Direito ao protesto e vigilância policial nas redes sociais

by Digital Rights LAC on junho 30, 2014

protesto

Hoje, ativistas e policiais da região se enfrentam em um novo campo de batalha: as redes sociais. Enquanto para alguns é a maneira mais eficaz de se organizar, para outros é um cenário fértil para a vigilância.

De Francisco Vera e Paz Peña, ONG Direitos Digitais.

No momento de escrever este artigo, em alguma cidade do Brasil, se joga uma das mais esperadas partidas da Copa do Mundo de 2014. Ao mesmo tempo, entre celebrações de fãs frenéticos, é quase certo que a polícia Brasileira está monitorando certos usuários das redes sociais desse país. A razão? “Prevenir” distúrbios durante o evento, possivelmente provocados pelos protestos anunciados.

Porque é que a polícia decide monitorar as redes sociais? Principalmente porque, quer gostemos ou não, não são só as plataformas mais populares da Internet, mas muitas vezes são o único meio que o público tem de se comunicar entre si. Assim, com o tempo, têm se transformado em plataformas usadas para exercer diversos direitos humanos, entre os quais se incluem o de petição, reunião, associação e liberdade de expressão.

Com os protestos populares estudantis de 2011 (que ainda ocorrem), o uso das redes sociais para a organização dos estudantes chilenos foi paradigmática para o exercício de direitos humanos na rede. Tanto é, que ninguém pode analisar estas mobilizações sem levar em conta estas plataformas e as consequências positivas e negativas que estas trouxeram para o movimento estudantil.

Era uma questão de tempo para que os mecanismos de vigilância policial chegassem ao uso de redes sociais em países como os nossos, com “democracias” onde muitos vícios pós-autoritários ainda existem. As práticas de vigilância que não se ajustam ao direito não deveriam ser permitidas por serem um ato arbitrário que busca castigar o exercício de direitos fundamentais e intimidar diferentes ativistas.

A vigilância das redes sociais tem várias modalidades. A primeira, e mais simples, consiste em identificar os organizadores de eventos ou grupos do Facebook, que, dada a natureza social da rede e as suas políticas que objetivam o uso de nomes verdadeiros pelos seus usuários, facilitam o trabalho policial e de inteligência, sem requerer nenhuma destreza especial.

Outra modalidade consiste em requerer, mediante ordens judiciais ou governamentais (sendo estas últimas duvidosamente legais) dirigidas a empresas como Facebook ou Twitter, que entreguem a informação privada dos seus usuários, o que permite que a polícia e serviços de inteligência identifiquem pessoas que exercem seu direito ao anonimato através de pseudônimos ou nomes falsos.

Mas também existe uma terceira e preocupante categoria, que consiste no uso de certas tecnologias que as mesmas redes sociais poderiam oferecer, para facilitar a identificação de suspeitos. Este é o caso, por exemplo, do uso de sistemas de conhecimento facial, embora até hoje não seja permitida a extensão do seu uso às agencias de aplicação da lei e de segurança. Um caso no Chile chama a atenção e ascendem as luzes de alerta sobre o potencial uso destas.

Durante um protesto, que ocorreu há algumas semanas atrás, um policial chileno foi espancado repetida e injustificadamente por um grupo de mascarados, fato que foi condenado unanimemente por todos os setores. Alguém filmou os atos e, com base nas imagens capturadas, a promotoria chilena alegou ter realizado um “reconhecimento facial que levaram a fotos de alguém semelhante”, e deteve um estudante presumidamente implicado nos eventos.

A frase anterior evoca o uso de redes sociais e tecnologias. Felizmente, por enquanto, o Facebook não permite a realização de buscas de rostos aleatórios com base em uma fotografia qualquer, salvo se a pessoa estiver na sua lista de amigos ou for amigos dos seus amigos, e está longe de ser um processo perfeito, de modo que o procedimento teve pouca tecnologia.

O que provavelmente aconteceu no caso descrito foi que este “reconhecimento facial” consistiu, na verdade, em comparar de forma “humana” as imagens capturadas em vídeo com perfis de Facebook. Mas quando só no Chile existem milhões de usuários desta rede social, por onde começou a busca da polícia? Outros antecedentes, pelo contrário, sugerem que o suspeito nem sequer teria participado no protesto, de forma a que agora todo o processo está sendo questionado.

Neste novo cenário de vigilância de redes sociais e persecução de protestos, há diversas formas de abordar o problema. É fácil tomar uma abordagem tecnologicamente determinista e pensar que a solução passa só por convencer e capacitar os participantes dos protestos com o uso de ferramentas seguras para as comunicações (TOR, e-mails criptografados, etc.). contudo, a adoção destas ferramentas, que ajudam muito os ativistas, não necessariamente resolve o problema fundamental.

O problema desta aproximação é que ignora o fato da segurança e a privacidade não se definirem pelo uso de uma ferramenta, mas por pautas culturais. Dizer que o “Facebook é o mal” a integrantes de movimentos sociais, que graças a esta plataforma têm sucedido em exercer muitos dos seus direitos, é, provavelmente, não compreender a complexidade do uso das tecnologias, e desconhecer o efeito de rede que uma plataforma com tantos usuários gera. As formas de aproximação dos nossos dados à segurança e à privacidade dependem de variáveis como idade, gênero, classe social, etc. Uma forma de trabalhar com os ativistas em risco devido à vigilância das redes sociais deve começar por compreender e assumir esta condição.

Contudo, não se pode esquecer uma perspectiva principal: a dimensão política. Os órgãos de persecução penal em países como o Chile e outros da região, não respeitam adequadamente nossos direitos fundamentais. Muitas vezes operam de maneira desorganizada, abusiva ou sem uma ordem judicial que autorize suas atuações. Este tipo de abuso, no ambiente digital, ameaçam milhões de pessoas que podem ser perseguidas por várias razões que pouco têm a ver com a persecução de um delito, mas mais com infringir, impedir ou limitar o exercício de vários fundamentais.

Neste cenário, é essencial contar com políticas públicas que limitem a coleção excessiva e desproporcional de dados pelas redes sociais e, ao mesmo tempo, impedir que as polícias e forças de segurança possam acessar estas informações de forma livre e indiscriminada. Só desta maneira vamos proteger efetivamente os direitos fundamentais dos usuários destes serviços, permitindo que exerçam seus direitos através das plataformas que considerem mais eficazes para atingir as mudanças sociais desejadas.

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Francisco Vera é advogado e Paz Peña é jornalista da ONG Direitos Digitais.
E-mail: francisco [at] derechosdigitales.org e paz [at] derechosdigitales.org