Hacking Team no Chile: Será que o software cumpre os padrões mínimos de legalidade estabelecidos no sistema jurídico chileno?
by Digital Rights LAC on agosto 24, 2015
A Polícia de Investigações do Chile (PDI) confirmou a compra de um moderno spyware da empresa italiana, justificando que é uma ferramenta para combater a atividade criminosa altamente organizada. É proporcional a utilização de um programa de computador deste tipo?
Por Valentina Hernández, ONG Derechos Digitales
No último 6 de julho, a Polícia de Investigações do Chile (PDI) confirmou a aquisição do software “Phantom” da Hacking Team. O esclarecimento foi feito após um grupo de hackers ter infringido o sistema da empresa italiana e vazado 400 GB de informações, incluindo vários e-mails detalhando a transação. A PDI justificou a compra como parte de um plano para aumentar as suas capacidades operacionais na investigação do crime organizado, do terrorismo internacional e do tráfico de drogas em grande escala.
Phantom é uma variação do Sistema de Controle Remoto, o carro-chefe da Hacking Team, e corresponde ao que é conhecido como Cavalo de Troia: Um software malicioso que se apresenta ao usuário como um programa aparentemente legítimo e inofensivo, mas que, quando executado, proporciona ao invasor o acesso remoto ao dispositivo infectado, podendo ser computadores ou smartphones.
O programa é capaz de coletar e-mails, ativar a câmera ou microfone desses dispositivos e acessar seus arquivos, inclusive aqueles que foram excluídos, entre muitas outras funções. A grande capacidade invasiva do software imediatamente levanta a questão: será que ele obedece às normas mínimas de legalidade estabelecidas no sistema jurídico chileno?
O Código de Processo Penal e certas leis especiai (Lei Anti-Terrorismo, Lei de Drogas ou a Lei da Agência Nacional de Inteligência) contemplam e permitem, na investigação de determinados crimes, o exercício de esforços investigativos que violam os direitos e as liberdades fundamentais dos sujeitos investigados, desde que cumpram uma série de pré-requisitos. Incluindo a necessidade de autorização judicial prévia para a execução de tal medida.
O Phantom é legal?
O artigo 9º do Código de Processo Penal, intitulado “Autorização judicial prévia” exige que o Ministério Público solicite ao Juiz das Garantias permissão para executar um gerenciamento de investigação que prive, perturbe ou restrinja direitos fundamentais. Dada a ferramenta altamente intrusiva, esta gestão é inevitável.
Mas entre os e-mails vazados (e depois indexados pelo Wikileaks) há um que chama a atenção. Trata-se de uma troca de mensagens entre a Hacking Team e Jorge Lorca, representante da Mipoltec, empresa que atua como uma intermediária entre os italianos e a polícia. No e-mail em questão, Lorca explica que a ferramenta será utilizada como “suporte para obter dados IP dos clientes e acesso à informação que não seria obtido através de uma ordem judicial.”
Esta informação contradiz expresamente o que foi dito pela própria PDI em sua declaração pública, e se isso é verdade, é uma violação capital dos direitos constitucionais dos chilenos e um completo desrespeito ao devido processo.
Infelizmente, não seria a primeira vez que a PDI age à margem da lei para obter informações no exercício das suas funções, violando o direito à privacidade (como visto neste caso de 2012 e neste de 2014).
O Phantom é proporcional?
É difícil dar uma resposta jurídica sem conhecer detalhes* dos casos em que esta ferramenta tem sido usada. Preliminarmente, e só a partir da vasta gama de possibilidades para a vigilância, monitoramento e gravação de informações fornecidas pelo “Phantom”, acreditamos que o número de casos em que poderia ser proporcional o uso de uma tecnologia deste tipo é extremamente raro e pequeno, excedendo os limites constitucionais na maioria deles.
Agora, se utilizado, deve ser apenas em crimes de alto risco social e com autorização judicial prévia que dimensione o alcance da atividade invasiva, para averiguar as informações necessárias para a investigação criminal que estiver sendo conduzida.
O problema é que a alta capacidade da ferramenta incentiva o oposto, dessa forma mecanismos de controle e transparência são essenciais para evitar a vigilância em massa e a perseguição política e ideológica, acusações que já existem sobre a Hacking Team. Portanto, é hora da Polícia de Investigações dar uma explicação mais completa sobre o software e sua utilização no Chile.
Imagem: (CC BY-NC-SA) Caneles / Flickr