Reforma da Gestão Coletiva da Música no Brasil
by Digital Rights LAC on julho 17, 2013
Foi aprovado no Senado Federal brasileiro o projeto de lei que busca reformar a gestão coletiva de direitos autorais sobre obras musicais. Após contínuas mobilizações por parte da sociedade civil, o Projeto que estabelece a necessidade de uma maior transparência do órgão central de gestão coletiva aguarda agora aprovação na Câmara dos Deputados.
Por Pedro Belchior, Mariana Valente y Eduardo Magrani, Centro de Tecnologia e Sociedade.
Tema absolutamente controverso na área dos direitos autorais, a gestão coletiva tem gerado descontentamento por parte de autores, artistas e usuários de obras musicais há décadas. No Brasil, a parte mais satisfeita é o próprio Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD), órgão responsável pela arrecadação e distribuição de direitos referentes à execução pública das músicas e detentor de monopólio legal para o exercício da atividade.
No último dia 03.07.13, o Brasil deu um passo significativo para a reforma do sistema de gestão coletiva. Foi aprovado por unanimidade o relatório do substitutivo do Projeto de Lei do Senado nº 129/2012 na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado Federal, seguido pela aprovação de um pedido de urgência, que encaminhou o Projeto de Lei do Senado (PLS) 129 diretamente para a sessão plenária do Senado, que o aprovou ao final do dia. O PLS segue agora para a Câmara dos Deputados para apresentação de relatório e votação. Uma vez aprovado pela casa, dependerá apenas da sanção da Presidente da República.
Mas a história e a mobilização por trás do PLS 129 é antiga. No início da década de 90, quando o Brasil era presidido por Fernando Collor de Mello, foi desativado o Conselho Nacional de Direito Autoral (CNDA), órgão então responsável por fiscalizar o ECAD. Poucas décadas de um monopólio legal sem regulação e supervisão foram suficientes para criar um sistema distorcido e obscuro.
Diante do contexto gerado pela gestão temerária do ECAD, distintas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) foram instauradas em âmbito nacional e estadual– uma na Câmara dos Deputados (1995/96), e três nas Assembleias Legislativas do Mato Grosso do Sul (2005), de São Paulo (2009) e do Rio de Janeiro (2011). Nessas investigações, foram apontados crimes de falsidade ideológica, sonegação fiscal, apropriação indébita, enriquecimento ilícito, formação de quadrilha, formação de cartel e abuso de poder econômico, mas isso não levou a maiores consequências.
No ano de 2011 foi, então, instaurada uma CPI no Senado Federal para investigar novamente o ECAD. Presidida pelo Senador Randolfe Rodrigues (PSOL/AP) e relatada pelo Senador Lindbergh Farias (PT/RJ), a CPI levantou irregularidades e crimes dos mais diversos, dentre os quais a expulsão arbitrária de associações dos quadros do ECAD, a substituição injustificada do serviço de auditoria contratado, o pagamento de prêmios aos funcionários por participação nos resultados, a distribuição entre executivos do ECAD de valores originalmente referentes a honorários advocatícios de sucumbência, a apropriação indevida de créditos não distribuídos e formação de cartel, dentre outros.
O relatório, ao evidenciar as irregularidades e os crimes cometidos, forçou a tomada de posições efetivas por parte da classe artística brasileira e dos usuários de música. Como resultado, foi elaborado o Projeto de Lei do Senado de nº 129/2012, com o objetivo de estabelecer condições ao exercício das prerrogativas conferidas ao ECAD pela legislação nacional.
Meses após sua apresentação ao Senado, mudanças conjunturais trouxeram o PLS 129 de volta à pauta: a modificação no Ministério da Cultura, com a nova ministra Marta Suplicy e a consequente volta do antigo Diretor de Propriedade Intelectual, Marcos Souza, aliadas à nova liderança para a cultura na Câmara dos Deputados. Assim, articulado pelo GAP, grupo composto por artistas e outros agentes do cenário musical nacional, o PLS 129 foi encaminhado para a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado, e reformado por seu relator, senador Humberto Costa (PT-CE).
O passo definitivo para o projeto ser encaminhado foi a articulação da iniciativa “Procure Saber”, capitaneada por outros artistas nacionais de grande renome. Como resultado o PLS 129 foi aprovado por unanimidade na CCJ, seguido pela aprovação de regime de urgência, que culminou com a aprovação do projeto em sessão plenária do Senado Federal na noite do dia 03.07.
O substitutivo do PLS 129 manteve algumas e alterou outras das disposições do projeto anterior. As cinco frentes eleitas para a fundamentação do substitutivo mantiveram-se as mesmas: Transparência, Eficiência, Modernização, Regulação e Fiscalização. Em alteração à versão anterior, não há previsão de uma lei em apartado para a gestão coletiva, mas de alterações na atual Lei de Direitos Autorais, para evitar dispersão de esforços legislativos. Outra previsão do substitutivo é tornar o Ministério da Cultura o gestor da habilitação e fiscalização das associações de gestão coletiva de direitos autorais. A versão anterior, devido a circunstâncias políticas, dava ao Ministério da Justiça tal incumbência.
O novo PLS 129 abandona a ideia inicial de segmentar a atuação das associações por categorias de direitos, além de prever que as associações passem a ter de comprovar sua administração efetiva e regular, prevendo-se procedimentos que respeitem o contraditório e a ampla defesa nas hipóteses de penalizações por má gerência. O próprio ECAD passa a ser alvo de obrigações e deveres mais claros, no sentido de garantir a transparência e a eficiência exigidas pelos artistas e pelos usuários de obras musicais. Por exemplo, o novo ECAD deverá gerir um cadastro único de obras, pleito antigo dos atores do segmento musical, e ao usuário e aos artistas será possibilitado o acompanhamento constante e permanente dos dados relativos à execução pública de suas obras.
Outros pontos relevantes dizem respeito à taxa de administração das associações, de forma que o titular de direitos receba ao menos 85% dos valores arrecadados; à limitação aos mandatos dos dirigentes das associações; e ao direito igualitário ao voto, de forma a impedir assimetrias de poder entre as associações.
O projeto de lei foi aprovado somente no Senado Federal, podendo, portanto, ser ainda alterado e distorcido por forças políticas diversas. É imprescindível que os esforços continuem focados: o próximo passo é a aprovação do PLS 129 na Comissão de Cultura da Câmara, presidida pela Deputada Jandira Feghali. O histórico da Deputada, a conjuntura política e as negociações que vêm sendo desenhadas nos bastidores do Congresso apontam para uma possível aprovação, embora nada esteja decidido.
Aprovado o relatório na Comissão, espera-se que seja pedido e aprovado regime de urgência, ante a importância do tema e aos efeitos perversos da perpetuação da situação vislumbrada hoje no Brasil. Aprovada a urgência, como ocorreu no Senado, o PLS 129 poderá ser levado à votação em sessão plenária. Entretanto, o PLS poderá ser sensivelmente atrasado se forem apresentadas emendas e alterações, o que ensejará nova apreciação no Senado.
De forma paralela, espera-se que a Presidente da República atente para a movimentação de artistas e sociedade civil e sancione a lei, além de tomar as medidas necessárias para a (re)criação de uma entidade que se dedique à supervisão da atuação do novo ECAD.
Desta forma, a aprovação do PLS 129 no Senado representa um grande avanço, mas ainda é imprescindível a mobilização e o acompanhamento do processo de votação e aprovação final do projeto, com extrema atenção a quaisquer mudanças que se possam fazer longe dos olhos daqueles diretamente interessados na reforma.
Eduardo Magrani, Mariana Valente y Pedro Belchior, investigadores del Centro de Tecnología y Sociedad (CTS)
E-mail: eduardomagrani (at) gmail.com; pedrobelchiorcosta (at) gmail.com