Mulheres: Fortalecer a comunicação na Internet para avançar em direitos
by Digital Rights LAC on abril 6, 2015
Após quatro anos de trabalho como defensora dos direitos sexuais e reprodutivos, Lorena M., já tinha boa experiência do tipo de agressões que podia chegar a suportar e enfrentar em reuniões e atos públicos. A forte discussão com as organizações pró-vida e com fundamentalistas religiosos era esperável, inclusive quando algum integrante destas organizações cruzava com ela na rua. Mas, nunca pensou que sua vida se complicaria perigosamente, quando mãos anônimas hackearam o site da rede de defensoras e começaram a receber insultos e ameaças de todo tipo na sua caixa de entrada de e-mails e pelas contas nas redes sociais, criando um ambiente de assédio e perseguição em seu ambiente, que encheu de medo e insegurança.
Por Florencia Goldsman (@Petalosoy) e Dafne Sabanes Plou (@Dafnetemperley) – @DominemoslasTIC
O ocorrido com a Lorena M. se tornou comum para muitas ativistas em questões sociais e políticas. Parecia que para estas mulheres ter voz e ações independentes, de compromisso com assuntos sensíveis ou controversos, ou também de especialização em temáticas e âmbitos que não costumam ser aqueles considerados “próprios de mulheres”, significa provocar o ataque impiedoso de trolls, que organizados ou não, explodem no espaço cibernético para insultar, menosprezar e agredir. Estas ações criam um clima de hostilidade que pretende afogar a militância online das mulheres e cercear seu trabalho também nos espaços físicos, impedindo o acesso à informação e o trabalho em rede, assim como ameaçando o livre desenvolvimento das ativistas.
Depois que o site da Rede de Saúde das Mulheres da América Latina e do Caribe foi hackeado e inabilitado e cancelado o perfil no Facebook por duas vezes alguns dias antes da comemoração de 28 de setembro (Dia da Descriminalização do Aborto na América Latina e no Caribe), a aliança mundial WHRD que agrupa as defensoras dos direitos das mulheres, divulgou uma declaração na qual garante, que “este ataque digital é uma tentativa deliberada de silenciar vozes feministas legítimas, cancelar o debate e frear estigmatizando e sabotando a participação política das mulheres nos espaços públicos”.
Nos estudos preliminares realizados pelo Programa direitos das mulheres da Associação para o Progresso das Comunicações (APC), sobre violência contra as mulheres nos espaços digitais, surgem dados preocupantes sobre as agressões mais comuns, que têm as mulheres como alvo preferido e que ameaçam o exercício dos direitos como a liberdade de expressão e de parceria na Internet, além do livre acesso à informação e a possibilidade de compartilhar a referida informação em seus espaços de militância.
Em uma pesquisa realizada pela APC em 2013, entre ativistas dos direitos sexuais, 99% das pessoas que responderam, reconheceram que a Internet é uma ferramenta crucial para o avanço de seu trabalho pelos direitos humanos. Não obstante, 51% reconheceram ter recebido ameaças online devido a seu ativismo. Um terço mencionou intimidação (34%), outro número similar disse ter sofrido bloqueios e filtros de sites e mensagens (33%) e, apenas um pequeno percentual (29%) mencionou terem sido censurados. Devido a isso, 27% das pessoas consultadas admitiram ter parado de realizar o trabalho que faziam online.
A situação se agrava perante a falta de resposta das autoridades quando uma mulher decide denunciar a violência online ou quando as plataformas das redes sociais, os provedores de Internet ou de telefonia móvel ignoram ou demoram em responder as reclamações. Há poucos dias, o diretor geral do Twitter, Dick Costolo, decidiu enfrentar a situação e reconhecer sua responsabilidade diante da falta de resposta às inúmeras denúncias contra os ataques de trolls, que estão por toda parte nesta rede social. Considerou em sua intervenção que esta atividade agressiva contra os usuários os afugenta da rede. O Twitter estará lançando em breve, um conjunto de ferramentas para que os usuários combatam o abuso e a perseguição, disponibilizando também a denúncia online.
A violência amordaça: #Soltesuavoz (La violencia amordaza: #Alzatuvoz
Como parte da tarefa de prevenção da violência contra as mulheres nos espaços digitais, a campanha Dominemos a tecnologia (Dominemos la tecnología), criada e desenvolvida pela APC desde 2006, decidiu centralizar a atividade do último ano em tornar visível e gerar o debate em torno da maneira em que a liberdade de expressão é limitada pelos ataques online.
“A violência amordaça” (La violencia amordaza) foi o lema escolhido e incluiu ações solidárias com blogueiras e jornalistas do mundo todo, cujas vozes e escritas são silenciadas e censuradas, em maior medida, quando desafiam as normas de gênero, denunciam o sexismo, opõem-se à exploração do corpo das mulheres e contribuem com sua análise política para impulsionar uma perspectiva feminista da realidade e das situações de opressão que discriminam as mulheres e as impedem de se desenvolver como cidadãs plenas.
Com a determinação de documentar, criar laços solidários e resistir de maneira criativa à violência, colocamos uma campanha em ação para discutir os direitos das mulheres de viver uma vida sem violência e de manifestar suas ideias no espaço público, centralizando-nos nestas determinações como direitos fundamentais. Mulheres de diversas idades e atividades, comunicadoras, ativistas de organizações sociais, estudantes de escola e participantes espontâneas enviaram suas mensagens, compartilharam as ações de seus coletivos e opinar acerca da importância do direito à liberdade de expressão na vida cotidiana, de acordo com as diversas formas de vida e escolhas pessoais.
A campanha de ativismo de 16 dias que terminou há poucos meses, em 10 de dezembro de 2014, constituiu também um excelente exercício de troca online e offline. Recebemos colaborações em forma de textos, tweets, vídeos e áudios, que deram a ideia de como podemos criar ambiente habilitador que impulsione a expressão, criatividade e troca de informação de mulheres e meninas.
Estas atividades de campanha se enlaçam com nossa perspectiva de considerar que é fundamental que os Estados, empresas e sociedade civil deem prioridade ao acesso à informação, a liberdade de expressão e de parceria na Internet, para a participação plena de mulheres e meninas nos benefícios sociais, culturais e econômicos da sociedade da informação. No mesmo sentido, avançamos um degrau, e solicitamos também que seja propiciada a participação de mulheres e meninas jovens na tomada de decisões acerca do desenvolvimento e apropriação das TIC, incluindo a governança da Internet.
Para isso é o nosso trabalho na incorporação da vivência cotidiana com as tecnologias como vias acessíveis para compartilhar o que pensamos, mas também para discutir e participar na tomada de decisão de políticas públicas que garantam nossos direitos à comunicação no sentido mais amplo. Isto significa disponibilizar e incentivar o empoderamento e a agência das mulheres por meio do acesso à informação, a criação de conteúdos e a troca de opiniões online. Para que todas as mulheres participem, sem riscos, de um debate político onde se dirimem direitos digitais, reais, de acesso a uma maior igualdade de oportunidades, e no qual a comunicação é a pauta central da agenda.
Acreditamos que a partir do fortalecimento dos direitos à comunicação e amplo acesso às TIC, serão viabilizados os direitos das mulheres. A partir daí, impulsionamos mudanças efetivas nas relações de gênero.
Crédito da imagem: (CC: BY-NC) Ben Raynal / Flickr