A OMPI favorecendo a adoção de um Tratado para agências de radiodifusão
by Digital Rights LAC on março 1, 2014
Na semana de 14 a 20 de dezembro de 2013 foi realizada a 26ª Sessão do Comitê Permanente de Direitos Autorais e Conexos (SCCR26) na sede da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) em Genebra, Suiça. Esta sessão dedicou a sua discussão a várias propostas de mecanismos internacionais para a criação de radiodifusoras, bibliotecas e registros, e centros educativos e de investigação.
Por Amalia Toledo
A SCCR26 promoveu uma discussão extensa e exaustiva que terminou pouco antes da meia-noite da sexta-feira, 20 de dezembro, nos deixando com a sensação que a OMPI está pronta e disposta a promover, com muita pressa, a adoção de um tratado vinculante para a proteção dos debatíveis direitos autorais das radiodifusoras. Por outro lado, a proteção do interesse público se mostrou ainda tímida e desconexa. O que significa que qualquer futuro instrumento para bibliotecas e registros – sem falar de para centros educativos – vai precisar de um impulso que por enquanto não existe.
Projeto de tratado para radiodifusoras
O projeto de tratado para radiodifusoras, a nosso ver, nasce com um revés importante (objeto da discussão da sessão de dezembro): o escopo da sua aplicação. De acordo com o projeto de tratado, o escopo da aplicação deste instrumento seria a proteção do sinal transmitido pelas agências de radiodifusão, de difusão a cabo, e potencialmente de difusão pela Internet. Um novo “direito” que se estenderia por um período de 50 (cinquenta) anos de proteção. Talvez mais importante ainda, é o fato que este novo “direito” estaria afetando o uso de conteúdos ou obras protegidas sobre as quais, muitas vezes, a agência de radiodifusão não possui direitos autorias nenhuns. Com isto, o tratado poderia afetar, perigosamente, a liberdade de expressão e a inovação na Internet. Pensemos, por exemplo, em uma obra de domínio público é transmitida para uma agência de radiodifusão. Dada a “proteção” que este tratado criaria, tal agência poderia proibir a retransmissão de uma obra cujos direitos autorias tivessem expirado, impedindo que qualquer usuário ou usuária possa retransmitir tal conteúdo para uso pessoal.
Como já mencionamos, este tratado está sendo discutido em ritmo acelerado, com o intuito de o adotar definitivamente em uma Conferência Diplomática celebrada em 2015. Mas antes que isto aconteca, os Estados Membros terão que entrar em acordo sobre se o tratado incluirá ou não todas as formas de radiodifusão por Internet, ou só a radiodifusão produzida por mecanismos tradicionais. Da perspectiva da sociedade civil, o interesse público e o dos consumidores, o cenário não é encorajador. A grande maioria dos Estados Membros tem uma atitude favorável a este tratado, sobretudo o México e a Colômbia, seus grandes defensores na região latino-americana. E do plenário, são muito poucas as organizações que apresentam uma visão alternativa e/ou contrária. Neste contexto, no entanto, destaca-se a ONG Knowledge Ecology International que tem sido enfática em alegar que a necessidade do tratado ainda não foi demonstrada, nem as suas implicações econômicas. Uma reclamação que não é trivial, se pensarmos que o projeto de tratado é contrário ao próprio direito autoral, uma vez que o objeto do direito é o sinal de transmissão, e não as obras que esta contém.
Diante de tal cenário, a alternativa para a sociedade civil será levantar alarmes para chamar atenção para uma futura adoção e implementação deste projeto de tratado a nível nacional.
Garantias para bibliotecas e registros
A SCCR26 recebeu de forma menos entusiasmada a discussão de um mecanismo de reconhecimento dos direitos das bibliotecas e registros de copiar, fornecer, preservar, etc., documentos e obras. Basicamente, um mecanismo que permitiria que as bibliotecas e registros exercessem suas funções legalmente.
No entanto, em contraste com o ponto anterior, durante os dois dias dedicados a este tema o debate baseou-se em vários pontos de vista. A postura dos países desenvolvidos e das organizações que representam os titulares de direitos foi claramente identificável: a função das bibliotecas e registros é indiscutivelmente importante, mas não há necessidade de criar um novo instrumento jurídico vinculante. Argumentaram que o marco legal internacional já é bom o suficiente. Em troca, ofereciam uma via menos jurídica: um intercâmbio de experiências, assistência e cooperação. A solução mais extrema foi apresentada pela União Europeia, pedindo a concessão de licenças.
Por outro lado, aqueles que promoveram um tratado vinculante nesta questão foram, na maioria, os Estados latino-americanos e africanos, juntamente com agências da sociedade civil que representam o interesse público e defendem uma abordagem de direitos humanos. Dentro deste grupo, foi comum ouvir o recém-aprovado Tratado de Marrakesh ser citado como exemplo de como o direito internacional pode remediar desigualdades criadas pelo direito autoral. Em um panfleto informativo preparado pela International Federation of Library Associations (IFLA), fica evidente o desiquilíbrio existente em matéria de tratados internacionais sobre direitos autorais: 7 (sete) ferramentas que beneficiam os titulares, versus um único tratado a favor do interesse público.
Mesmo assim, este grupo afirmou que o direito internacional é uma ferramenta para ajustar e influenciar as legislações nacionais, portanto, um tratado deste tipo é de importância vital. Neste sentido, a Fundação Karisma teve a oportunidade não só de expressar as preocupações das bibliotecas e dos registros colombianos, como de chamar atenção ao fato dos acordos comerciais entre Estados estarem desgastando as capacidades nacionais de implementar suas próprias legislações.
Para resmir
Sem dúvida, a mesa está posta para o projeto de tratado para agências de radiodifusão. O ano de 2014 testemunhará uma discussão desesperada e densa a favor dos “direitos” das radiodifusoras. A agenda da próxima sessão, que acontecerá entre 28 de abril e 2 de maio, foi organizada da seguinte forma: 2.5 (dois e meio) dias para as radiodifusoras, 2 (dois) dias para bibliotecas e registros, e meio dia para centros educativos. No entanto, tudo indica que os delegados a favor do tratado para radiodifusoras sairão com o final da sua discussão, diminuindo o tempo do debate de bibliotecas e registros a um dia e meio. Sendo esta uma situação pouco favorável para adiantar o documento sobre bibliotecas e registros.
Na Fundação Karisma, esperamos regressar à OMPI, com o intuito de seguir mostrando o nosso apoio ao desenvolvimento de uma futura ferramenta para bibliotecas e registros, e para deixar claro que um tratado para agências de radiodifusão é uma ameaça aos nossos direitos humanos mais básicos.