Tudo que você deve saber sobre a nova versão das licenças Creative Commons

by Digital Rights LAC on abril 2, 2014

4.0_ok

Em novembro de 2013 foi lançada a versão 4.0 das licenças Creative Commons. Mas ainda temos muitas perguntas sobre o que significa à nova versão. Luisa Guzman, do equipe Creative Commons Colômbia, aponta neste artigo algumas das melhorias e benefícios para a comunidade CC.

De Luisa Guzmán*

As 4.0 já chegaram.

As licenças Creative Commons (CC) 4.0 são licenças internacionais que, em relação às versões anteriores, são um kit de ferramentas jurídicas mais globais porque estão prontas para ser usadas por qualquer jurisdição do mundo, sem necessidade de adaptá-las à legislação de um país específico.

A versão 3.0 das licenças CC e suas antecessoras foram adaptadas e traduzidas para as leis locais, em um processo conhecido como “portar”, com a colaboração de voluntários e experts em direitos autorais e em licenciamento aberto, conseguindo que as licenças se adequassem às particularidades das leis locais em mais de 60 jurisdições. As novas licenças 4.0 não se portam mas têm traduções oficiais para que os usuários das obras licenciadas com CC em todo o mundo possam ler e entender os termos destas em seus idiomas locais. Vale ressaltar que as novas licenças empregam uma tecnologia melhorada com o fim de facilitar a sua compreensão a nível mundial.

Uma das metas da CC com esta nova aproximação é que estas ferramentas possibilitem que qualquer pessoa possa compartilhar as suas obras em qualquer lugar, em condições padronizadas a nível mundial, e que por sua vez, possa torná-las praticáveis. Creative Commons considerará pedidos para portar as licenças 4.0, mas somente onde se demonstre que isto é absolutamente necessário para o funcionamento das licenças.

Creative Commons recomenda sempre usar as novas versões das licenças porque estas incorporam mudanças discutidas amplamente com a comunidade CC em todo o mundo e com experts que fazem com que as licenças sejam melhores ferramentas. No entanto, as versões anteriores que já tenham sido portadas, como a 2.5 na Colômbia, estão vigentes e podem ser usadas se necessário.

Qual é a sua vigência e como convivem com as versões anteriores das licenças?

Em primeiro lugar é importante levar em conta que as novas licenças 4.0 não se aplicam automaticamente às obras que já tenham sido licenciadas com uma versão anterior de CC, portanto, para que se apliquem as versões melhores, os titulares podem fazer uma atualização voltando a licenciar as obras com CC 4.0. Se isto não acontece, as licenças anteriores continuam vigentes nos mesmos termos. Isto significa que a versão de uma licença CC está vigente enquanto as pessoas a usam porque com ela suas características se aplicam aos conteúdos que foram licenciados com ela. O que acontece é que, ao sair de uma nova versão, se aconselha se use no futuro (quando se for licenciar um novo conteúdo) a nova versão uma vez que esta está “melhorada”. Nesse sentido, as diferentes versões convivem umas com as outras.

A decisão não responde a um processo exato, de fato é parecido com o que ocorre com o software, vai se “concertando” ou “melhorando” uma versão quando se considera que isso é necessário. O uso de determinada versão das licenças vai revelando fraquezas ou necessidades e a discussão da comunidade vai diferenciando os temas que são superficiais dos que são mais substanciais. As discussões duram anos e permitem apurar e avaliar a necessidade até o ponto em que definem as mudanças e a linguagem. Creative Commons lidera o processo mas a discussão é aberta através de listas de discussão (especialmente http://lists.ibiblio.org/mailman/listinfo/cc-licenses).

6 características que fazem da versão 4.0 uma versão melhorada das licenças Creative Commons.

Além do enfoque internacional das licenças CC 4.0 e da melhora na sua terminologia, as novas licenças se diferenciam da versão 3.0 – e em geral das anteriores -, principalmente porque:

❖  As licenças CC 4.0 fazem com que seja mais fácil dar os créditos pela autoria de uma obra (atribuição)

Agora é possível cumprir o requisito de reconhecer a autoria de uma obra, fornecendo o link de uma página web separada aonde se encontre a informação sobre o autor e sobre a obra.

Este é o caso, por exemplo, de uma fotografia com licença CC tirada do Flickr e postada em um blog com o respectivo link para o Flickr. Ainda que no blog não esteja indicado diretamente quem é o autor e qual é o título da obra, está sendo indicado o site onde pode ser encontrada toda essa informação. Se trata simplesmente do uso do bom senso e de uma prática habitual na Internet, só que a licença elimina qualquer dúvida.

Vale a pena assinalar que agora tampouco é obrigatório mencionar o título da obra para se realizar corretamente a atribuição, as licenças CC 4.0 reconhecem que muitas obras não têm títulos. No entanto, se recomenda mencioná-lo quando este for conhecido.

Esta regra é especialmente valiosa para obras colaborativas, coletivas e dinâmicas próprias da Internet, como por exemplo a Wikipédia.

❖  As licenças CC 4.0 permitem corrigir as violações da licença

Todas as versões das licenças CC anteriores à 4.0 estabeleciam que a autorização para usar uma obra licenciada com CC terminava se o usuário ou a usuária de uma obra (“licenciada”) descumpria seus termos. A versão 4.0 permite recuperar o direito a usar uma obra se o descumprimento da licença se corrigir em um prazo de trinta dias.

❖  As licenças CC 4.0 têm novos mecanismos de compatibilidade

Anteriormente, as licenças CC BY-SA (atribuição-compartilhamento igual) permitiam que as contribuições e adaptações das obras se licenciassem com a mesma licença ou com uma licença CC compatível. As novas licenças CC 4.0 ampliaram esta possibilidade às licenças CC BY-NC-SA (atribuição-não comercial-compartilhamento igual), embora até o momento Creative Commons não tenha estabelecido quais são as licenças consideradas compatíveis.

❖  As licenças CC 4.0 permitem modificações no âmbito privado a obras que não admitem derivações

Os licenciatários e lecenciatárias, dentro do seu âmbito privado, têm direito a criar adaptações de obras sob uma licença que não admite derivações (tal como a CC BY-ND ou a CC BY-NC-NC) mas não têm autorização para compartilhar estas adaptações de forma pública. Esta mudança reconhece o uso privado das obras e favorece usos como a mineração de dados ou de texto (e outros que não necessariamente estão permitidos pelas exceções e limitações aos direitos autorais), que em certos casos requerem a modificação das obras. Desta forma, a proibição de utilizar obras dericadas está limitada parcialmente (se permite no âmbito privado), não é uma limitação absoluta dos direitos concedidos.

❖  As licenças CC 4.0 possibilitam o exercício dos direitos licenciados sem deixar de reconhecer os direitos morais

Os direitos morais são referentes à relação do autor com a sua obra, protegem sua reputação e o valor que a obra representa para o seu criador, nas legislações que existem estes são perpétuos e irrenunciáveis. Enquanto estes direitos não exitem em todas as legislações, as licenças CC 4.0 estabelecem que estes direitos devem ser respeitados nas legislações que os reconhecem e em todo caso estabelecem que o autor se compromete a não-exercê-los na medida necessária para permitir o exercício dos direitos que confere uma licença CC, sem que isto implique sua renúncia, e sempre quando seja compatível com a legislação. É importante lembrar que a atribuição é um direito moral e é um elemento obrigatório em todas as licenças CC.

Por outro lado, como exercício do direito moral à paternidade, quem usa uma licença CC 4.0 deverá tirar o nome e os dados do criador ou criadora (na medida do possível) sempre que este(a) o peça. Esta disposição parece estranha se se pensar que o direito moral é irrenunciável, mas o objetivo é precisamente o exercício do direito pelo autor uma vez que este perde o controle sobre a sua obra (por decisão própria) e não quer mais estar vinculado a ela. Na legislação colombiana já existe uma disposição semelhante: o autor de um projeto arquitetônico não pode impedir que o proprietário o modifique, mas tem a faculdade de proibir que seu nome seja associado à obra alterada (Artigo 43 da Lei 23/1982).

❖  As licenças CC 4.0 aplicam direitos sui generis a bases de dados (fora do âmbito do direito autoral)

Em alguns países (europeus especialmente) existe um direito sui generis sobre as bases de dados que não existe na Colômbia mas que pode ser aplicado a conteúdos que acessamos pela Internet (os sets de dados que foram fonte de uma investigação na Espanha é um bom exemplo). Na medida em que estamos frente a licenças com âmbito mundial, as licenças 4.0 aplicam também estes direitos que vão além dos direitos autorais, de forma a garantir que, no que toca a tais conteúdos, as pessoas tenham a permissão que a licença lhes oferece, podendo por exemplo ser reutilizados. Isto a não ser que o licenciante o exclua expressamente.

* Luisa Fernanda Guzmán Mejía (@lfdagm). Advogada e Investigadora no grupo de Direito, Internet e Sociedade da Fundação Karisma.