A vida é beta

by Digital Rights LAC on janeiro 30, 2015

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Brasil: a realidade prática ainda nos coloca em um patamar de opacidade institucional, muito distante de uma situação ideal de transparência. Essa leitura menos otimista pode ser confirmada com números, tanto no plano global quanto no doméstico.

Por Paulo Rená Santarém*

Transparência governamental no Brasil: no caminho certo, mas ainda falta muito

Internacionalmente, o Brasil foi um dos oito países pioneiros da Parceria Governo Aberto (“Open Government Partnership”), lançada em 2011 e que hoje conta com 64 integrantes. Nacionalmente, muita coisa mudou desde que no mesmo ano, com a Lei nº 12.527, o Brazil se tornou o 13º país da América Latina e o 91º no mundo a aprovar uma norma específica para a garantia do acesso à informação.

Todavia, apesar desses resultados diplomáticos e legilstaivos inegáveis, a realidade prática ainda nos coloca em um patamar de opacidade institucional, muito distante de uma situação ideal de transparência. Essa leitura menos otimista pode ser confirmada com números, tanto no plano global quanto no doméstico.

Comparação mundial

No dia 9 de dezembro de 2014 a fundação Open Knowledge Internacional lançou a segunda edição anual do Índice Global de Dados Abertos. Esse ano, o Brasil caiu da 24ª para 26º posição entre os 90 países analisados, embora tenha elevado sua pontuação de 48% para 54%.

Na elaboração do Índice Global de Dados Abertos, são analisadas qualitativamente a existência, a oferta em formato digital, a disponibilidade ao público, a gratuidade, a disponibilidade online, a legibilidade por máquina, a disponibilidade em massa, a abertura da licença de uso e a atualidade dos dados. Esses nove critérios são aferidos em nove áreas específicas: horários dos meios de transporte; orçamento governamental; gastos governamentais; resultados eleitorais; registros de empresas; mapas nacionais; estatísticas nacionais; legislação; códigos postais; emissão de poluentes.

A nova pontuação alcançada pelo o Brasil em relação à situação em 2013, por um lado, melhorou bastante no orçamento governamental, com pontuação 100% (antes 45%). Por outro lado, piorou muito nos códigos postais, com 0% (antes 55%) de transparência nos CEPs. Ainda, duas fortes elevações também ocorreram no registro de empresas (de 10% para 45%) e nos dados sobe emissão de poluentes (de 0% para 35%).

Quanto à queda no ranking, a posição mais baixa se deve inicialmente ao aumento de países avaliados. Se em 2013 eram apenas 60, dos 30 que estreiam na lista 2014, os vizinhos latinoamericanos Chile e Uruguai já entraram à frente do Brasil, respectivamente em 12º e 19º. Mas há outros fatores. Por exemplo, a Índia nos ultrapassou ao elevar seus pontos de transparência de 46% para 68% e, com isso, saltar da 27ª para a 10ª posição.

Avaliação interna

Já para uma perspectiva comparativa doméstica, os primeiros resultados concretos foram divulgados em novembro, no relatório “Estado Brasileiro e Transparência: Avaliando a aplicação da Lei de Acesso à Informação”. O documento foi produzido pela Rede de Auditoria de Transparência (“Transparency Audit Network”), uma iniciativa mantida pela Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro em parceria com o centro de pesquisa Birkbeck da Universidade de Londres, e apoiada pela Open Society Foundations.

A pesquisa buscou medir taxa de respostas, taxa de precisão e prazo médio mediante o envio de 717 pedidos de acesso à informação, aglomerados em dois blocos. Primeiro, em uma avaliação geral, 173 diferentes integrantes da administração pública: de 133 órgão dos Estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, de suas respectivas capitais, do Distrito Federal e da União. Segundo, na avaliação do Poder Judiciário, foram examinados 40 tribunais, incluindo Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça e Tribunal Superior do Trabalho, 5 Tribunais Regionais Federais, 5 Tribunais Regionais do Trabalho e os 27 Tribunais de Justiça de cada Estado e do Distrito Federal e Territórios.

Verificou-se que, em média, não apenas 1 de cada 3 pedidos foi completamente ignorado, como a precisão das respostas, que efetivamente atendem ao pedido, foram de apenas 57% entre os pedidos respondidos em geral, 26% particularmente para o Poder Judiciário. O relatório destaca que alguns órgãos e Tribunais ficaram particularmente abaixo dessa média (Município do Rio de Janeiro com 23%), sinalizando uma grande discrepância na adesão à transparência estatal. As conclusões apontam ainda sinais de que há uma discriminação no processamento dos pedidos em função da existência ou não de um vínculo institucional do requerente: os pesquisadores da FGV levaram em média 17,5 dias para obterem suas respostas, 25,5 dias para os perfis não institucionais.

As descobertas ficam ainda mais graves na avaliação dos desafios institucionais que prejudicam a efetiva implementação da Lei de Acesso à Informação. Diante da ausência de regulamentação a normas claramente ilegais, o relatório traça uma série de recomendações, além de apontar novos caminhos de pesquisa, como investigações junto a outros entes e a própria formulação de mais pedidos de informação pela sociedade civil.

O valor democrático dos dados abertos

Nesse estágio da abertura do acesso à informação no Brasil, muito se pode aprender a partir das experiências de outros países. Podemos começar por observar em detalhe o que fizeram o Reino Unido, primeiro lugar no Índice Global, bem como nossos vizinhos mais bem colocados. Ainda mais simples, podemos disseminar a elaboração de planos, pelos municípios, estados e órgãos públicos em geral, que permitam traçar um caminho em direção ao atendimento dos requisitos objetivos de qualidade dos dados públicos.

Em todo o caso, o passo mais importante pode ser um maior engajamento da sociedade civil no uso dos pedidos de informação. Desde jornais que busquem realizar investigações minuciosas, até indivíduos que queiram saber detalhes de seu interesse privado, passando pelas incontáveis organizações privadas que lidam com pautas específicas: muitas pessoas, físicas e jurídicas, ainda não se deram conta do valor democrático nem se apoderaram dessa ferramenta que são os pedidos de informação e do acesso de maneira geral.

A importância tem pelo menos uma dupla face. De um lado, o controle sobre os governantes permite avaliar o cumprimento dos compromissos de campanha. Com o novo ciclo de mandatos que se iniciam em 2015, saber em números concretos quanto tem sido gasto em cada rubrica é um dos muitos caminhos pelos quais a trilha da transparência permite maior responsabilidade perante os governados. Nessa mesma linha, o exercício do acesso à informação pode ser necessário para examinar se o Estado não tem ele mesmo violado outras garantias fundamentais, tais como a privacidade, o inviolabilidade do sigilo de comunicações, atendimento aos diretos de crianças e adolescentes, celeridade razoável de julgamentos e o respeito à dignidade mínima para presidiários.

De outro lado, a abertura de dados pode ensejar uma intensificação na participação popular nas próprias definições das metas de governo. A partir de um cenário mapeado em suas circunstâncias reais, as demandas sociais podem se condensar com mais referência na realidade e impor uma maior pressão sobre a definição das prioridades do poder público. Diante do leque plural de possíveis necessidades da população, saber quais questões do dia a dia têm sido mais ou menos atendidas pode servir como guia para uma atuação mais eficiente da administração pública na satisfação do bem comum.

O Brasil não está na posição mais confortável em matéria de transparência, mas muitas das dificuldades iniciais já foram ultrapassadas. Precisamos agora dar um segundo passo como nação em direção à concretização da abertura dos dados públicos.

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*Paulo Rená da Silva Santarém, diretor do Instituto Beta Para Internet e Democracia – IBIDEM (@institutobeta), Professor na Faculdade de Direito do Centro Universitário de Brasília – UniCEUB, mestre em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília – UnB, foi gestor do processo de elaboração do Marco Civil da Internet no Ministério da Justiça