IGF 2013: Sociedade civil, direitos humanos e vigilância
by Digital Rights LAC on novembro 22, 2013
Por Gloria Meneses e Amalia Toledo
Dois meses depois da Reunião Preparatória Regional de Governança da Internet na Argentina, ocorreu, entre os dias 22 e 25 de outubro, em Bali, Indonésia, o oitavo Fórum Global de Governança da Internet, um evento organizado anualmente pelas Nações Unidas para fomentar o diálogo sobre a governança da Internet entre os setores público e privado, os acadêmicos e a sociedade civil.
O tema que marcou o oitavo Fórum Global de Governança da Internet (IGF, em inglês) foi a “Construção de Pontes – Melhorando a Cooperação Multistakeholder para o Crescimento e o Desenvolvimento Sustentável”. O propósito foi precisamente tentar encontrar o terreno comum dessas relações multistakeholder (isto é, entre múltiplos atores), a partir do qual são avaliadas questões complexas acerca da governança da Internet (e.g.: sustentabilidade, solidez, segurança, estabilidade, desenvolvimento, etc.).
No entanto, este não foi o único tópico de análise. Pela primeira vez na história do IGF, os direitos humanos constituíram um eixo central dos debates. A participação da sociedade civil foi muito importante para a inclusão deste tema na pauta. Não é segredo para ninguém que este setor tem desempenhado um papel fundamental na luta pela proteção dos direitos digitais, por uma Internet livre, pelo acesso aberto e por muitos outros temas relacionados com a rede e com os direitos humanos. Tudo indicava que o IGF necessitava de um diálogo multistakeholder sobre as ameaças aos direitos humanos no mundo online.
Por outro lado, as preocupações com as constantes violações, na rede, aos direitos à liberdade de expressão, à privacidade, ao anonimato, entre outros, representadas por ameaças e ataques a jornalistas, ativistas e blogueiros, também ecoaram em várias sessões. Tal situação tem se expressado na perda de confiança, por parte dos cidadãos, nos governos e nos provedores de serviço de Internet em geral (ISP, em inglês). Poderão os Estados e os ISP recuperar essa confiança em um futuro próximo? Será a garantia dos direitos humanos na Internet a maior luta das organizações da sociedade civil nos futuros IGF? Respostas para perguntas como essas não poderão ser encontradas enquanto não houver um compromisso firme por parte de todos os atores sociais no que diz respeito aos direitos humanos na Internet.
Complementando a situação descrita anteriormente, o tema da vigilância em massa dos cidadãos merece destaque. As informações reveladas por Snowden foram cruciais para o debate acerca das implicações da vigilância sem controle das comunicações online aos nossos direitos humanos. O programa de espionagem da NSA foi objeto de fofoca nas sessões e nos corredores. Não foi por menos que este tema se tornou o segundo grande foco das discussões. Tanto é assim que até alguns artigos da imprensa internacional se referiram ao tema da vigilância no IGF como “an elephant in the room” (“um elevante no quarto”, expressão em inglês que aponta para a existência de um problema visível que, no entanto, foi negligenciado).
A delegação do governo dos EUA estava decidida a tentar melhorar sua imagem como protetor dos direitos humanos nos ambientes digitais. Nesse contexto, foi comum escutar os funcionários estadunidenses minimizando as críticas acerca do programa de espionagem da NSA. Defenderam-se usando frases como “todos adotam práticas desse gênero” e “nenhum governo é perfeito”. Também asseguraram que os EUA não utilizam a coleta de dados para reprimir cidadãos de outros países. A isso, adicionaram que não existem razões fundamentadas em argumentos sociais, religiosos ou políticos que os motivassem a fazer a coleta. Esses argumentos não foram capazes de convencer inteiramente os presentes.
Os ISP, por sua vez, se mostraram preocupados com a perda de confiança dos usuários depois das revelações feitas por Snowden. Porém, não falaram muito sobre sua responsabilidade, e tampouco aludiram às práticas empresariais internas que põem em risco os direitos humanos dos cidadãos.
Em contrapartida, para a sociedade civil, o IGF serviu de plataforma para desafiar essas posturas, para exigir prestação de contas e para transparência. Nesse sentido, por exemplo, a Internet Engineering Task Force (IETF) expressou que a vigilância das comunicações online requer a atenção de todos os possíveis atores envolvidos. Só assim seria possível passar ao próximo estágio da Internet: uma rede segura e aberta, que permita uma efetiva proteção e um verdadeiro exercício dos direitos humanos. A IETF, portanto, fez um chamado às comunidades técnicas não só para criar mais ferramentas que ajudem a assegurar a privacidade dos usuários da Internet, como também para permitir o funcionamento da própria sociedade. A sociedade civil, por sua vez, insistiu que os treze princípios sobre a aplicação dos direitos humanos à vigilância das comunicações fossem utilizados para desenvolver programas de vigilância estatal a partir da perspectiva dos direitos humanos.
Nesse contexto, vale a pena destacar o chamado da delegação do governo brasileiro e da Corporação da Internet para Atribuição de Nomes e Números (ICANN, em inglês), relativo à celebração de uma Cúpula Internacional de Governança da Internet no Brasil, no próximo ano. De acordo com o Ministro das Comunicações do referido país, o objetivo desse evento é encontrar um novo modelo – mais neutro – de governança da Internet. Isso corresponde à indignação do governo brasileiro com as práticas de espionagem da NSA voltadas para os seus cidadãos e para os seus governantes. Ainda não sabemos a data exata nem a cidade que sediará o evento. Tampouco sabemos se será possível definir um modelo que melhore o atual. Contudo, esperamos uma versão melhorada do modelo multistakeholder no que tange às contribuições que cada ator pode trazer para o desenvolvimento de uma Internet mais aberta, segura, multilateral e calcada no respeito aos direitos humanos.
A manera de conclusión vale la pena resaltar la cada vez más relevante posición de la sociedad civil en esta plataforma multistakeholder. No solo su trabajo ha conseguido posicionar temas como los antes mencionados, sino también su participación es cada vez más fuerte y creciente. Como muestra tenemos que el 46% de los participantes del IGF provenía de este sector. Este porcentaje no es para nada despreciable si tenemos en cuenta que el restante se distribuye entre gobiernos, sector privado, comunidades técnicas, medios de comunicación y organizaciones intergubernamentales. Con toda probabilidad en años venideros seremos testigos de la significación que esto tendrá en el Foro. Mientras tanto, hay que reconocer que el IGF ofrece un espacio de participación en igualdad de condiciones en donde la sociedad civil tiene voz y una muy alta.
Por fim, vale a pena ressaltar a posição cada vez mais relevante da sociedade civil na construção da referida plataforma multistakeholder. Isso é comprovado pelo fato de parcela significativa dos participantes do IGF (46%) ter sido formada por integrantes desse setor, ao passo que a porcentagem restante se distribuiu entre vários outros atores, como governos, setor privado, comunidades técnicas, meios de comunicação e organizações intergovernamentais. Muito provavelmente, nos próximos anos, seremos testemunhas da magnitude de tal fato para o Fórum. Enquanto isso, deve-se reconhecer que o IGF oferece um espaço de participação paritária dentro do qual a sociedade civil é capaz de fazer sua voz ser ouvida com clareza.
Gloria Patricia Meneses é colaboradora no projeto de Governança da Internet da Fundação Karisma, ativista do RedPaTodos e membro da comunidade Mozilla. Twitter @gpmeneses
Amalia Toledo é colaboradora do grupo Direitos, Internet e Sociedade da Fundação Karisma e da Fundação pela Liberdade de Imprensa (FLIP). Twitter: @amalia_toledo