Poderá o Brasil se tornar o líder da governança da Internet?
by Digital Rights LAC on novembro 22, 2013
Por Claudio Ruiz
Uma das surpresas do último Fórum de Governança da Internet (IGF, em inglês) foi o surgimento do Brasil como um dos países capazes de fazer sombra ao domínio dos Estados Unidos em determinadas searas relacionadas ao tema. No entanto, as dúvidas acerca da concretização de mudanças verdadeiras ao modelo atual ainda persistem.
Como era de se esperar, nenhum representante do governo chileno esteve presente na 8ª edição do Fórum de Governança da Internet (IGF), que se deu em outubro, na ilha de Bali, Indonésia. Tal postura era esperável não apenas pela pífia – para não dizer “inexistente” – estratégia digital do governo do presidente Piñera, mas também porque, mais especificamente, nunca um representante do Chile assistiu a essa reunião organizada pela ONU, na qual emissários de diversos governos discutem, em pé de igualdade com os representantes do setor privado e da sociedade civil, os problemas e os desafios da regulação da governança da Internet.
Como também era de se esperar, a agenda deste ano esteve intensa e concentrada particularmente em aspectos vinculados à segurança, à privacidade e aos direitos humanos. O primeiro, um tema “clássico” para aqueles que acompanham o fórum desde seu nascimento, teve uma relevância ainda maior por causa das revelações feitas por Edward Snowden neste ano, as quais desvendaram as práticas duvidosas de vigilância online feitas pelo governo norte-americano, colocando em xeque boa parte da infraestrutura sobre a qual se baseia a Internet, pelo menos como nós a conhecemos hoje.
A respeito dos outros dois temas, em sua análise, também se fez referencia às revelações de Snowden, ainda que eles já tenham sido peças-chave da discussão sobre governança da Internet no passado. A diferença em relação aos anos anteriores jaz no fato de esta edição do evento ter sido a primeira oportunidade em que o debate acerca dos direitos humanos no ambiente digital foi tratado com significativa deferência, já que ao tema foi especialmente dedicada uma sessão plenária.
Contudo, havia dois grandes estorvos presentes em boa parte das discussões do IGF.
Em primeiro lugar, pode-se destacar a tensão existente entre, de um lado, os que defendiam a ideia de que a melhor forma de governança da Internet é aquela que pretende manter, com certas nuances, o estado atual, centrado na Corporação da Internet para Atribuição de Nomes e Números (ICANN, em inglês), isto é, um modelo denominado multistakeholder, que se encontra sob o controle considerado benevolente pelos analistas mais inocentes do governo norte-americano; e, de outro, a crescente pressão feita por uma série de países – alguns com recordes duvidosos em matéria de direitos humanos, como China e Rússia – no sentido de garantir maior legitimidade democrática a essa governança, utilizando estruturas das Nações Unidas já existentes, como a ITU, e, assim, evitar o controle dos Estados Unidos sobre a infraestrutura crítica.
Essa tensão tem se tornado cada vez mais presente desde as últimas revelações sobre a NSA e, ao mesmo tempo, devido à pressão exercida pelo Brasil, um ator de grande peso no que diz respeito às relações diplomáticas e com antecedentes um pouco menos duvidosos que os de seus sócios principais nesta cruzada.
Estreitamente relacionada com o fator anterior está a aparição fulgurante do Brasil como um ator-chave capaz de fazer frente aos EUA. Não foram casuais nem as reações do governo Dilma às revelações de espionagem ao governo federal e a empresas importantes do setor energético, nem o discurso inflamado da presidente diante do plenário das Nações Unidas.
Embora em boa parte dos países do Hemisfério Sul as revelações de espionagem tenham sido recebidas de forma morna e nebulosa, no caso brasileiro, este parece ter sido um momento de virada, de assunção de um papel de liderança legítima e vigorosa na defesa dos direitos humanos na Internet.
E a forma utilizada pelo Brasil não deixa de ser surpreendente.
Dias antes do IGF, após se reunir com Fadi Chehade, representante da INCANN, a presidente Dilma anunciou um fórum global que, seguindo um modelo multistakeholder, discutirá esses assuntos no Brasil, entre abril de maio de 2014. Diante da ausência de objetivos claros ou de resultados esperados e do surpreendente apoio de Chehade, formou-se um sentimento de inquietude entre alguns representantes da sociedade civil, os quais pensam que este novo fórum pretende substituir o IGF como cenário de discussão global desses assuntos.
A principio, não parecia ser necessária a criação de uma nova instancia global, sobretudo se levarmos em consideração a necessidade de se estabelecer uma participação multissetorial verdadeira, mesmo não sendo garantida expressamente pelo Brasil, e a inegável legitimidade do atual IGF, apesar de todos os seus problemas.
Porém, ainda é inevitável e urgente a necessidade de se gerar espaços de trabalho e de debate acerca da maneira como se quer que a Internet seja construída no futuro. Não parece razoável pensar que reforçar a autorregulação e a supervisão benéfica do governo dos EUA em um modelo multissetorial repleto de vícios seja a melhor forma de resolver os problemas atuais. A atuação dos governos é igualmente importante. Esta deve ser sempre pautada no respeito aos direitos humanos e, além disso, deve ter como seu ponto de partida a participação a nível multissetorial. Tomara que o governo do Chile, dentro de pouco tempo, também possa exercer um papel ativo no que tange a essas matérias.
Claudio Ruiz é diretor executivo da ONG Direitos Digitais.
Email: claudio [at] derechosdigitales.org