Liberdade de expressão na Internet: oportunidades e desafios para a América Latina
by Digital Rights LAC on dezembro 19, 2014
O direito à liberdade de pensamento e expressão foi descrito como a “pedra fundamental” do ordenamento democrático. Ele tem sido objeto de generosas interpretações pelos órgãos do sistema interamericano de direitos humanos (SIDH), que geraram a partir delas, padrões sumamente protetivos deste direito.
Por Eleonora Rabinovich* Associação pelos Direitos Civis (ADC)
Os referidos padrões oferecem um marco regional adequado na hora de pensar neste direito perante seu exercício no âmbito digital. A “dupla dimensão” –individual e coletiva- do direito permite reivindicar sua abrangência para lidar com fenômenos presentes em diversos países da América Latina, como consequência, em alguns casos, de desigualdades no acesso às tecnologias e, em outros, de decisões políticas, regulamentações legais e decisões judiciais que tendem a limitar a expressão na Internet. Por sua parte, o amplo reconhecimento do direito em todas suas expressões, é útil também para avaliar formas de exercer a expressão, próprias de um meio interativo e multidirecional como a Internet.
A Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) abordou, nos últimos anos, várias das diversas arestas que conformam este fenômeno, tanto através das Declarações Conjuntas – junto à Relatoria das Nações Unidas, OSCE e a Comissão Africana de Direitos Humanos- como através de um capítulo específico em seu último relatório anual.
No referido relatório, a Relatoria desenvolve valiosos princípios de proteção do direito à liberdade de expressão no ambiente digital, incluindo assuntos como a neutralidade da rede, a responsabilidade dos intermediários, o filtro e bloqueio de conteúdos, a relação com a privacidade e a vigilância nas comunicações, e o acesso à Internet, entre outros. A Relatoria reitera que o artículo 13 da Convenção Americana – que consagra o direito de liberdade de expressão – aplica-se “plenamente às comunicações, ideias e informações que se difundem e acessam através da Internet”. De mesmo modo, a Relatoria lembra que o ambiente online não só facilita o exercício deste direito, mas também oferece condições insuperáveis para o exercício de outros direitos fundamentais, como os de educação e livre parceria.
Durante a audiência perante a CIDH do passado 28 de outubro -na qual um grupo de organizações expôs sobre o impacto da Internet no exercício dos direitos humanos- a partir da ADC relatamos os principais desafios e oportunidades apresentados na região para a vigência dos princípios desenvolvidos pelo sistema interamericano em matéria de liberdade de expressão.
Alguns dos riscos que indicamos:
1. Na região está sendo discutido qual deve ser a responsabilidade dos intermediários de Internet pelo conteúdo dos usuários. Em alguns países foi expandida uma prática jurisprudencial de responsabilizar os intermediários por conteúdos produzidos por terceiros. As sanções foram desde medidas cautelares obrigando a eliminar certos resultados de busca, até indenizações civis de diversos valores.
2. A discussão legislativa ou judicial acerca da remoção de conteúdos que qualquer pessoa considere inadequados também é uma tendência preocupante na região. Na Colômbia, por exemplo, a Corte Constitucional analisa um caso no qual um tribunal de segunda instância ordenou ao jornal El Tiempo, que removesse uma nota jornalística que falava de uma investigação judicial.
3. Existem decisões judiciais ou administrativas que implicam um claro retrocesso aos padrões interamericanos. Um caso é o uso desproporcionado do direito penal e o direito civil para calar opiniões críticas sobre assuntos de interesse público; outro caso é dado pelo uso abusivo do direito autoral. De mesmo modo, há discussões legislativas que não levam em conta os princípios do SIDH adequadamente. No Equador, por exemplo, a lei de comunicações limita o discurso anônimo. Na Argentina, uma norma pensada para proteger as vítimas da exploração sexual pode acabar habilitando a eliminação de conteúdos lícitos.
4. Existem exemplos de países na América Latina onde os governos bloquearam diretamente conteúdos de interesse público na Internet. Mas também, podem-se encontrar tendências positivas, que nos mostram as oportunidades que existem em matéria de legislações e políticas públicas na região. O Marco Civil da Internet do Brasil é um deles. A recente sentença da Corte Suprema Argentina em matéria de responsabilidade de intermediários é outro.
Nos próximos anos teremos que resolver estas e outras discussões. O sistema interamericano nos fornece ferramentas poderosas para conseguir que o resultado tenha a forma de regulamentações e políticas que respeitem a liberdade de expressão.
*Diretora Adjunta da Associação pelos Direitos Civis (ADC)
Tradução: Ideias & Imagens