A SECRET agita a sociedade guatemalteca
by Digital Rights LAC on outubro 29, 2014
As autoridades da Guatemala buscam uma ideia para regular as redes sociais e aplicativos, devido a muitos deles serem potenciais promotores de abusos. O país precisa deste tipo de medidas?
Por Renata Ávila, World Wide Web Foundation.
A Guatemala gozou por um longo período de uma relativa calma quanto à censura e controle das atividades usando a Internet, apesar de ter outros problemas regulatórios relacionados com a distribuição do espectro radioelétrico e a diversidade mediática. Sem contar o incidente no qual um usuário do Twitter foi arrestado por “incitação de pânico financeiro” e foi parar na cadeia em pleno escândalo político. Sua sentença seria anulada posteriormente.
Ainda que a conectividade não seja alta e o acesso à banda larga é um dos piores no continente, com menos de 4 %, a Guatemala goza de alta conectividade móvel. Não existem mais do que um projeto de lei de Proteção de Dados Pessoais, abandonado desde 2009 e disposições legais dispersas quanto às redes sociais, até o dia de hoje.
Contudo, existem duas leis que, de alguma forma e ainda que passem despercebidas pelas autoridades, regulam as atividades online. A Lei de Proteção da Criança e do Adolescente, conhecida como Lei P.I.N.A., que tem caráter de lei de ordem pública e que indica que os meninos e meninas têm direito à proteção de toda informação nociva; e a Lei de Equipamentos Terminais Móveis, que impõe a obrigação de um registro de usuários de telefonia celular, criando bancos de dados de telefones associados com o Documento Único de Identidade, e que também permite sem nenhuma intermediação de autorização judicial, que as autoridades solicitem informação acerca de localização e identidade de usuários e chamadas. Esta lei também estabelece o crime de conspiração usando meios eletrônicos, mesmo se o crime não for perpetrado, dando a possibilidade de vigilância eletrônica de todo tipo.
No início de setembro, e após um aumento da atividade em torno do aplicativo SECRET na Guatemala, a Vice-Presidente da Guatemala, Roxana Baldetti, anunciava a urgência de tomar a frente no assunto para “proteger” menores dos perigos deste aplicativo, pois o qualificou como uma ferramenta promotora “da violência sexual, pornografia infantil e bullying”.
A vice-presidente delegou então no titular da Superintendência de Telecomunicações, o ente regulador das companhias de prestação de serviço de telefonia móvel e Internet, a obrigação de fazer algo a esse respeito e pediu que fosse adquirido equipamento para poder realizar um exaustivo programa para identificar os usuários do aplicativo SECRET, incluindo sua localização geográfica e sua identidade. Mais de um mês depois das referidas afirmações, ainda não consta no portal de transparência da SIT, a aquisição do referido equipamento.
Também, formou-se uma aliança de governo para solicitar, que por meio de uma ordem judicial, fosse suspensa a distribuição do aplicativo na Guatemala, formada pelo Ministério Público, a Procuradoria Geral da Nação, a Comissão Presidencial pela Transparência e o Governo Eletrônico e o Superintendente de Telecomunicações.
A esta ação conjunta, seguiu-se um anúncio desafortunado por parte do Executivo, sobre a regulamentação das redes sociais na Guatemala, por meio da inclusão de alterações no Projeto de Lei dos Crimes de Informática, pendente de discussão e aprovação, acrescentando à mesma, a Iniciativa da Lei de Proteção da Moral e Integridade da Pessoa por Meio de Comunicações Informatizadas. O texto ainda não foi publicado pelo Congresso da Guatemala e em um país no qual o uso de redes sociais aumenta dia-a-dia, é um risco de censura e controle, principalmente para o ano de 2015, quando o país celebrará suas eleições gerais.
Por certo, ainda não existe ordem judicial que proíba a SECRET. A ameaça de regulamentação de aplicativos pode então vir à petição do Órgão Executivo, por ordem judicial ou bem via uma nova lei.
Os partidários da medida, como o Periódico Nómada, consideram que a proibição do aplicativo é uma medida correta, pelo uso do aplicativo na Guatemala para denegrir e destruir a reputação das mulheres, em um país onde os índices de violência e assassinatos de mulheres se localizam entre os mais altos do mundo.
Contudo, a opinião geral entre jornalistas e advogados é que a regulamentação das redes sociais acabaria com a privacidade dos cidadãos em momentos críticos, tanto políticos, como sociais. O marco legal com o qual a Guatemala conta, regulando de maneira geral a injúria e difamação, os abusos contra menores e a violência verbal contra a mulher, tornam desnecessário regular especificamente os referidos temas, já que os comportamentos ilícitos já estão tipificados sem importar o meio utilizado para perpetrá-los.
Além disso, dá a oportunidade para que aqueles no poder persigam e monitorem opositores e as vozes mais críticas. Por outro lado, cabe se perguntar se este tipo de regulamentações sobre redes sociais alterará de forma substancial os comportamentos sociais violentos e degradantes, que se refletem não somente no uso de um aplicativo, mas também nos comportamentos sociais gerais, a cada dia.
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Renata é a Global Campaigns Manager da iniciativa Web We Want, da World Wide Web Foundation.