Qual é a relação entre acordos de livre comércio e a nossa habilidade de ouvir musica online? É muito maior que se esperaria…

by Digital Rights LAC on julho 30, 2014

tpp

De Tyler Snell*

Uma tendência perigosa crescente está afetando de forma significante a politica digital global, chama-se a esta “escondimento das reais intenções políticas” – o uso de acordos internacionais de comércio secretos para constranger países a adotarem leis restritivas ou excessivamente amplas, que não passariam o crivo normal de um processo democrático transparente.

 

Este procedimento questionável não só é realizado às portas fechadas, como muitos dos representantes que negociam tais acordos não são eleitos, mas sim indicados pelo comercio e lobistas de corporações multinacionais poderosas. Este escondimento das reais intenções políticas impede que cada jurisdição, e, sobretudo, seus cidadãos, tenham a chance de participar em um debate legislativo legitimo.

Os direitos autorais, que não são um problema comercial, têm sido um alvo específico destas negociações internacionais privadas de comércio. Nos EUA, por exemplo, a Lei dos Direitos Autorais do Milênio Digital (DMCA) tornou ilegal a prática de gravar um CD diretamente para um leitor MP3; este deve passar por um computador. Também proibiu o desbloqueio de um celular se este for comprado por uma operadora específica. Como é estas leis estranhas e restritivas foram aprovadas? Através do escondimento de reais intenções políticas.

O Secretário Adjunto de Comércio dos Estados Unidos, Bruce Lehman, não conseguiu angariar o apoio doméstico que precisava para passar leis que tornariam a inobservância da gestão de direitos digitais (GDD) ilegal, então foi para a OMPI (Organização Mundial da Propriedade Intelectual) das Nações Unidas para tentar incluir as leis em um tratado internacional de direitos autorais. Ele adotou a mesma política que não foi aprovada por um congresso norte-americano eleito democraticamente, e os informou que agora era obrigatório transformar a DMCA em lei federal, aplicável domesticamente e a cidadãos americanos e companhias americanas operando no estrangeiro.

A América Latina enfrenta uma real ameaça desta prática perigosa da Parceria Transpacífica (TPP), um acordo multinacional de comércio que se tornou uma referência de escondimento de reais intenções políticas por causa do processo de negociação opaco e não democrático que ainda utiliza. Esboçado em 2005 por Brunei, Chile, Nova Zelândia e Singapura, a lista de membros aumentou e passou a incluir os EUA, Austrália, Vietnã e Peru em 2008. A Malásia começou a participar das negociações em 2010, o Japão em 2011 e o Canadá e o México se tornaram os últimos membros oficiais a entrar, em 2012. A Colômbia, que mantém acordos de livre comércio com cinco dos doze países do TPP, também tem tentado acessar as negociações, mas ainda parece um candidato improvável até o fim desta rodada de negociações.

A atual rodada de negociações TPP no Canadá tem tomado um rumo para o pior já que, por não terem sido divulgados horários e locais das sessões, que mudaram de Ottawa para Vancouver na última hora, negociadores importantes foram deixados fora do laço. Esta preocupação com o sigilo é alarmante e restringe a habilidade do público de se integrar no processo. No entanto, dado que nos últimos cinco anos de negociações nenhuma declaração ou posicionamento foi emitido por qualquer país, este secretismo continuado não é surpreendente. Tudo que sabemos sobre a agenda das negociações TPP vem da WikiLeaks quando esta, em 2011, vazou o capítulo de propriedade intelectual da TPP e, posteriormente, documentos das negociações realizadas em Salt Lake City de novembro de 2013. Uma tendência preocupante nas negociações TPP é que as organizações da sociedade civil não têm sido convidadas a participar, enquanto grandes empresas multinacionais têm tido influência extraordinária sobre as posições de negociação. A MPAA (Motion Picture Association of America) teve acesso ao texto do acordo completo, enquanto membros do Congresso dos EUA foram mantidos no escuro.

O que estas publicações da WikiLeaks mostraram é preocupante sobretudo para diversas empresas e indivíduos que são afetados pela lei de direitos autorais. Ao contrário da maior a das indústrias, que consideram a regulação excessiva uma barreira para o comércio, a MPAA, a RIAA (Recording Industry Association of America) e outras empresas multinacionais consideram a inobservância dos direitos autorais uma barreira comercial significante. Como tal, estas indústrias poderosas buscam leis de propriedade intelectual severas e restritivas que firam a liberdade de expressão e inovação.

Entre as diversas provisões controversas que uniram uma coalizão de ativistas ambientais, profissionais de saúde e defensores de direitos digitais para se oporem à TPP estão as leis devastadoras e abrangentes que o capítulo de propriedade intelectual vazado mostrou. Entre as estipulações mais perigosas que afetam direitos digitais estão:

• A proibição do “desbloqueio” ou da “quebra” de proteções de gestão de direitos digitais (GDD) até por usos não-infringentes (semelhante às provisões que proíbem o desbloqueio de celulares)

• A exigência de licenças de uso para cópias de buffer temporárias, as pequenas cópias que os computadores precisam fazer durante o processo de mover dados. Isto requereria maiores permissões e licenças para consumidores para dados que já possuem. Dado que todos os computadores usam tais cópias buffer para transferir dados regularmente, como por exemplo, quando estiverem transmitindo músicas legalmente, isto pode ter consequências de longo-alcance para a Internet aberta.

• O incentivo por parte dos fornecedores de acesso à Internet à adoção de leis de três etapas, através das quais eles, ao invés de uma corte, se tornam os árbitros da responsabilização dos usuários com o poder para expulsar alguém da Internet após ter sido acusado de três violações de direitos autorais. Esta estipulação, parecida com a Lei de Combate à Pirataria Online (SOPA), pode abrir portas para a censura e, a propósito, foi denunciada pela ONU. O Chile seria obrigado a anular a sua lei de 2010 que melhor protege usuários com a implementação de um sistema de notificação e retirada, que dá aos usuários a habilidade de remover conteúdo infringente antes de qualquer sanção.

• As sanções severas por violações de direitos autorais de pequena escala que vão além do direito norte-americano e mandam infringentes de pequena escala para a cadeia.

• A falta de limitações e exceções aos direitos autorais tais como uso justo, preservação de bibliotecas e a adaptação de trabalhos criativos para os inválidos. Há espaço no texto para a inclusão de exceções, mas, como está atualmente, não há nenhuma.

• A vasta extensão de proteções de direitos autorais. Atualmente, obras protegidas por direitos autorais passam a ser de domínio público no mínimo 50 anos após a morte do criador. A TPP estenderia este prazo à vida do criador e mais 70 ou 120 anos para obras de propriedade corporativa.

(Conteúdo graças à Public Knowledge e a Electronic Frontier Foundation)

Talvez a proposta mais perturbadora seja a criação de um modelo de arbitragem ‘investidor-Estado’ que daria a companhias multinacionais o poder de processar governos nacionais soberanos diretamente em um tribunal internacional, buscando restituição por expropriação injusta e por “supostas diminuições dos seus potenciais lucros por causa de regulação.” Este tipo de sistema de arbitragem perigoso que permitiu que a fabricante de cigarros americana Philip Morris processasse o governo do Uruguai por $2 bilhões de dólares, por promulgar leis que limitam a venda e o marketing de cigarros porque violavam um acordo de livre comércio que teria assinado. Estes sistemas judiciais ferem, especialmente, países em desenvolvimento que não têm os recursos financeiros para a arbitragem internacional que gigantes multinacionais como a Philip Morris têm.

O Presidente Obama afirma que um acordo TPP bem sucedido continua sendo uma prioridade máxima para a sua administração, e promete revelar o texto do acordo para o Congresso e para o público em novembro. O Ministro do Comércio australiano Andrew Robb não é tão otimista sobre o cronograma, afirmando que espera que o acordo seja concluído na primeira metade de 2015. Embora possa se esperar que o acordo final melhore as disposições problemáticas que existem atualmente, a falta de transparência nas negociações que só tem piorado com a atual rodada de conversas juntamente com a incapacidade de incluir representantes da sociedade civil não é bom sinal para os consumidores globais, sobretudo em um mundo em desenvolvimento.

A TPP se tornou o campo de batalha atual no qual nações estão negociando acordos de livre comércio, visando reduzir barreiras para o comércio entre nações, resultando na criação de leis sociais de longo alcanço que ameaçam a liberdade de expressão e de inovação online.

Para saber mais sobre a TPP e manifestar as suas opiniões para os seus legisladores visite: http://ourfairdeal.org/

* Pesquisador do Google na Fundação Karisma durante o verão de 2014.