A Suprema Corte argentina e uma decisão eminente sobre a responsabilidade dos intermediários

by Digital Rights LAC on maio 28, 2014

intermediariosinternetNo último dia 21 de maio, a Suprema Corte argentina ouviu amigos do tribunal em uma causa que encara o modelo profissional Belén Rodríguez contra Google e Yahoo!. Trata-se de um caso em que o tribunal vai deliberar sobre uma questão chave para a liberdade de expressão na Internet: a responsabilidade de intermediários pelos conteúdos produzidos por terceiros.

Por Ramiro Álvarez Ugarte*

Uma das características principais da Internet é o seu caráter descentralizado: trata-se de uma rede global de milhões de terminais que se conectam entre si e através da qual circula a informação. Este caráter descentralizado faz com que seja impossível navegar a rede sem a assistência de índices que registrem e classifiquem o seu conteúdo. Os motores de busca fazem exatamente isso: funcionam como intermediários entre os usuários e a informação que eles não sabem que existe. Através de sistemas automatizados de busca, estes motores indexam o conteúdo amplo da rede e o oferecem em forma de resultados de busca, que são organizados em função de uma relevância relativa designada pelo algoritmo que utilizam para classificar a informação.

Muitos países têm optado por não responsabilizar os motores de busca por esta atividade de indexação automática. Se o fizessem, criariam incentivos para que estas empresas monitorassem e filtrassem aqueles conteúdos que acreditassem poder acarretar responsabilidades legais. E isso faria da Internet um espaço mais fechado e controlado pelos grandes atores que têm, precisamente, esta capacidade de controle.

É precisamente este risco de censura privada que os sistemas de responsabilidade limitada estabelecidos pelo Communications Decency Act ou o Digital Millennium Copyright Act dos Estados Unidos procuram evitar, a Directiva de Comércio Electrónico do Parlamento Europeu também o recomenda e, de certa forma, é o que o Marco Civil busca fazer no Brasil.

O caso que será resolvido em breve pela Suprema Corte argentina é consequência direta da falta de regulação da matéria e da aplicação de velhos princípios sobre responsabilidade civil a um ambiente digital que os há deixado obsoletos. Como documentado pela Associação pelos Direitos Civis, existe uma enorme quantidade de casos na Argentina que seguem a mesma lógica do caso Rodríguez. Modelos, atrizes e cantoras processam os motores de busca porque páginas de terceiros vinculam seus nomes a sites com conteúdo sexual e pornográfico. E assim obtêm reparações consideráveis, seja pela aplicação de critérios de responsabilidade objetiva ou subjetiva. Assim, os juízes argentinos criam, por via judicial, os incentivos que outros países querem evitar por via legislativa.

O critério que deveria se ampliar é o da não responsabilização, e é o que foi sugerido por amicus curiae apresentados por organizações de direitos humanos que lidam com questões vinculadas à tecnologia. Assim, a ADC no caso Da Cunha, a Fundação Via Livre, e a CELE da Universidade de Palermo no caso Rodríguez assinalaram os problemas para a liberdade de expressão que implica atribuir responsabilidade aos intermediários. Outros amicus na audiência do último dia 21 de maio também apontaram o mesmo, embora houvessem alguns que apoiassem a postura do projeto. Cabe destacar, neste último sentido, a opinião da Direção Nacional de Proteção de Dados Pessoais, que alegou que os motores de busca fazem um tratamento de dados pessoais e, como tal, devem submeter-se à Lei de Proteção de Dados Pessoais.

É o que sugere não só o direito comparado como também, em um sentido mais relevante, os relatórios das Nações Unidas sobre a questão e o relatório da CIDH sobre a Internet e Liberdade de Expressão. A Suprema Corte argentina, tal como muitos tribunais da região, presta muita atenção no direito internacional e nos direitos humanos. E claramente esta se inclina para a não responsabilização dos intermediários.

Geralmente, a Suprema Corte emite a sentença alguns dias ou semanas depois das audiências públicas. Por isso cabe esperar, em breve, uma decisão do tribunal sobre uma das questões mais relevantes para o futuro da liberdade de expressão na Argentina e na região.

* Ramiro Álvarez Ugarte é Diretor das Áreas de Acesso à Informação Pública e Privacidade da Associação pelos Direitos Civis (ADC).