antes tarde do que nunca) e que o Estado também veja como obrigação a proteção do domínio público tanto como o faz em relação aos direitos dos titulares das obras.

* Especialista em ciência da informação, professor e blogueiro.
contato: david@nomono.co