Projeto Argentina Digital: regulamentação e futuro?
by Digital Rights LAC on janeiro 30, 2015
Na Argentina, o ano de 2014 encerrou com uma novidade bastante significativa para as políticas, a regulamentação e o mercado da convergência e as telecomunicações. O Congresso Nacional aprovou em sessões extraordinárias o projeto de lei “Argentina Digital”.
Por Santiago Marino*
Esta iniciativa do Poder Executivo foi enviada ao Congresso de modo inesperado, sem prévio debate e com possibilidades de gerar impactos em termos econômicos, regulatórios e socioculturais no espaço audiovisual ampliado (Ou seja, o conjunto de suportes e janelas, que a partir de uma série de desenvolvimentos tecnológicos gera diversos espaços, modelos de negócio e tipos de vínculos entre a oferta e a demanda de conteúdos e meios audiovisuais).
A convergência entre as telecomunicações e o audiovisual tem um percurso em termos técnicos e foi instalado no uso social. Sua exclusão da Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual -LSCA- (aprovada na Argentina, em outubro de 2009, após grande debate e ampla participação cidadã), implicou ter deixado passar uma chance importante de conduzir o processo, estabelecer condições de competência para um mercado dinâmico e condicionar os níveis de concentração da propriedade, que somente tem efeitos negativos (econômicos e simbólicos) para os cidadãos, usuários, consumidores.
Quanto ao conteúdo específico, a nova norma tem aspectos positivos, tais como: a atualização da regulamentação para um mercado bem dinâmico e a distinção entre conteúdos e continentes. Em termos dos direitos digitais, a declaração de “neutralidade da rede” é um mecanismo que pode derivar em uma regulamentação de avançada a nível internacional, uma vez definida de modo claro em termos de abrangência e aspecto. Por sua parte, a definição de “serviço público” para a infraestrutura e a desagregação da última milha ou “anel local” da rede de telefonia fixa (suporte central das telecomunicações na Argentina) são decisões bem significativas. O desafio passará a definir com clareza a possibilidade de fixar as tarifas para a locação dessa infraestrutura pelo Estado, e o modo em que isto será executado no futuro. Não é demais lembrar que, a lei deveria ser aplicada pelo futuro governo, o que abre outra questão a esse respeito.
Outro elemento central é a possibilidade de que as operadoras de telecomunicações possam prestar serviços audiovisuais. Essas empresas já estão dentro do sistema audiovisual. Sua capacidade econômica –a partir do tamanho do mercado concentrado e de escala ampla no que operam- poderia redundar em competência desigual com os agentes originários do mercado de meios tradicionais. Nessa linha, será fundamental o papel do Estado na sua capacidade de controlar operações cruzadas e níveis de competência, para evitar sua absorção pelas grandes operadoras de “telecomunicações”.
O debate no Congresso permitiu gerar as condições para que fossem melhoradas as questões centrais que o projeto havia deixado pendente. Por um lado, quanto à autoridade de aplicação (e, graças à pressão de uma série de especialistas, investigadores e organizações ligadas à temática, convocadas para intervirem nas reuniões de comissão, nas quais foi discutido o texto do projeto) finalmente, retomou a senda da LSCA e foi aprovado um órgão representativo e legítimo: a Autoridade Federal de Tecnologias da Informação e Comunicações (AFTIC). Além disso, será criado o Conselho Federal das TIC, supostamente com marcos definidos de ação. Por outro lado, ajustou –sem resolver- aspectos ligados à questão da regulamentação da competência, posição dominante e “significativa de mercado”, que deverão ser mais bem definidas na regulamentação da lei.
Por sua vez, outro tema que não foi resolvido de modo claro é a questão da “Proteção da privacidade dos usuários”, dado que –como marcara a Associação pelos Direitos Civis oportunamente no debate– declara-se inviolável qualquer comunicação suportada pela TIC, mas habilita sua interceptação (sem definir de modo claro e exaustivo o que implica) “a requerimento de juiz competente.” Sobre estas matérias será requerida atenção na hora da regulamentação.
A Argentina encerrou o ano de 2014 com novidades no espaço audiovisual, sua regulamentação e mercado. Algo que ocorre há mais de 6 anos neste país intenso. As notícias foram sobre a LSCA e sua aplicação enviesada por múltiplas razões, a licitação de espaços de 3G e 4G para a esperada melhora do funcionamento do serviço de telefonia celular e transmissão de dados. E, também, sobre a nova lei, que por enquanto gera mais dúvidas do que certezas sobre o futuro da convergência.
*Doutor em Ciências Sociais, Diretor de Mestrado em Indústrias Culturais (UNQ), JTP Políticas e Planejamento da Comunicação (Mastrini) na FSOC-UBA, docente de pós-graduação e graduação na UNQ-UBA-USAL @santiagomarino