Uma avaliação sobre as plataformas digitais de transparência pública no Brasil
by Digital Rights LAC on julho 30, 2014
De, Marina Barros e Rafael Velasco
Em maio deste ano a Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527 de 2011) completou dois anos de vigência. Pesquisa conduzida entre abril e junho pelo Núcleo de Transparência da FGV – iniciativa coordenado pelas Escolas de Administração (EBAPE) e Direito (FGV Direito Rio) da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro e com apoio da Open Society Foundation (OSF) – buscou avaliar o cumprimento da lei por diversos órgãos públicos brasileiros. Para tanto, foram enviados cerca de 500 pedidos de acesso à informação para órgãos federais, estaduais e municipais dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. O objetivo da pesquisa foi medir a capacidade dos órgãos públicos de responderem apropriadamente aos pedidos de acesso à informação bem como analisar a existência e a qualidade das plataformas online pelas quais as solicitações de informações podem ser enviadas.
Os resultados preliminares evidenciam que ainda existe grande resistência por parte de alguns órgãos estatais em fornecer informações aos cidadãos. A pesquisa identificou dois principais obstáculos à obtenção de informações públicas pelo cidadão através da Lei 12.527: um jurídico e outro tecnológico.
O primeiro deles consiste na utilização pelos órgãos públicos de argumentos que não encontram respaldo na Lei 12.527, de modo a recusar o acesso às informações solicitadas. Exemplos relevantes desta situação aconteceram com pedidos de acesso à informação que foram negados a partir do não reconhecimento da internet como um meio legítimo para que o cidadão envie a solicitação de informação. Especificamente, o Estado do Rio de Janeiro, baseado no Decreto Estadual 43.597 de 2012, exige que os pedidos sejam protocolados presencialmente. Tal exigência viola frontalmente a Lei 12.527, pois esta determina que os pedidos podem ser efetuados por qualquer meio legítimo e estabelece como diretriz a “utilização de meios de comunicação viabilizados pela tecnologia da informação”.
Por sua vez, mesmo em relação aos órgãos que aceitam o envio do pedido de acesso à informação por meio eletrônico, a pesquisa identificou um segundo obstáculo enfrentado pelo cidadão: a inadequação de algumas plataformas digitais destinadas ao recebimento de pedidos de acesso à informação ou mesmo a inexistência das mesmas. Após a avaliação de todos os canais utilizados pelos órgãos auditados, foram identificadas nítidas discrepâncias no que diz respeito à qualidade e à facilidade do acesso.
A plataforma adotada pelo Governo Federal – Sistema de Acesso à Informação Online ou e-Sic – representa o principal caso de sucesso encontrado nos órgãos públicos do país. Nele, a partir de um cadastro¹ relativamente simples, o cidadão pode não apenas protocolar pedidos de acesso à informação como também encontrar de forma consolidada todos os pedidos por ele anteriormente enviados. Adicionalmente, o e-Sic envia notificações automáticas de recebimento de pedidos, alerta sobre prazos e, possibilita, a partir de apenas um clique, a interposição de recurso caso o cidadão não considerar satisfatória a resposta ao seu pedido. Todavia, outros órgãos não incorporaram tais funcionalidades do e-Sic, dificultando o acesso do cidadão, tal como acontece com a plataforma do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais que não possui uma ferramenta que permita a interposição de recurso após o recebimento da resposta.
A pesquisa registrou que apenas 62% dos cerca de 500 pedidos realizados foram enviados por meio das plataformas específicas para acesso à informação. Contatou-se também que diversos órgãos ainda não possuem tal plataforma obrigando o envio do pedido de informação por meio da Ouvidoria ou do Fale Conosco do respectivo órgão ou até mesmo por meio de um endereço de email disponível no site. Exemplificativamente, é importante ressaltar que órgãos de grande relevância no cenário nacional não adotaram plataformas de transparência, tais como o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, o Ministério Público de São Paulo, o Ministério Público Federal e o Tribunal de Contas da União. Vale ressaltar que a pesquisa constatou que a proporção de pedidos respondidos em relação ao total de pedidos enviados varia sensivelmente de acordo com o tipo de canal utilizado: as plataformas criadas especificamente para atender às demandas baseadas na Lei de Acesso à Informação enviaram respostas para 69% dos pedidos enquanto apenas 44% dos pedidos enviados pela Ouvidoria e 37% em relação ao “Fale Conosco” foram respondidos. Outro ponto analisado pela pesquisa diz respeito à relevância² das respostas recebidas. Pedidos enviados pelas plataformas próprias da LAI obtiveram 86% de respostas relevantes enquanto 76% das respostas protocoladas por meio dos canais da Ouvidoria e do Fale Conosco foram relevantes.
Estes resultados sinalizam que os órgãos que implementaram o sistema de atendimento específico para a LAI estão mais aptos a responder adequadamente aos cidadãos.
Conclusão
Apesar de estar em vigor há apenas dois anos a Lei de Acesso à Informação brasileira precisa ser aprimorada visando garantir sua plena efetividade nos diferentes órgãos públicos brasileiros. Este aprimoramento envolve, necessariamente, a criação de plataformas adequadas para recebimento dos pedidos pelos órgãos que ainda não o fizeram bem como o aperfeiçoamento das plataformas já existentes.
Pode-se concluir, de forma preliminar, que nestes dois anos de vigência da Lei a administração pública caminha de forma bastante desigual na adaptação e adequação das suas estruturas para o efetivo cumprimento dos preceitos do acesso à informação pública. Enquanto alguns órgãos avançam nos mecanismos de transparência utilizando as tecnologias disponíveis e adaptando seus sistemas para o processamento de informações relevantes aos cidadãos, outros caminham a passos muito lentos. O aprimoramento da cultura de transparência no Brasil envolve, necessariamente, a criação de plataformas adequadas para recebimento dos pedidos de acesso à informação pelos órgãos que ainda não o fizeram e o aperfeiçoamento das plataformas já existentes.
O aniversário de dois anos de vigência da lei é momento oportuno para identificar os problemas e apontar novos caminhos para a efetiva transparência governamental.
Marina Barros e Rafael Velasco são pesquisadores do Núcleo de Transparência da FGV do Rio de Janeiro.
¹Em artigo na edição 10 de abril de 2014 desta newsletter, Gregory Michener defende que a auto identificação obrigatória viola a liberdade de informação e que reformas na Lei 12.527 ainda se fazem necessárias para garantia plenamente o direito de acesso à informação.
²As respostas foram avaliadas pelo seu nível de relevância em “relevante” – responde às perguntas com informação pertinente – “medianamente relevante” – responde a nem todas as perguntas com informação pertinente ou menos grau de pertinência – e “não relevante” – as respostas não respondem ao pedido, não foram pertinentes.