O Marco Civil da Internet em foco na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)

by Digital Rights LAC on dezembro 19, 2014

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O Marco Civil da Internet (lei 12.965 de 2014) foi sancionado pela presidenta Dilma Rousseff em abril de 2014 e trata de temas como princípios gerais, direitos fundamentais, responsabilidade dos intermediários e responsabilidades do Poder Público no que diz respeito ao uso e desenvolvimento da rede.

 

Por Marília Maciel*

A lei reforça a garantia de princípios e direitos humanos previstos na Constituição Federal, como a liberdade de expressão e a privacidade, esclarecendo sobre como deve se dar a aplicação desses direitos em um ambiente digital. O Marco Civil traz impactos positivos para a regulação da internet no Brasil, o que justificou a sua apresentação como um caso de sucesso perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, em audiência pública que se realizou em 28 de outubro de 2014.

A proposta de lei surgiu como uma resposta a uma iniciativa de criminalização exagerada de condutas online (PL 84/99), como, por exemplo, a pena de reclusão pelo desbloqueio de um aparelho celular. Esta tendência de criminalização é perceptível não só no Brasil, mas em toda a região da América Latina, e impacta negativamente os direitos humanos. O entendimento do Governo brasileiro e da sociedade civil foi de que antes de criminalizar condutas, é preciso desenvolver um entendimento geral sobre os direitos e esclarecer as obrigações.

Por ser uma lei geral e abrangente, o Marco Civil certamente será uma referência incontornável para a aprovação de legislações posteriores, que devem com ele estar em consonância. Isso quer dizer que várias das propostas que estão tramitando no Congresso brasileiro – muitas delas envolvendo a criminalização de condutas online – devem se harmonizar com os direitos e garantias previstos no Marco Civil.

A lei também mitiga o problema da existência de decisões judiciais conflitantes em casos semelhantes, aumentando a previsibilidade e a segurança jurídica. Essas decisões conflitantes se mostram prejudiciais não só para os indivíduos, como também criam um ambiente pouco propício à inovação pela iniciativa privada. Com o Marco Civil passa a haver regras claras, a exemplo da que determina os casos em que haverá a responsabilização de intermediários (plataformas e serviços online) por conteúdo postado por terceiros.

O Marco Civil orienta a interpretação e a aplicação de certos direitos no ambiente digital. Trata por exemplo, da importância da proteção dos meta-dados, que são dados de acesso à Internet ou a um serviço, para a garantia da privacidade. A lei reconhece essa importância e define que o acesso a esses dados depende de ordem judicial, um direcionamento claro não somente para o Poder Judiciário, mas também para os órgãos de investigação.

É fundamental destacar a importância da iniciativa do Poder Público para a discussão e aprovação de leis como o Marco Civil. O Ministério da Justiça brasileiro conduziu o processo de elaboração de anteprojeto, com o apoio do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV, e participou ativamente das negociações na fase do debate congressual. Foi por iniciativa do Poder Público que uma consulta pública foi organizada para que o Marco Civil fosse desenvolvido de forma participativa por meio de contribuições feitas por atores interessados por meio da própria Internet. Isso reforça e complementa a democracia tradicional, algo importante nas jovens democracias Latino-americanas. A mobilização da sociedade para que o Marco Civil pudesse finalmente ser aprovado no Congresso nacional mostra que mesmo que exista um discurso de desilusão política, a sociedade e os movimentos sociais estão interessados e envolvidos na discussão de leis que afetem os seus direitos e o uso que fazem da Internet.

Após a aprovação da lei, chegou o momento da regular alguns dispositivos que ficaram em aberto no Marco Civil. Também haverá provavelmente debates nos tribunais sobre a interpretação da lei. O Marco Civil ainda se encontra em construção e disputa, o que requer mobilização contínua para que os direitos nele previstos possam ser efetivados. Discutir o tema em foros internacionais é importante não somente para disseminar boas práticas, mas também é uma maneira de encontrar pontos em comum com o processo de regulação em outros países e potenciais alianças que possam auxiliar na construção de capacidades para o debate interno que se avizinha.

*Coordenadora do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV Direito Rio CTS/FGV.