Lei de comunicação no Equador: o rosto de uma lei mais democrática
by Digital Rights LAC on julho 17, 2013
A nova lei, que se junta às regulações da matéria em questão existentes na região, conta com alguns acertos, mas tem recebido numerosas críticas por parte da sociedade civil e de organismos internacionais especializados. Possíveis problemas e oportunidades que a futura regulamentação da norma apresenta.
Por Analía Lavin, Asociación para el Progreso de las Comunicaciones (APC).
Até pouco tempo, a regulação em matéria de comunicação em vários países da América Latina e do Caribe se apoiava em uma visão obsoleta dos meios de comunicação, e em muitos casos se ignoravam ou se tratavam superficialmente as mudanças tecnológicas (e, portanto, sociais) vividas pelos nossos países nos últimos anos. Frente a essa conjuntura, o tema adquiriu relevância nas agendas de vários governos; países como Colômbia, Brasil, Argentina, Uruguai e Bolívia propuseram diferentes legislações a esse respeito. Recentemente, o Equador se somou à lista, depois que, no mês de junho, a Assembleia aprovou e o presidente ratificou uma nova Lei Orgânica de Comunicação.
A poucas horas de sua aprovação, vozes críticas se fizeram ouvir tanto em âmbito nacional, quanto em âmbito internacional. As preocupações se focaram, entre outros fatores, na inclusão de figuras como o “linchamento midiático” (entendido pela lei como a difusão de informação destinada a desprestigiar uma pessoa ou uma instituição), que implica limites à investigação de casos de corrupção e que compromete a difusão de informação de interesse público; o desenho institucional que criará dois organismos (a Superintendência de Informação e Comunicação e o Conselho de Regulação e Desenvolvimento de Informação e Comunicação) presidido por um delegado do Executivo que não outorga garantias para uma operação independente desse poder; e a definição de meios públicos como “oficiais”, que enfraquece a possibilidade de desenvolvimento de um real projeto de meios públicos não governamentais.
É importante mencionar, no entanto, que a lei outorga direitos aos cidadãos para protegê-los dos abusos e dos interesses meramente econômicos dos meios e para lhes proporcionar igualdade de oportunidades e condições de acesso e uso. A lei, por sua vez, estabelece um ambiente midiático complementar que reconhece e que tem por objetivo fortalecer os meios comunitários. A partir do que foi estabelecido por lei, a gestão do espectro passa a ser tripartite (ou seja, distribuída equitativamente entre o Estado, os meios privados e os meios comunitários). Finalmente, a lei busca limitar a formação de monopólios e de oligopólios, isto é, a concentração da propriedade dos meios de comunicação nas mãos de poucos.
As críticas à lei também vieram das mesmas organizações da sociedade civil que celebraram seus aspectos positivos. Muitas delas, que têm levado adiante uma campanha por uma lei de comunicação democrática no país há anos, veem com preocupação temas como as ameaças ao anonimato online que surgem a partir do texto da norma. De fato, há artigos que estabelecem que os meios devem solicitar informações pessoais dos usuários que publiquem comentários em seus sites, e que, em caso de omissão dos meios, deverão assumir toda a responsabilidade ali expressada.
De acordo com Alexander Amézquita, da organização equatoriana CIESPAL, os comentários da imprensa constituem um cenário privilegiado para o debate. A perda do anonimato nessas instâncias, segundo ele, afetaria esse tipo de intercâmbio construtivo. Amézquita concorda com Richard Stallman, consultado pelo ativista equatoriano Carlos Correa a propósito da lei: “Sem a opção de se comunicarem anonimamente, muitos cidadãos não se atreveram a expressar suas opiniões políticas. Temeram represálias de seu chefe, de sua família ou de seu Estado”. Pedro Sánchez, secretário executivo da ALER, também condenou as ameaças ao anonimato online implícitas na nova nora e as graves consequências que isso implica para a liberdade de expressão dos equatorianos, e qualificou o artigo que dispõe sobre essas medidas como “totalmente desnecessário”.
Paralelamente, os organismos internacionais dos direitos humanos também fizeram com que suas ressalvas fossem ouvidas. Em comunicado ofial, Frank La Rue, relator especial das Nações Unidas para a Promoção e Proteção da Liberdade de Opinião e Expressão, manifestou sua preocupação com a nova norma. La Rue se referiu a “mecanismos de censura” estabelecidos pela lei, especificamente á criação da Superintendência de Informação de Comunicação, “que claramente vai limitar a liberdade de opinião dos jornalistas acerca de feitos relevantes, de políticas públicas e dos funcionários do país.” De fato, o texto estabelece que a Superintendência será dirigida por um único funcionário indicado pelo presidente, o que impede que funcione de forma autônoma para garantir medidas objetivas.
La Rue também criticou o requisito de diploma para exercer o trabalho de comunicador, uma disposição a qual impede que “o jornalismo possa se desenvolver de forma verdadeiramente independente e com liberdade” e que entorpece os mecanismos para que toda a sociedade possa se expressar em um meio de comunicação. Referiu-se, por sua vez, à ausência de consulta pública no processo de aprovação da lei, o que “contradiz as intenções que o governo manifestara durante o período parlamentar anterior, no qual se reconhecia a necessidade de consulta”.
Por sua parte, a Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão da Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA afirmou que, no marco legal agora vigente, ao se considerar o que foi expressado por qualquer meio de comunicação como um serviço público, “o Estado assume faculdades exorbitantes de regulação sobre o exercício do direito fundamental à livre expressão através do meio que cada um escolher para fazê-lo”.
Em resumo, embora a lei reconheça a comunicação como um direito, assegure a participação de vozes tradicionalmente marginalizadas nos meios e privilegie uma perspectiva de interesse público, a regulação de conteúdos que surge a partir do texto, assim como o fato de que as limitações à liberdade de expressão são assumidas como a regra e não como a exceção, é problemático e ameaça princípios de direitos humanos reconhecidos pelo Direito Internacional. As organizações da sociedade civil que estão participando ativamente nas discussões sobre o tema desde o processo constitucional de 2008 veem a elaboração da lei como uma oportunidade de se clarificar ambiguidades e de se corrigir problemas. É indispensável que se efetivem mecanismos de participação e que se socialize o texto da regulamentação para que os diferentes atores sociais possam abordar seus pontos de vista no sentido de se avançar à promoção de uma lei democrática, consensual e aliada aos padrões internacionais aos quais os países se têm comprometido.
Analía Lavin es parte del equipo de comunicaciones de APC
E-mail: analia (at) apc.org