NetMundial: o que há de novo e como esta se enquadra na esfera da Governança da Internet
by Digital Rights LAC on março 1, 2014
Nos dias 23 e 24 de abril, São Paulo irá sediar a Reunião Multissetorial Global sobre o Futuro da Governança da Internet, também conhecida como NetMundial. Trata-se de um evento diplomático no qual serão debatidos Princípios para a Governança e Uso da Internet e será mapeada a evolução futura do Ecossistema da Governança da Internet.
De Joana Varon
Apesar de já existir uma série de reuniões diplomáticas e conferências sobre o tema de Governança da Internet, esta reunião capturou o interesse especial dos representantes da sociedade civil, da academia, da comunidade técnica e do setor privado pelo mundo a fora. Como tal, desde outubro ela tem se tornado um dos temas controversos mais debatidos nas listas de discussão sobre a Governança da Internet.
Todo este fervor não é desmotivado, uma vez que a reunião está acontecendo em um cenário político diferente. Enquanto a ameaça da União Internacional de Telecomunicações (UIT), de se ocupar de todas as questões ligadas à internet, não se concretizou durante a Conferência Mundial de Telecomunicações Internacionais (CMTI) no Dubai, ficou evidente que a lacuna que existe na forma como o quadro institucional lida com questões de Governança da Internet tem de ser preenchida. Este indício só aumentou face às denúncias de vigilância em massa feita pelos países dos ‘Cinco Olhos’, uma vez que os países alvos desta vigilância ainda não conseguiram achar uma forma de lidar concretamente com a situação no plano internacional, ou para evitar o risco crescente do ciberespaço se tornar, de fato, um campo de batalha. Frente a este cenário, até a comunidade técnica, que até depois de Dubai se opunha a qualquer tentativa de reforma, já declarou, na Declaração de Montevideo, que “já identificaram a necessidade de um esforço contínuo para enfrentar os desafios da Governança da Internet, e se dispuseram a promover o esforço comunitário no sentido da evolução da cooperação multissetorial global na Internet”.
Pode-se dizer que já decorrem, neste mesmo cenário político, outras operações fundamentais à Governança da Internet. Sobretudo a revisão da Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação – CMSI, as preparações para a Reunião plenipotenciária da UTI, e a continuação das tarefas do Grupo de Trabalho em Cooperação Aprimorada – WGEC. Contudo, por enquanto a repercussão destas operações não tem sido tão ressonante quanto à que podemos ver em relação à NetMundial.
Eu diria que isto acontece porque, além do contexto político comum que reforça a necessidade de avançar o debate da Governança da Internet, a NetMundial será estruturada de forma diferente das reuniões da ONU. Embora o seu alvo seja a produção de resultados executáveis – o que significa que os Estados terão a palavra final quanto à implementação das medidas acordas, de forma semelhante ao sistema ONU – a NetMundial está sendo organizada na forma de um evento multissetorial, onde os representantes de governos, do setor privado, da sociedade civil, da comunidade técnica, e da academia finalmente estão moldando a agenda e os demais aspetos da organizacionais da reunião juntos.
Este aspecto é um diferencial importante, uma vez que os governos não ocuparam o comando do processo, convidando somente aquelas setores que lhes interessam. Isto está acontecendo, por exemplo, na atual revisão da CMSI. Por outro lado, a proposta de uma reunião multissetorial também representa o maior desafio. Determinar a representatividade das demais partes interessadas, além dos Estados, é algo muito difícil. Ao contrário daquilo que acontece em outras arenas da Governança da Internet, a reunião de uma vasta gama de representantes de governos, inclusive de países desenvolvidos, para um processo realmente multissetorial é uma parte complicada do processo.
Nada obstante, outro diferencial da NetMundial é que esta tem objetivos muito ambiciosos para um prazo muito curto. Considerando todos estes fatores, será uma tarefa árdua. Tais objetivos não só correm paralelos às brechas institucionais, como também visam preenchê-las e são essenciais para realizar o encargo das demais reuniões citadas.
Como parte do processo de alcançar estes objetivos, foi aberta uma consulta pública ao site da NetMundial onde devem ser feitas submissões até dia 1 de março. Para cumprir este prazo, as organizações da sociedade civil estão se manifestando para debater e estabelecer um denominador comum que será reforçado no resultado final do evento. Até agora, a minha opinião pessoal, após ter seguido diferentes consultas que foram feitas à sociedade civil pública brasileira e às redes BestBits , é que é possível extrair as seguintes conclusões gerais dos debates entre as partes interessadas:
>>Os direitos humanos devem ser destacados como princípios principais a serem aplicados à Governança da Internet global.
>>Uma série de princípios processuais também deveriam ser definidos, para assegurar que valores como transparência; uma participação aberta e diversificada de todas as partes interessadas no processo da tomada de decisão; eficácia e responsabilidade sejam cumpridos.
>>A rede da Governança da Internet deve permanecer descentralizada, objetivar o multissetorialismo, ser adaptável de forma a que a opinião citada seja a correta para lidar com determinados problemas, e a solução destes deve ser executável e estar em linha com os princípios de Direitos Humanos previamente referidos.
>> O Fórum de Governança da Internet deve ser reformado e habilitado a operar como ponto de partida para um eventual mecanismo de coordenação, que permita a coexistência de espaços virtuais de formação de politica.
Por um lado, existem várias formas de materializar as avaliações gerais, que se espera serem feitas por meio de contribuições online. Por outro, até estes pontos mais genéricos são dificilmente aceitos por algumas partes interessadas, portanto todas as contribuições terão de servir como input para a próxima etapa: um processo de construção de consenso intercomunitário.
Esta é uma tarefa ainda mais difícil, um processo a ser desenvolvido até que os participantes da reunião se encontrem em São Paulo, nos dias 23 e 24 de abril. Entre outras reuniões, parte do debate intercomunitário será realizado no Fórum Global Online da 1Net de forma a que, mesmo que você ainda não tenha submetido as suas ideais, ainda haverão outras oportunidades. Fique ligado.