Projeto de lei que regula videogames no Chile: a esta altura, faz algum sentido?
by Digital Rights LAC on setembro 19, 2013
Seis anos depois de entrar em tramitação, está perto de ser aprovada uma lei que regula os videogames. Seu maior problema é o fato de as tecnologias e o contexto cultural terem mudado a tal ponto que sua existência agora seria desnecessária.
Por Francisco Vera*
No fim de julho de 2013, o Senado chileno aprovou um projeto de lei que regula a venda e o aluguel de videogames a menores de idade no país. Com isso, e após um retorno do projeto à Câmara de Deputados para que se aprovassem algumas modificações menores, pode-se dizer que este está hoje pronto para ser convertido em lei.
O projeto de lei apresenta vários problemas. Além do insuficiente impacto social que gerará, ele compartilha de certos erros comumente cometidos pelos legisladores da região na hora de regularem temas que abarcam direitos e tecnologia, fazendo com que tais tentativas de regulação sejam tardias ou ineficazes.
No entanto, façamos antes uma recapitulação de sua história. Há quase seis anos, no dia 19 de dezembro de 2007, entrou em tramitação na Câmara dos Deputados do Chile um projeto de lei que se propunha a regular a venda e o aluguel de videogames excessivamente violentos a menores de 18 anos, além de exigir o controle parental para a utilização dos consoles.
Naquele ano, as empresas tinham acabado de lançar os consoles da geração atual. Não existia o Netflix (nem o Cuevana), e nesse contexto, alugar um filme ou um videogame em uma loja na esquina ou em uma gigantesca filial da Blockbuster era uma situação plausível. Naquela época, a distribuição de videogames pela Internet se dava mais no âmbito de alguns pequenos jogos despretensiosos de computador e não dos consoles, devido ao medo da pirataria de conteúdo.
A principal motivação do projeto foi o receio de alguns segmentos da sociedade em relação aos videogames mais violentos. O mesmo projeto assinala como razão principal de sua existência o fato de “os estudos terem demonstrado que o uso excessivo de videogames violentos está relacionado com os comportamentos, os pensamentos e os sentimentos mais agressivos (…)”. Ele também faz alusão direta a exemplos como o seguinte: “(…) casos a nível internacional demonstraram que jovens viciados em videogames violentos cometeram tiroteios e massacres contra seus próprios colegas, como foi o exemplo da morte de 34 pessoas, no dia 17 de abril de 2007, na Universidade Tecnológica da Virgínia, nos EUA”.
Assim, em 2008, a ONG Direitos Digitais decidiu participar do debate acerca do projeto, preparando um relatório sobre o tema e solicitando ao Congresso uma audiência para que fossem feitas exposições acerca do projeto de lei. Já em um primeiro momento, descartou-se qualquer grau de correlação ou de causalidade entre videogames violentos e comportamentos violentos de crianças e de adolescentes, para evitar que o alarme social e o temor em relação às tecnologias tomassem conta da discussão.
Quanto ao resto do projeto, em princípio, não parece nocivo que os pais possam exercer qualquer controle ou que possam estar informados sobre as condutas de seus filhos. No entanto, é preciso que se estabeleçam formas razoáveis e tecnicamente adequadas para se levar a cabo o processo de qualificação dos jogos. Para tal, propõe-se a homologação dos rankings estrangeiros mais populares para evitar que se faça, no Chile, um desnecessário trabalho dobrado, que ainda poderia causar transtornos à importação e à venda de videogames no país. Também seria interessante que todos os consoles da nova geração incorporassem tecnologias de controle parental, e que os pais fossem informados de maneira didática e clara acerca de seu funcionamento.
Por usa vez, a comissão parlamentar que analisou o projeto decidiu incorporar a ele algumas sugestões feitas anteriormente, como a homologação da qualificação dos videogames e a inclusão do projeto à Lei do Consumidor (o projeto original criaria uma lei nova, isolada do sistema jurídico chileno, uma solução que poderia ser completamente inútil em diversas ocasiões).
Até aqui, a história é igual à de todos os projetos de lei. O problema é que, seis anos depois, a lei está prestes a ser aprovada com as mesmas disposições de 2008, apesar de o contexto atual do mercado de videogames (e, em geral, das tecnologias digitais) ter mudado drasticamente.
Seis anos depois, lojas de videogames, como a Valve, ganharam popularidade, e existem apenas no mundo virtual, onde a verificação de idade dos consumidores é quase impossível. As locadoras – tanto as de bairro quanto as Blockbusters – praticamente desapareceram, e as tecnologias de DRM contidas nos jogos não permitiriam seu aluguel para serem utilizados em consoles de nova geração (PS4, Xbox One, entre outros). Além disso, nesse ínterim, os jovens chilenos não protagonizaram qualquer episódio de agressividade que permitisse culpar os videogames.
Nesse contexto, resta-nos perguntar se os processos legislativos resultam obsoletos para o mundo digital, ou se o atraso na aprovação do referido projeto nos permite, com o passar do tempo, perceber sua inutilidade. Qualquer que seja a conclusão, é claro que o Congresso chileno está prestes a aprovar um projeto de lei já antiquado e desnecessário, que não representa nenhum benefício concreto.
* Francisco Vera é diretor de projetos da ONG Direitos Digitais.
E-mail: francisco@derechosdigitales.org