A Argentina e o progresso para o modelo multissetorial
by Digital Rights LAC on maio 28, 2014
Durante a reunião da NETmundial sobre o Futuro da Governança da Internet, que foi realizada no mês passado no Brasil, a Argentina anunciou a criação de um órgão nacional para propor estratégias de Governança da Internet. Tratou-se de uma declaração à qual não foi dada muita ênfase pela delegação argentina, o secretário de comunicações Norberto Berner nem sequer mencionou o tema no seu discurso de abertura.
Ramiro Álvarez Ugarte*
De qualquer maneira, é um fato muito relevante. Através da Resolução 13/2014, a Secretaria de Comunicações da Argentina criou a Comissão Argentina de Políticas de Internet (CAPI). Trata-se de um espaço que parece ser o primeiro passo da Argentina para um modelo multissetorial de governança. Mas tudo indica que o processo será lento.
Na verdade, o primeiro passo da CAPI será elaborar um Regulamento de Funcionamento Interno cujo objetivo será “articular a participação dos diversos atores e desenhar uma estratégia nacional sobre a Internet e a sua governança”. E o primeiro passo será determinar posições internas do Estado. Será este processo interno que a CAPI em seguida abrirá para outros setores, o que é necessário para um verdadeiro modelo multissetorial de governança.
Estes modelos são complexos: a incorporação de diferentes atores leva, necessariamente, ao questionamento da lógica por trás do modelo de ação e representação de cada um deles. E, por enquanto, houve sinais contraditórios do Estado. De fato, Berner reconheceu a complexidade do processo e a autonomia de cada setor para definir a sua forma de atuação quando disse – em uma entrevista com um jornal – que “o primeiro desafio é definir quem são, na Argentina, as múltiplas partes interessadas”. E destacou que “o primeiro passo é definir este universo e com que teoria da representação vamos operar. Mas atenção: cada setor tem de escolher os seus constituintes, que então irão falar na CAPI. Isto não sou eu que vou escolher.”
A definição é interessante porque compreende a autonomia relativa de cada setor, um elemento necessário para que o modelo multissetorial de governança funcione como deveria. Mas outras definições de Berner geraram certas precauções. Por exemplo, Berner apontou que será necessário “sair em busca de todas as associações que se relacionam com a Internet, mas sobretudo as que tenham a representação de usuários”, o que contradiz a autonomia relativa que tinha sido observado anteriormente. E também é problemático que certos atores – como as empresas Fibertel – foram excluídos antes que o processo de deliberação sequer tenha iniciado.
De qualquer forma, a Argentina não está se inovando: o modelo multissetorial demora vários anos de funcionamento a nível internacional e local. Trata-se de criar um procedimento de deliberação e ação amplo e inclusivo, no qual todos os agentes relevantes estão envolvidos na hora de estabelecer a regulação de um bem comum como a Internet. A Argentina parecer ter dado o primeiro passo neste sentido.
*Ramiro Álvarez Ugarte é Diretor das Áreas de Acesso à Informação Pública e Privacidade da Associação pelos Direitos Civis (ADC).