Colômbia paga dívida aos cegos

by Digital Rights LAC on fevereiro 26, 2015

ciegos

Depois de lutar na Corte Constitucional colombiana, a lei que garante o acesso autônomo e independente para pessoas cegas e com baixa visão à informação, à comunicação, ao conhecimento e às TIC foi declarada constitucional. A leitura é constitucional!

De: Luisa Fernanda Guzmán M (@lfdagm).

Desde sua promulgação, a Lei 1.680 de 2013 foi fundamental para o reconhecimento, respeito e garantia dos direitos das pessoas cegas e com baixa visão. Graças a esta lei, agora temos ferramentas de leitura gratuitas (como o software de leitura de tela Jaws e o software ampliador Magia), que permitem o exercício autônomo e independente dos seus direitos; além disso, esta lei possibilitou uma redução substancial das barreiras jurídicas, responsáveis pelo fornecimento insuficiente de obras em formatos acessíveis e trabalhos publicados, porque estabelece uma exceção e limitação aos direitos autorais (Art. 12).
Apesar da importância da Lei para a inclusão efetiva e plena participação de pessoas cegas e com baixa visão em todos os aspectos da vida, estaoriginou três ações,solicitando ao Tribunal Constitucional que ela seja declaradainconstitucional. Isto suscitou reações diversas dos cidadãos, que resultaram em intervenções cidadãs perante o Tribunal Constitucional. Uma das mais interessantes foi a proposta feita pela ativista Maríadel Pilar Sáenz no artigo “Desafio à brigada digital”, publicado em 12 de dezembro de 2014 no site Os Dois Lados, que levou ao movimento #DefiendoLey1680,liderado pela Brigada Coletiva Digital, através do qual mais de 40 intervenções cidadãsforam feitas, em resposta à última das três ações.
A Fundação Karisma tem apresentado intervenções cidadãsao Tribunal Constitucional, em conjunto com o Programa de Ação pela a Igualdade e Inclusão Social (PAIIS), da Universidade deLos Andese os fundadores do movimentoBrigada Digital, solicitando que o Tribunal rejeite todas as acusações e declare a constitucionalidade da Lei inteira.
No dia 28 de janeiro, o Tribunal emitiu um comunicado de imprensa que anunciava a sua decisão sobre o primeiro processo, movido pelos cidadãos Luis Fernando Alvarez e Juan David JaramilloMarín López. Embora ainda não seja possível acessar o texto integral do acórdão (processo C-035/15), o Tribunal decidiu que a Lei 1.680 em sua totalidade, inclusive o seu artigo 12º, estão em conformidade com a Constituição e, portanto, declaroua norma constitucional.
As considerações da Corte
O Tribunal Constitucional, após descartar duas das demandas propostas pelos autores, por não terem sido cumpridos os requisitos mínimos para que pudesse ser feito um pronunciamento sobre o mérito de ambos os pontos, começou a resolver dois problemas jurídicos. O Tribunal examinou (i) se a Lei 1.680, em sua totalidade, deveria ter sido tratada como um estatuto para o desenvolvimentodo princípio da igualdade substantiva para pessoas cegas, e (ii) se a isenção tributáriaprevista Artigo 12 da Lei para a reprodução, distribuição, comunicação, tradução, adaptação, arranjo ou a transformação em Braille ou outros formatos acessíveis para pessoas que são cegas ou têm baixa visão de obras literárias, científicas, artísticas ou audiovisuais, era razoável e proporcional, e, portanto, válidado ponto de vista constitucional.
Quanto ao primeiro pontosob análise, o Tribunal considerou que a lei não deve ser tratada como estatuto porque não constituía um desenvolvimento do direito à igualdade material, nem foi uma norma destinada a definir os aspectos estruturais dos direitos das pessoas com deficiência. Para resolver o segundo ponto, o Tribunal fez uma ponderaçãodos direitos dos cegos ou deficientes visuais a ter acesso às obras literárias, científicas ou artísticas que estejam em formatos acessíveis, e os direitos de autor (inclusive o direito de receber uma soma de dinheiro). Após essa deliberação, concluiu que a dificuldade enfrentada pelas pessoas cegas e com baixa visão ao tentar acessar obras “constitui uma afetação particularmente intensa e empiricamente comprovada ao seu direito fundamental à existência de um ambiente inclusivo para o acesso à informação e ao conhecimento”, em conjunto outros direitos, como educação e cultura; enquanto que o efeito sobre os direitos econômicos do autor que a nova lei criaseria apenas ligeiro, porque as garantias que o mesmo artigo cria em seu favor (a restrição só se aplica a utilizações de obras sem fins lucrativos, e desde que estas não fossem obras previamente divulgadas em formatos acessíveis para fins comerciais).
O Tribunal considerou que a desproporção entre o acervo de livros publicados em formato impresso tradicional edaqueles adaptados ou traduzidos para formatos acessíveis tem sido amplamente documentada por organizações internacionais especializadas, como a União Mundial de Cegos e da Organização Mundial de Propriedade Intelectual, e por intervenções recebidas pelos cidadãos.
Quais é o panorama após esta sentença?
Após esta vitória legal importante para pessoas cegas e com baixa visão, o Tribunal Constitucional ainda tem de decidir sobre duas ações impetradas contra a Lei 1.680. Devido à similaridade das reivindicações das ações pendentes com a anterior, já examinada pela o Tribunal, é possível que incida a “coisa julgada constitucional” e que, portanto, o Tribunal não possaconhecer, analisar e decidir sobre algo que já foi resolvido em processo anterior. Esta figura jurídicaimpede portanto o julgamento da constitucionalidade de uma demanda já analisada pelo Tribunal e visa a segurança jurídica.
Aqueles que participam das intervenções cidadãs esperam que após a decisão o Tribunal Constitucional, qualquer que seja o cenário (quer seja reconhecida ou não coisa julgada), mantenha a linha traçada pelo Acórdão C-035/15 e que o Congresso ratifique imediatamente o “Tratado de Marrakech para facilitar o acesso às obras publicadas para as pessoas cegas, deficientes visuais ou outros que tenham dificuldades em acessar texto impresso”, para garantir de forma mais ampla e eficaz os direitos das pessoas com deficiência na Colômbia.