A Corte Argentina e uma sentença chave sobre responsabilidade de intermediários da Internet

by Digital Rights LAC on novembro 29, 2014

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A Corte Suprema Argentina finalmente informou sua sentença sobre a responsabilidade dos buscadores de Internet pelo conteúdo gerado pelos usuários. A Corte resolveu com princípios robustos uma questão que havia gerado uma jurisprudência contraditória e –em muitos casos- problemática no país.Embora restem aspectos que deverão ser delimitados a partir de uma regulamentação.

 

Por Eleonora Rabinovich*

O caso iniciou em razão da demanda da modelo Belén Rodríguez contra o Google e o Yahoo! pelos vínculos realizados a seu nome em vários sites e pelo “mau uso” de sua imagem. Na Argentina tramitam mais de 150 casos deste tipo. Geralmente, nestes casos os autores pedem a eliminação dos vínculos entre seu nome ou imagem e os sites que supostamente os difamaram. Em alguns casos buscam uma compensação econômica por danos. Até o momento têm ocorrido algumas decisões sobre a questão de fundo: a maior parte da jurisprudência desenvolvida é relacionada às medidas cautelares que ordenam eliminar os resultados das buscas que os autores consideram violadoras de seus direitos.

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O caso, então, era decisivo para resolver uma das questões mais relevantes sobre liberdade de expressão na Internet, em debate no mundo inteiro. A Corte assim entendeu e até havia convocado para uma audiência pública para ouvir –e perguntar- para as partes e aos “amigos do tribunal”. Qual era o cerne da questão? Para publicar, buscar e receber informação, os usuários precisam de vários intermediários -provedores de acesso, buscadores, administradores de plataformas, dentre tantos outros- que se tornam agentes cruciais dentro da arquitetura aberta e descentralizada da Internet. Os buscadores, em particular, são intermediários necessários no fluxo de informação: sem eles, somente poderíamos acessar a informação que sabemos que existe. A pergunta chave é se os referidos intermediários devem ser responsáveis pelos conteúdos publicados pelos usuários, e em que medida ou sob quais condições. Os buscadores têm um poder excessivo pelo seu caráter de intermediários necessários: uma democracia deve se preocupar de não incentivá-los, através de um regime de responsabilidade, a exercer esse poder de um modo que limite o debate público na Internet.

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Neste sentido, a decisão da Corte assenta alguns princípios importantes. Em primeiro lugar, a Corte sustenta –de modo categórico- que não pode ser atribuída responsabilidade objetiva aos intermediários da Internet, como pediam os autores. A Corte rejeita a aplicação de um regime de responsabilidade que atue independentemente da conduta do intermediário -por exemplo, devido ao “risco” da atividade- já que imporia um dever de vigilância que não é compatível com os princípios de direitos humanos. Aplicar um regime de responsabilidade objetiva aos buscadores, dizem os juízes, seria como responsabilizar à biblioteca, que através de seu catálogo permite localizar um livro com conteúdo ilícito. E são categóricos: um regime assim viola a liberdade de expressão.

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Contudo, a Corte sustenta que os intermediários podem ser responsabilizados por um conteúdo que lhe seja alheio com base em um fator de atribuição subjetivo, quando tenham tomado “conhecimento efetivo” da ilicitude e – a partir dessa notícia- não tenham agido de modo “diligente”. E, como os intermediários tomam “conhecimento efetivo”? Os modelos de regulamentação variam sobre este ponto: alguns, como a (questionada) Digital Millenium Copyright Act dos Estados Unidos, habilitam a baixa de conteúdos diante qualquer notificação de um particular que alegue infrações a seus direitos autorais. Outros, como o Marco Civil da Internet do Brasil ou a legislação de direitos autorais do Chile dispõem como regra o padrão de notificação judicial, que é o estabelecido pelos órgãos do sistema interamericano e universal de direitos humanos.

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A Corte Argentina opta por fazer uma distinção. A princípio, o aviso deve provir de uma autoridade judicial ou administrativa competente que – após ponderar os direitos em jogo- defina que um conteúdo é ilícito e deve removido. Contudo, nos casos de “ilicitude manifesta”, abre-se a porta para as notificações privadas. A Corte dá alguns exemplos destes conteúdos (pornografia infantil, apologia ao genocídio ou incitação à violência, “montagens de imagens notoriamente falsas” etc.), em uma enumeração não taxativa que gerou algumas críticas pelos problemas que pode trazer na hora de ser aplicada. Uma regulamentação legal deverá elucidar estas incertezas, mas sem dúvidas há que ler estes casos restritivamente, à luz dos mesmos princípios de liberdade de expressão gerados pela Corte Argentina e o sistema internacional de direitos humanos.

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Por outro lado, o caso Rodríguez também é importante já que nele se discutia a questão do direito à imagem vinculado ao serviço de busca de imagens do Google. A Corte considerou que se aplicam aos thumbnails (as imagens em miniatura) os mesmos princípios de responsabilidade antes expostos. Finalmente, a maioria da Corte –com a chamativa dissidência de dois juízes: Lorenzetti, o presidente da Corte, e Maqueda- afirmou que não é possível estabelecer uma tutela preventiva sobre os conteúdos da Internet. Ou seja, as medidas cautelares que ordenam a remoção de conteúdos devem ser deixados para casos absolutamente excepcionais, já que pesa sobre elas uma forte presunção de inconstitucionalidade.

Definitivamente, a sentença da Corte constitui um precedente valioso, cujo impacto certamente será estendido sobre a jurisprudência e as discussões regulatórias da região.

*Diretora Executiva da ADC