Editar e esquecer: Reflexões sobre o direito ao esquecimento e memória na Internet

by Digital Rights LAC on junho 30, 2014

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Alexandre Pacheco da Silva*
Mônica Steffen Guise Rosina**

Digitar seu nome no buscador do Google pode nem sempre ser uma experiência agradável. Entre homônimos, fotos, perfis em redes sociais e notícias em meios de comunicação, é possível que você se depare com informações que lhe causam algum tipo de desconforto (e.g. aquelas fotos comprometedoras que você gostaria de esquecer).

Em 1998, o espanhol Mario Costeja González, em débito com a autoridade de seguridade social espanhola, teve sua casa leiloada para o pagamento da dívida. O leilão foi anunciado nas páginas do jornal da empresa Vanguardia Ediciones SL (“Vanguardia”) entre os meses de janeiro e março daquele ano. Doze anos mais tarde, pesquisando seu próprio nome no Google, Mario encontrou entre os primeiros resultados da pesquisa notícias que faziam referência à dívida e ao leilão. Com o auxílio da Agência Espanhola de Proteção de Dados, ele ingressou com medidas administrativas e judiciais contra a Vanguardia e contra o Google para que as informações sobre aquele momento difícil de sua vida fossem removidas dos resultados do buscador.

Em 13 de maio deste ano, o Tribunal de Justiça da União Europeia ordenou que o conteúdo fosse removido, marcando o Direito ao Esquecimento naquela jurisdição. A Corte considerou aplicável ao caso a Diretiva 95/46/EC de proteção de dados pessoais de usuários, argumentando que os operadores de plataformas de busca na internet – por serem os controladores do processamento (recuperação, arquivamento, organização e descarte) dos dados daqueles que fazem uso de seus serviços – devem ser responsáveis pela remoção de conteúdos que configurem violações à privacidade do indivíduo.

Em nossa visão, a decisão da Corte europeia é problemática por duas razões: (i) ela não discrimina o tipo de informação que poderá ser objeto de remoção, como a importante diferenciação entre informações verdadeiras (fatos) e, por exemplo, difamatórias; e (ii) ela não avalia as consequências da inserção de “controle editorial” ou “filtros” na lógica descentralizada de produção e disseminação de conteúdos na internet; ou seja, a Corte Europeia não reflete sobre o direito de edição da história, por meio das vidas pessoais dos usuários da internet.

Decisões de tribunais brasileiros, entretanto, têm se debruçado sobre estas provocações. No Recurso Especial n.º 1.335.153 –RJ, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) examinou o pedido de indenização dos irmãos de Aida Cury, vítima de violência sexual e homicídio em 1958, indignados com a exibição do programa policial Linha Direta, da Rede Globo de Televisão, que reconstruía o caso de Aida. Segundo os irmãos da vítima, a mera exibição ou veiculação da história fazia com que a família revivesse a dor da perda. O STJ não apenas negou o pleito dos irmãos, como reforçou a importância da preservação da memória na sociedade, destacando que não se pode apagar fatos, por mais horríveis e trágicos que possam ser. A lembrança de horrores do passado pode nos auxiliar em nosso amadurecimento como sociedade.

O mesmo Tribunal, no Recurso Especial n.º 1.334.097 – RJ, examinou o pleito de Jurandir Gomes de França, acusado e absolvido pelo que ficou conhecido como a “Chacina da Candelária”, sequência de homicídios ocorridos em 23 de julho de 1993. Ao longo dos anos, Jurandir foi apontado por diversos meios de comunicação como um dos “assassinos”, “executores”, “membro do grupo de extermínio”, dentre outras denominações. Neste caso, os ministros reconheceram o direito à indenização e ao esquecimento das informações que vinculavam Jurandir à autoria ou qualquer tipo de participação na chacina, uma vez que ele foi absolvido do no processo criminal.

Da mesma forma, decisão de 2014 do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF) sustenta que, quando falsa, a notícia deve ser removida dos meios de comunicação. No caso em questão, o autor da ação, Josmar Ferreira Veiga, acusado e posteriormente absolvido de sequestrar sua própria filha, busca indenização e o direito de remoção das notícias que fazem alusão ao suposto sequestro dos sítios eletrônicos de propriedade da Globo Comunicação e Participações S/A.

Estas são decisões relevantes na medida em que apontam para uma preocupação dos magistrados em diferenciar entre o que de fato ocorreu e, portanto, deve ter seus relatos mantidos como parte da história, e aquelas informações que, por serem inverdades, prejudicam o indivíduo em diversas dimensões de suas vidas. Não é o que se verifica no caso europeu: Mario González sentiu-se ferido pelo aparecimento, em uma ferramenta de busca, de notícias antigas que o vinculavam a débito pretérito. Não se trata de informação falsa, tampouco difamatória ou caluniosa, mas sim de um registro.

Deve ter Mario o direito de editar sua história? Para a Corte Europeia, sim. E ao privilegiar o direito individual à privacidade, a Corte deixa de responder à seguinte pergunta: “quais são as informações que, como sociedade, queremos preservar?”. Ou, meu desejo individual de ver determinada informação editada ou apagada deve se sobrepor ao direito de preservação de memória?

Não, este não é um debate simples. Argumentos contundentes demonstram a importância histórica do esquecimento¹ e não há como negar o risco que o crescente acúmulo de informações sobre nossas vidas – públicas e privadas – no ambiente virtual pode gerar. Mas transferir ao indivíduo o poder de edição sobre a história, dizendo o que fica e o que deve sair do registro de sua vida digital está longe de ser a solução ideal.

Uma coisa é certa: nada é simples nem pequeno nos debates que envolvem a regulação da internet. No primeiro dia de lançamento do serviço que permite a remoção de dados pessoais do buscador na Europa, o Google recebeu nada menos que 12.000 pedidos² . Pode ser que no futuro a história não nos diga se esta foi, de fato, a decisão acertada. Faltarão registros.

*Alexandre é Mestre em Direito e pesquisador sênior do Grupo de Ensino e Pesquisa em Inovação (GEPI) da DIREITO GV.
**Mônica é Doutora e Mestre em Direito. Professora e Coordenadora do GEPI – DIREITO GV.

¹Veja, por exemplo, as excelentes reflexões de Zeynep Tufekci em: https://medium.com/message/the-right-to-forget-a-genocide-4abce84af032
²http://techcrunch.com/2014/05/31/google-receives-12000-requests-to-be-forgotten-from-europeans-on-day-one/