Responsabilidade de intermediários na Argentina: falta de legislação especifica e decisões contraditórias

by Digital Rights LAC on abril 2, 2014

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Uma análise da jurisprudência argentina em matéria de responsabilidade de intermediários. Falhas ambíguas e como a falta de regulação sobre o tema pode afetar a segurança jurídica.

Por Daniela Schnidrig e Verónica Ferrari[1]

A Argentina não tem regulação especifica em matéria de responsabilidade de intermediários. O que é que isso significa? Que naqueles casos judiciais em que um intermediário se vê questionado – seja um prestador de serviços de Internet, um investigador, ou uma plataforma[2] – o juiz poderá recorrer à norma que considere aplicável ao caso para determinar se o intermediário é responsável ou não.

Enquanto existem projetos de lei sobre o tema que estão sendo discutidos atualmente no Congresso[3], os tribunais têm utilizado raciocínios e argumentos diferentes para decidir sobre o tema. Em termos gerais, as decisões judiciais se basearam nos artigos 1.109 e 1.112 do Código Civil argentino. O artigo 1.109 estabelece um regime subjetivo da responsabilidade – ou seja, se julga o comportamento do ator, que será responsável se atuou com culpa ou negligencia. O artigo 1.113 é mais rigoroso: estabelece um regime de responsabilidade objetiva – isto é, o ator sempre será responsável pelos danos causados por uma coisa que estiver sob seu controle, exceto se for provado que houve culpa da vítima ou de um terceiro.

Esta falta de legislação específica sobre o tema dá lugar a decisões discrepantes na jurisprudência argentina. Inclusive, em um caso, os tribunais de diferentes instâncias aplicaram regimes diferentes de responsabilidade. Como em um caso iniciado pelo empresário Esteban Bluvol[4] que, ao descobrir um blog que usava o seu nome de forma ofensiva que prejudicava a sua profissão,  processou o Google. Dois tribunais aplicaram dois regimes de responsabilidade diferentes.  O juiz de primeira instância deu procedência à sua demanda, condenando os blogueiros a dar uma indenização porque decidiu aplicar a responsabilidade objetiva. Mais tarde, o tribunal de segunda instância rejeitou esta tese ao considerar que o Google, enquanto intermediário, não deve responder automaticamente pelas condutas ilícitas de terceiros e que, dado a quantidade de informação que circula na Internet, é impossível o controle prévio de tudo o que se difunde. Contundo, o tribunal considerou que o Google era responsável, o fez aplicando um regime subjetivo, analisando a conduta do blogueiro – que, no caso em questão, foi negligente.

Outros casos paradigmáticos são os de celebridades que processam blogueiros. No caso Da Cunha – em que a cantora processou o Google e o Yahoo pedindo a cessão do uso da sua imagem em sites pornográficos, além de uma indenização – a Câmara de Apelações aplicou um regime subjetivo de responsabilidade, ao sinalar que o blogueiro pode ser considerado responsável quando é notificado e não remove o conteúdo. Da Cunha apelou esta decisão. O parecer da Procuradoria Geral da Nação[5] defendeu que deve confirmar-se a decisão e deve aplicar-se ao caso a doutrina “Campillay” – segundo a qual não se é responsável pelas palavras de outros, sempre que se atribuem as palavras às fontes, se utiliza um verbo potencial ou não se revela a identidade do protagonista dos dizeres. A Suprema Corte ainda não se pronunciou sobre o caso.

Outro caso que mostra o problema da falta de regulação, e a ignorância dos tribunais, é o de uma cautelar concedida por um tribunal de primeira instância que obrigou o Google a bloquear dos resultados de pesquisas todos os sites que contivessem o vídeo da atriz Florencia Peña tendo relações sexuais.[6] Esta medida é problemática porque não se trata de bloquear URL definidas, mas todas aquelas que tiverem ligação ao vídeo.

Em dezembro de 2013, a Câmara de Apelações decidiu no fracasso Carrozo[7] que o Google e o Yahoo compensassem uma modelo pelo uso da sua imagem em sites pornográficos. Em sua sentença, a Câmara aplicou o regime de responsabilidade objetiva, entendendo que os blogueiros realizam uma atividade de risco, que os torna automaticamente responsáveis pelos danos que ocorrerem.

Também existem outras decisões judiciais que se refugiam na Lei de Propriedade Intelectual 11.723 [8], uma norma de 1933, considerada uma das mais restritivas do mundo.

Por exemplo, em relação ao site Cuevana, que desde 2009 proporciona o streaming de filmes e séries, uma medida cautelar, coberta pelo artigo 79 da lei de propriedade intelectual, ordenou – a partir de um pedido de Turner Argentina – os provedores de acesso à Internet a bloquearem determinados conteúdos[9]. A Comissão Nacional de Comunicações, em linha com a decisão judicial, ordenou o bloqueio[10].

Mais tarde, a HBO, se valendo do artigo 13 da lei de propriedade intelectual, solicitou o bloqueio “preventivo” do acesso a todo o site. Este pedido, em troca, foi rejeitado em fevereiro de 2013 pela Câmara Federal de Buenos Aires que o considerou uma medida “ampla e desproporcional” e que “no estado incipiente da instrução ainda não foi capaz de determinar se Cuevana é um site de ligações ou de indexação de conteúdos de que se encarregam usuários isolados ou se efetivamente há determinadas pessoas que controlam”.

Em uma linha semelhante a esta última decisão, em outubro de 2013, a Câmara Nacional de Apelações Criminais confirmou que o Google não seria responsabilizado em um caso de direitos autorais[11]. Neste caso, a Câmara entendeu que o blogueiro não pode ser responsável pelos conteúdos que sobem no Youtube, já que estes “não são conhecidos antecipadamente pelos que administram o site”. O tribunal entendeu que, enquanto a atividade do Youtube poderia ser considerada “arriscada”, estaríamos frente a um “risco permitido” pelos benefícios da promoção de conteúdos culturais.

A diversidade das decisões descritas mostra a falta de critérios uniformes a respeito de que responsabilidade cabe aos intermediários. Por isso, é necessário, tanto na Argentina quanto no resto da região, que se avancem as discussões sobre a regulação especifica da matéria.

No meio dos debates sobre a necessidade de “regular a Internet” [12] uma questão chave é pensar como fazê-lo. A proposta do CELE é trabalhar na promoção de normas específicas e claras de responsabilidade de intermediários, não em marcos gerais. Regulações que atendem particularidades a fim de evitar estas decisões ambíguas, contraditórias e, em muitos casos, desproporcionais que, potencialmente, podem ferir direitos fundamentais.


[1] Daniela e Verónica são investigadoras da iniciativa pela Liberdade de Expressão na Internet do Centro de Estudos de Liberdade de Expressão e Acesso à Informação (CELE) da Universidade de Palermo.

[2] Para ver mais sobre definições e tipos de intermediários, pode-se consultar o artigo do CELE “As Chaves da governanta: a estratégia dos intermediários na Internet e o impacto no mundo digital”, disponível em: http://www.palermo.edu/cele/libertad-de-expresion/ilei-investigaciones_realizadas.html

[3] O projeto apresentado pelo Deputado Federico Pinedo “Provedores de serviços de Internet: regime de responsabilidades”. Disponível em:

http://www1.hcdn.gov.ar/proyxml/expediente.asp?fundamentos=si&numexp=2668-D-2012 e o dos Deputados Obiglio e Pérez, disponível em: http://www1.hcdn.gov.ar/proyxml/expediente.asp?fundamentos=si&numexp=8070-D-2012

[4] “Bluvol, Esteban Carlos c / Google Inc. e outros s/ danos e prejuízos”, 5 de dezembro de 2012. Disponível em:  http://www.diariojudicial.com/documentos/2013-Marzo/Bluvol_c_Googlex_daxos_por_blog.doc

[5] Procuração General, “Blogueiros de Internet não são responsáveis pelo conteúdo dos sites que criam”, 4 de setembro de 2013. Disponível em: http://fiscales.gob.ar/procuracion-general/los-buscadores-de-internet-no-son-responsables-por-el-contenido-de-los-sitios-que-relevan/

[6]  Peña María Florencia c/ Google s/ ART. 250 C.P.C. Incidente Civil -Expte. N° 35.613/2013 – Julgado Nacional de Primeira Instância no Civil N° 72.

[7] “Carrozo, Evangelina c/ Yahoo de Argentina SRL e outro s/ danos e prejuízos” http://www.infojus.gov.ar/jurisprudencia/NV6830-carrozo_yahoo_danos-nacional-2013.htm;jsessionid=1vc3ebb7zltsu1nuv2ndnkvopq?0

[8]  http://www.infoleg.gov.ar/infolegInternet/anexos/40000-44999/42755/texact.htm

[9] “Imagen Satelital S.A. c/Quem For Titular do Site CUEVANA s/Medidas Precaucionarias”, Expte. Nº 72.792/2011, 25 de novembro de 2011. Disponível em: http://www.cij.gov.ar/nota-8304-Ordenaron-bloquear-el-acceso-a-tres-series-en-el-sitio-web-Cuevana.html

[10]  http://www.cnc.gov.ar/noticia_detalle.asp?idnoticia=122

[11] Câmara Nacional de Apelações Criminal e Correcional – Sala 5 CCC 13630/2012/CA2. “P., L. e outros”. Desligamentos. JI 20/162, 28 de outubro de 2013. Disponível em:

http://diariojudicial.com/documentos/2013NOVIEMBRE/Nx_173_-_P_L_-_google.pdf

[12] http://www.lanacion.com.ar/1665354-un-arma-de-doble-filo