Os direitos de Internet no Equador: um possível triunfo dos ativistas?

by Digital Rights LAC on dezembro 21, 2013

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O surgimento da coalizão “Internet Livre” foi decisivo para alertar sobre um dos artigos mais polêmicos do novo Código Penal equatoriano: o que a permitia a vigilância na Internet. Porém, será que o possível fim do artigo 474 é suficiente para que o Governo do Equador respeite os direitos fundamentais no âmbito das comunicações?

Por Analía Lavín e Valeria Betancourt, APC.

Logo depois das revelações de Edward Snowden em junho deste ano, a Assembleia do Equador aprovou uma resolução na qual rechaçava “o emprego ilegal e indiscriminado de espionagem” praticado pelos Estados Unidos, e o considerava um atentado contra o “direito à intimidade e à privacidade de todos os habitantes do planeta”. Alguns meses depois, o representante equatoriano, em sua intervenção na Assembleia Geral da ONU, fez críticas nas quais afirmava que tais práticas desconhecem “o direito à privacidade e à liberdade de expressão de todos os cidadãos”.

Durante esse mesmo período, porém, a Assembleia do Equador debateu e aprovou um novo Código Penal que legalizou a vigilância sistemática das comunicações, colocando em risco o exercício desses direitos que defendeu tão veementemente à ocasião das revelações de Snowden acerca das práticas adotadas pelos EUA.

Organizações da sociedade civil e grupos de usuários de Internet acompanharam de perto as discussões sobre a lei e tiveram acesso a esboços do texto que os puseram em alerta. Juntos, formaram a coalizão “Internet Livre”, a qual lançou uma campanha que incluiu ativismo digital, reuniões com membros da Assembleia de todos os partidos políticos e comunicados ao presidente. Até o momento em que este texto foi redigido, não houve nenhuma confirmação oficial de que os aspectos mais problemáticos seriam eliminados do texto final. Contudo, tudo indica que isso ocorrerá.

O artigo 474, o mais conflituoso do novo Código Penal, exige dos provedores de serviço de Internet o armazenamento dos dados de seus usuários “a fim de poder realizar as devidas investigações”. Esse artigo, no entanto, vai muito além da vigilância estatal massiva: ao estender as mesmas exigências de armazenamento aos “abonados de serviços de telecomunicações que compartilhem ou que distribuam a terceiros sua interconexão de dados ou de voz”, busca transferir essas funções de polícia à própria sociedade, promovendo uma cultura de desconfiança permanente na qual cada pessoa poderia ser potencialmente uma espiã de outras.

Além de contradizer direitos consagrados na Declaração Universal de Direitos Humanos, esse artigo viola a própria Constituição do Equador, que reconhece o direito à intimidade pessoal e familiar. Ademais, estabelece que tanto o armazenamento de dados pessoais como a interferência de correspondência virtual devem requerer garantias mínimas, como a autorização do titular ou a intervenção judicial. O estado de vigilância implantado pelo artigo 474 estaria generalizando as limitações de um direito que, ao contrário, deveria ser a exceção. Tal como afirmou o representante equatoriano perante a Assembleia Geral da ONU mencionada mais acima, a privacidade está intimamente relacionada com a liberdade de expressão, e práticas como a autocensura afetam a qualidade da democracia no país.

Entretanto, o artigo 474 não apenas legitima a violação sistemática de direitos fundamentais da sociedade: ele também apresenta problemas graves no momento de sua implementação. O armazenamento da “integridade dos dados” das comunicações das pessoas por um mínimo de seis meses, conforme exige a lei, obrigaria os provedores de serviços a multiplicarem exponencialmente sua capacidade de armazenamento, a atualizarem sua infraestrutura física e virtual e a reforçarem seus protocolos de segurança.

Os elevadíssimos custos associados a essas medidas, que provavelmente acabam sendo transferidos ao usuário final, também gerariam um impacto nas prioridades de inversão das empresas, as quais disporiam de menos recursos para estender seus serviços a áreas menos rentáveis.

Por fim, o volume de informação e dados o qual a lei requer que seja preservado (basicamente todo o tráfico de Internet e telecomunicações de um país de quinze milhões de habitantes) faz com que se multipliquem os riscos de interceptação, de análise e de uso não consentido com fins comerciais ou políticos, bem como também compromete a segurança de transações econômicas, de governo eletrônico, entre outras. Se tal artigo for aprovado, o Código Penal, ao invés de proteger os usuários de Internet, iria submetê-los a uma situação de extrema vulnerabilidade. Esse tipo de conteúdo legal, em última análise, limita a dispersão do uso da rede com fins de desenvolvimento social, econômico, político e cultural.

Esses foram alguns dos argumentos utilizados pela coalizão “Internet Livre”. Ativistas envolvidos na campanha, todavia, consideram que o elemento decisivo foi a resolução sobre privacidade na era digital, aprovada recentemente por um comitê da Assembleia Geral da ONU. A resolução, impulsionada pela Alemanha e pelo Brasil, estabelece que “a vigilância e/ou a interferência ilegal ou arbitrária das telecomunicações, assim como a coleta ilegal ou arbitrária de dados pessoais, são atos altamente invasivos, que violam os direitos à privacidade e à liberdade de expressão e podem contradizer os princípios de uma sociedade democrática”. Equador figura entre os 23 países que assinaram a resolução.

O membro da Assembleia que anunciou a anulação do artigo 474 no Twitter (anúncio que, repetimos, não era oficial) aludiu à “coerência política e ideológica” como o motivo por trás dessa decisão. Enquanto o Equador, ao apoiar esse tipo de resolução na ONU e ao oferecer asilo político a Julian Assange, busca se posicionar como uma referência mundial em matéria de direitos humanos, a situação no país é preocupante. Neste ano, por exemplo, aprovou-se uma lei orgânica da comunicação a qual, entre outros aspectos problemáticos, requer que os meios de comunicação registrem a identidade de quem publica comentários. Se realmente se busca coerência política, o Equador tem de renovar seu compromisso com os direitos fundamentais de seus próprios cidadãos.
Analía Lavin é parte da equipe de comunicação de APC
E-mail: analia (at) apc.org
Valeria Betancourt é diretora do Programa de Políticas de Informação e Comunicação APC
E-mail: valeriab (at) apc.org